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por
Marcos Jorge



Antes de sermos professores, cozinheiros, secretárias, médicos, advogados, jornalistas ou seja lá qual for a sua profissão, formamos acima de tudo uma equipe de 170 milhões de técnicos, vivendo num país batizado pelo escritor Nelson Rodrigues de “a pátria de chuteiras”. Mas ao contrário do que vemos hoje, o futebol sempre foi um esporte das elites, a situação mudou no início do século passado, quando o Vasco da Gama, seguido mais tarde por outras equipes, escalou os primeiros atletas negros. É o que afirma o professor Waldenir Caldas, do Departamento de Comunicações e Artes da ECA: “Desse fato nasceu o compromisso do torcedor, que se identificava com o time e acabou popularizando o esporte”.

Uma paixão de proporções mundiais, a nossa relação com o futebol diferencia-se do resto do planeta nem tanto pela intensidade, mas sim pelo comportamento típico do brasileiro. “O brasileiro tem um espírito lúdico que torna esse sentimento com o esporte uma coisa espontânea, mais alegre”, defende o professor, cuja torcida se divide entre Vasco da Gama, no Rio de Janeiro, e Corinthians, em São Paulo. “Que o brasileiro é apaixonado por futebol, não há dúvida!”, conclui.

 

E na Universidade a relação com o esporte bretão não poderia ser diferente. Seja nos mais altos cargos de chefia, nos pacatos campi do interior ou no universo feminino, cada pessoa tem sua maneira peculiar de torcer. Enquanto alguns são fiéis e não perdem um único jogo do seu time do coração, outros já perderam um pouco da paixão fanática de outrora, mas ainda assim não abrem mão de levantar a bandeira de sua equipe quando o assunto é futebol.

O professor Adilson de Carvalho é um desses ex-torcedores fanáticos que hoje assumem uma postura mais moderada. Descendente de italianos, o coordenador da Codage costumava viajar de Atibaia até São Paulo na infância para assistir aos jogos do Palmeiras no Palestra Itália. Hoje não vai tanto ao estádio e quando vai, é na companhia de um colega da Geologia, também palmeirense, claro. “Certa vez levei uma bronca da minha filha porque na final da Copa Libertadores da América ela foi ao estádio e eu fiquei em casa assistindo pela televisão”, conta.

“O brasileiro tem um espírito lúdico que torna esse sentimento com o esporte uma coisa espontânea, mais alegre”
Waldenir Caldas
 

Mas na maioria dos casos, é a violência que afugenta o torcedores dos estádios. É o que acontece com João Ataíde Batista, encarregado da segurança no Museu do Ipiranga, que não vê seu Corinthians de perto há nove anos. “Antigamente as brigas só aconteciam fora dos estádios, na rua, hoje os torcedores do mesmo time brigam entre si”, conta o funcionário que se define como corintiano roxo. Ataíde, que estava no Pacaembu no histórico título paulista que tirou o Timão de uma fila de 23 anos, nunca teve coragem de levar seus dois filhos a uma partida.

Mas fanatismo não é privilégio apenas dos torcedores dos grandes times paulistas. No interior do Estado, o coração de dois professores da Esalq batem por uma modesta e tradicional equipe da cidade, o XV de Piracicaba. Filho de um ex-jogador da equipe, o professor Julio Marcos Filho já exerceu uma função invejada por dez entre dez crianças fãs de futebol: entre 1948 e 1951 coube ao professor a função de mascote da equipe. “Ao contrário de hoje, naquela época apenas um garoto era escolhido para ser mascote, e era bom ele ter sorte, porque senão caía fora rapidinho”, brinca. E pelo visto o professor do Departamento de Produção Vegetal era um garoto pé-quente: nos anos em que foi mascote, o XV sagrou-se o primeiro clube do interior a subir para primeira divisão do Campeonato Paulista.

“Antigamente as brigas só aconteciam fora dos estádios, na rua, hoje os torcedores do mesmo time brigam entre si”
João Ataíde Batista
 


Francisco Antônio Monteiro
Outro professor da Esalq, Francisco Antônio Monteiro, levou a devoção pelo time em termos ainda maiores, e tornou-se vice-presidente de futebol do clube, ou em suas palavras “o que o Citadini foi para o Corinthians”, porém com bem mais sucesso. Para um senhor de 56 anos que já havia visto lendas como Pelé, Ademir da Guia e Canhoteiro desfilando pelos gramados de Piracicaba, doía ver a equipe ocupando
a lanterna da terceira divisão do Paulista. Foi aí que um grupo de torcedores resolveu tomar as rédeas na direçãoda equipe. “O resultado foi positivo, o XV terminou em terceiro lugar, e só não subiu de divisão porque levou um gol do Taquaritinga no último minuto do último jogo do campeonato”, conta Monteiro, recordando dramas que os torcedores das pequenas equipes do interior estão cansados de ouvir.



Navarro em Jogo






Há aqueles funcionários que torcem, mas que sabem exatamente o que é estar do lado de dentro das quatro linhas. Roberto Silva Navarro, professor de futebol na USP-Bauru, é um dos poucos ex-atletas que podem encher o peito e dizer: “Eu joguei com o atleta do século”. Para quem não sabe, Pelé nasceu em Três Corações, Minas Gerais, mas com poucos meses de vida mudou-se para Bauru, onde passou toda a infância. Foi nesse período que Navarro conheceu o futuro rei do futebol, jogaram juntos, tornaram-se amigos e foram adversários na carreira profissional. “Pelé era realmente uma pessoa excelente, um bom amigo e, de fato, foi um atleta capaz de decidir as partidas sozinho”, lembra o são-paulino que, por incrível que pareça, quando enfrentava seu time predileto “ficava ainda mais entusiasmado para a partida”.

O São Paulo também é o clube pelo qual torce a professora Cremilda Medina, coordenadora da CCS, mas ultimamente seu coração bate por um outro time, o Pequeninos do Jóquey, tradicional equipe paulistana que só disputa torneios nas categorias de base. O motivo dessa nova paixão? Seu neto de 16 anos atua na equipe, que já revelou talentos da seleção brasileira como Zé Roberto, do Bayer Leverkusen, da Alemanha, e o meia Julio Baptista, que atualmente joga no Sevilha, da Espanha. Desde então, a avó coruja e sua família gaúcha trocaram grandes estádios como Beira-Rio, Pacaembu e Morumbi pelos campos de várzea de terra batida nas periferias da capital.

 

 
 
 
 
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