Das obras religiosas dos franciscanos nasceu o gigantesco acervo da Biblioteca da Faculdade de Direito, uma das sementes para o surgimento da USP

foto:Francisco Emolo

De Biblioteca do Mosteiro dos Franciscanos à Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, demorou cento e oitenta anos para que um acervo de 5 mil livros, composto basicamente de obras religiosas, se transformasse em cerca de 340 mil títulos de campos diversos. Hoje, a Biblioteca da São Francisco está organizada em vários ambientes, mas já sofreu diversos remanejamentos até adquirir a configuração atual. Por ela passaram presidentes e grandes escritores, como Prudente de Moraes e José de Alencar. Por isso, é possível se deparar com assinaturas e dedicatórias dos próprios autores em seus livros.

Tudo começou com a Assembléia Constituinte de 1823, em que estava sendo discutida a criação de uma universidade. Lucas Antônio Monteiro de Barros, presidente da Província de São Paulo, buscava argumentos que justificassem a vinda da instituição para o lugar. A biblioteca seria um deles; assim, em 1825, foi criada a primeira Biblioteca Pública Oficial de São Paulo. O acervo era formado pela livraria dos franciscanos somada ao legado de d. Luiz Rodrigues Villares, bispo na Ilha da Madeira, e ao acervo do bispo da diocese de São Paulo, d. Mateus de Abreu Pereira.

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Maria Lúcia Beffa
Ficamos muito felizes de ter tido alguém tão importante como primeiro bibliotecário

Ao serem instituídos os cursos jurídicos no Brasil, em 11 de agosto de 1827, o tenente-general Arouche Rendon, primeiro diretor do curso de Direito em São Paulo , foi responsável pela escolha do Convento de São Francisco para abrigar a faculdade, agregando o acervo já existente à Biblioteca da Academia de Direito. Sob a proteção de d. Mateus, José Antonio dos Reis, primeiro bibliotecário, viria a fazer parte da primeira turma da Academia, em 1828. “Órfão, mulato, ele foi uma pessoa muito inteligente e de um esforço sobre-humano. Ficamos muito felizes de ter tido alguém tão importante como primeiro bibliotecário ”, afirma Maria Lúcia Beffa, diretora do Serviço de Biblioteca e Documentação da Faculdade.

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Em seu 180º aniversário, a biblioteca tem muitas histórias para contar, uma delas se passou em 1880, quando um incêndio atingiu o edifício da Faculdade de Direito e a Capela do Convento. O incidente, considerado criminoso pela apuração da polícia, teve
repercussão imediata. No dia seguinte, um projeto de lei criava a Seção de Bombeiros na capital, onde ainda não existia esse tipo de serviço. “O nosso acervo conserva obras que foram salvas do incêndio, algumas delas com as bordas queimadas”, revela a diretora.

Em 1834, ano de criação da Universidade de São Paulo, a faculdade foi reconstruída pelo arquiteto Ramos de Azevedo e a biblioteca transferiu-se para novas instalações. O pé-direito de 12 m de altura indica a perspectiva de Azevedo, que enxergou muito além quando planejou um ambiente que iria acolher obras por mais 70 anos. Hoje, com o espaço totalmente preenchido a prioridade é de obras jurídicas e os trabalhos recebidos são direcionados para as bibliotecas de cada faculdade da USP.

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No entanto, por muito tempo, a Biblioteca da São Francisco recebeu publicações dos mais diversos assuntos. Literatura, história, teologia, medicina e filosofia são algumas das áreas do conhecimento
freqüentemente procuradas. Além disso, ela pode servir de intermediária para estudiosos que desejam ter acesso a obras de outras bibliotecas espalhadas pelo mundo. Assim também, pesquisadores do exterior costumam vir até São Paulo em busca do saber guardado nos livros da São Francisco. “Não faz muito tempo, recebemos um padre italiano e uma pesquisadora japonesa, que viajaram para o Brasil especialmente para consultar nosso acervo”, conta Maria Lúcia.

A reforma universitária, na década de 1960, criou os departamentos e suas respectivas bibliotecas. Divididas em salas específicas de direito penal, econômico, comercial, entre outras, ocupam o mesmo espaço no segundo andar do prédio. Essas salas e o acervo circulante – livros que podem ser emprestados – localizado no térreo, são os mais atualizados e são abertos ao público. Enquanto que a biblioteca central, no primeiro andar, é de acesso fechado, afinal são180 mil obras divididas em quatro andares de estantes.

Existe, ainda, um espaço restrito dedicado especialmente a obras raras dos séculos 16 e 17, em que a consulta só é permitida com a justificativa por escrito do motivo da pesquisa. Cuidar de aproximadamente 10% do acervo da USP não é tarefa fácil, “os livros estão constantemente sendo restaurados e cursos e palestras são oferecidos aos funcionários, para que aprendam os cuidados básicos de restauração e preservação”, enfatiza Maria Lúcia. Uma medida bastante eficaz na manutenção da integridade das obras é a microfilmagem de periódicos antigos. Dessa forma, os leitores visualizam o impresso sem que haja necessidade de manuseá-lo.
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Luciana Maria Napoleone
Procurei muito e só encontrei aqui, é comum ouvirmos isso das pessoas que chegam na biblioteca

A particularidade da Biblioteca da Faculdade de Direito é a variedade de assuntos que engloba em seu acervo. “ Procurei muito e só encontrei aqui, é comum ouvirmos isso das pessoas que chegam na biblioteca ”, diz Luciana Maria Napoleone, supervisora do serviço de atendimento ao usuário. “Da totalidade das obras, apenas 6.500 não estão disponíveis para consulta, por fazerem parte das raridades”, completa Luciana. Desde romances a estudos de medicina, obras religiosas e, é claro, jurídicas, nela qualquer tipo de público pode preencher seus interesses em múltiplas áreas.

A biblioteca, que recebe cerca de 1.200 visitantes por dia, funciona das 8h às 22h e fica próxima às estações de metrô Sé e Anhangabaú. As pessoas também podem ter acesso aos títulos através do site do Serviço de Biblioteca e Documentação, onde há um link para o Sistema Integrado de Bibliotecas da USP.