perfil
 
 

Paulo Vanzolini
por
Marcos Jorge


Não é exagero dizer que dez entre dez pessoas não fazem idéia do que quer dizer a palavra herpetologia, mas com certeza todas elas sabem muito bem o que significa a expressão “dar a volta por cima”. O que pouca gente sabe, contudo, é que os dois termos estão intimamente ligados com a vida e a obra do professor Paulo Vanzolini, um herpetólogo reconhecido internacionalmente pelas suas pesquisas com répteis e anfíbios e respeitadíssimo no cenário musical pelas suas composições, como o samba Volta por cima, que lhe rendeu a autoria da expressão citada até no dicionário Aurélio.

 

Vanzolini na Amazônia

A vida tem dessas ironias. Décadas dedicadas à pesquisa científica e o maior reconhecimento vem justamente de seu hobby predileto, a música. Tal fato, entretanto, não é motivo de arrependimento do professor, “a música me deu muita satisfação, muitos amigos” além, é claro, de uma respeitável biblioteca, disponível no Museu de Zoologia, praticamente toda financiada pelo dinheiro dos direitos autorais ganho com suas composições. O museu, aliás, é a segunda casa de Vanzolini. Mesmo aposentado compulsoriamente da Universidade em 1993, quando fez 70 anos, ele continua batendo ponto na instituição exatamente como fazia na década de 40, quando entrou lá pela primeira vez, como estagiário.

Vanzolini na Amazônia

Naquele período, a instituição ainda estava sob a tutela da Secretaria da Agricultura, “uma loucura do Ademar de Barros”, e Vanzolini, assim que foi nomeado diretor tratou de entregá-lo à USP, em 1964. “Nós queríamos ensinar e vinculados à Secretaria não podíamos”, explica o professor, que se orgulha de já ter formado 36 doutores na Universidade. Como um animal que acabara de nascer, agora era hora de se dedicar ao crescimento e desenvolvimento do museu. Um intenso trabalho de coleta de espécies ajudou a aumentar o acervo de 1.200 espécies para 170 mil.

Mas a primeira relação com a Universidade remonta à sua infância. O pai fazia parte de uma geração de professores apaixonados pela Politécnica na década de 30 que incluía nomes como Prestes Maia. “Ele era daqueles que não falava Poli, falava ‘a Escola', já se sabendo que se tratava da Politécnica”, explica, ressaltando a trajetória do pai dentro da instituição, “de segundo auxiliar de cachorro até chefe de departamento, papai exerceu todos os cargos lá”. Paulistano legítimo, nascido em plena avenida Brigadeiro Luís Antônio e criado nos Jardins, Vanzolini descobriu a paixão pela biologia muito cedo, mais precisamente aos dez anos de idade. “Eu ganhei uma bicicleta e logo no primeiro passeio fui até o Instituto Butantã e me apaixonei.”

Vanzolini na Amazônia

A partir daí o caminho estava traçado. Sem a menor intenção de ser médico, ingressou na Faculdade de Medicina, porque considerava o curso preparatório melhor que o do próprio curso de Zoologia. A escolha se mostraria acertada anos mais tarde, em sua pós-graduação na Universidade de Harvard, quando foi dispensado da metade dos créditos por ter estudado na Medicina da USP. “O professor tirou um livro da estante que tinha o ranking das faculdades do mundo todo. A Medicina da USP era nota A, e terminei meu PhD em cinco semestres”, lembra. “Eu tenho uma gratidão muito grande pela Medicina porque ela me economizou tempo, dinheiro e trabalho.”

Com tantos anos de pesquisa, Vanzolini já visitou todos os Estados e territórios do Brasil, mas existe um lugar que ele fala com um carinho especial, a Amazônia. Ainda na década de 40, o professor idealizou uma expedição científica na região e teve o apoio da Fapesp para construir dois barcos que acomodariam os cientistas. “Era um barco pequeno, com motor, e outro grande sem motor, onde a gente comia, dormia, trabalhava, tinha um banheiro limpo e uma cozinha em ordem”, descreve, como se estivesse no conforto de sua residência, em São Paulo, numa pequena vila na região do Cambuci. Foram mais de 20 anos em que o professor ficava de três a quatro meses navegando pela bacia amazônica, “o melhor período da minha vida”, e que resultou em 11 mil quilômetros de navegação. Para se ter uma idéia dessa distância, do Oiapoque (AP) ao Arroio Chuí (RS) são pouco mais de 8 mil quilômetros.


Cantora Marcia interpretando música de Vanzolini

Mas Vanzolini também fez história como um grande autor. E não estamos falando de música ainda. Foi ele o autor da lei que ajudou a criar o Fundo de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), no final da década de 50. As composições vieram antes disso, no período da faculdade, quando se integrava aos alunos de Direito para participar das “caravanas artísticas” e viajar pelo interior de São Paulo na função de apresentador. “Era uma oportunidade de viajar, beber cerveja de graça e amassar as menininhas”, lembra o compositor, deixando claro um período universitário muito bem aproveitado. Hoje, separado da mãe de seus cinco filhos, vive há oito anos com Ana Maria Machado, filha de um dos fundadores do tradicional grupo paulistano Demônios da Garoa.

foto:Francisco Emolo
A música, além de um ótimo relacionamento, amizades e uma farta biblioteca, rendeu ao professor boas histórias de figuras célebres da MPB. O começo foi como produtor de um programa de Aracy de Almeida, na TV Record. “Todo mundo tinha medo dela, diziam que ela era boca -suja, brava e mal-
educada. Mas depois de conhecê-la melhor vi que na verdade era uma pessoa humilde, delicada, mas que realmente tinha a boca suja mesmo”, brinca.

Um dos pontos prediletos de Vanzolini era o bar Jogral, de propriedade de seu amigo Luis Carlos Paraná, mas que defende ter sido criação sua. “Quem inventou o Jogral fui eu. Falei para o Paraná fazer um bar diferente. Nada de microfone, o violão viria na mesa e a gente perguntaria pro casal o que queria ouvir”, diverte-se. Por fim, o lugar tornou-se célebre na boemia paulistana por revelar artistas como Jorge Ben e Martinho da Vila.

foto:Francisco Emolo
Mesmo sem tocar um único instrumento musical, escreveu sambas que têm muito da cara da cidade, coisa que impressionava alguns amigos seus, como Paulinho Nogueira, sem exagero, um dos maiores violonistas do Brasil ao lado de Baden Powell. “Ele tinha o maior orgulho porque sou o único compositor que não sabe a diferença de tom maior e tom menor”, diverte-se. Ao lado do amigo Adoniran Barbosa, as músicas de Paulo Vanzolini são consideradas verdadeiras crônicas da cidade de São Paulo.
 

Sambista que não gosta de malandragem nem de desfile de escola de samba, Vanzolini foi homenageado em 1988, pela escola de samba Mocidade Alegre. Ele já freqüentava o barracão da escola, “um lugar que você pode ir com a sua família e que tem a melhor bateria de São Paulo”. Aceitou o convite, mas foi enfático em dizer que não desfilaria. “Acho essa coisa de escola de samba, carro alegórico, de um tremendo mau gosto.” Na hora, porém, a história foi outra. “Quando eu cheguei na armação da escola e vi Inezita Barroso, Márcia, Cláudia Morena, todas as minhas cantoras prontas para desfilar eu desfilei junto. Eu nunca tinha desfilado antes, mas foi uma experiência muito boa pra mim. O pessoal da escola foi fantástico, um povo muito simpático.”


 

 
 
 
 
O Espaço Aberto é uma publicação mensal da Universidade de São Paulo produzida pela CCS - Coordenadoria de Comunicação Social.
Todos os direitos reservados®
e.mail: espaber@edu.usp.br