A CRISE POLÍTICA BRASILEIRA SURPREENDE POR VÁRIOS MOTIVOS, BROTOU DE ONDE MENOS ESPERÁVAMOS E CHEGA PRATICAMENTE AO VIVO AOS NOSSOS OLHOS E OUVIDOS


Ética em relação aos cidadãos e às questões sociais. Essa tese acompanhou o Partido dos Trabalhadores durante décadas e é a principal responsável pela surpresa da população diante das denúncias de corrupção. Seus princípios foram marginalizados, ao invés de ação para o País, buscou-se a manutenção do poder. “O que aconteceu em detalhes não sabemos, provas estão sendo apresentadas e produzidas, mas o que está posto é muito grave”, afirma José Álvaro Moisés, professor do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e coordenador do curso de Gestão de Política Pública do campus Leste.



“A frustração da população se expressa em três dimensões. Primeiro, em relação ao governo propriamente dito, depois em relação à liderança popular, pesquisas mostram que Lula tem sido visto de forma pior que o governo, e por fim, em relação às instituições, que têm seu papel diminuído”, explica Moisés. O enfraquecimento das instituições começou com o descuido no papel dos partidos e o estímulo às migrações entre eles, refletindo uma burla da fidelidade partidária e da vontade do eleitor.

O governo muda a cada quatro ou oito anos, dependendo da capacidade de administrar o País, enquanto as instituições são permanentes. A crise é a ponta do iceberg de um modelo adotado, cujas metas são manutenção e continuação. “A crise serviu para derrubar a idéia de que existem partidos bonzinhos e partidos ruins. O importante é ter instituições fortes e não imaginar que o presidente vai salvar o País”, afirma Carlos Eduardo Gonçalves, professor de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA). “Os países mais ricos não têm personalismos, têm instituições fortes”, completa.

A crise serviu para derrubar a idéia de que existem partidos bonzinhos e partidos ruins. O importante é ter instituições fortes e não imaginar que o presidente vai salvar o País”

Carlos Eduardo Gonçalves

Outro diferencial é o aumento da cobertura da crise pelos meios de comunicação. “A crise é transmitida ao vivo, está na Internet, nos canais do Congresso, muito mais presente na vida das pessoas. Não me lembro das CPIs terem tanta audiência”, observa Maria Hermínia Tavares de Almeida, professora do Departamento de Ciência Política e coordenadora do curso de Relações Internacionais. Apesar da maior exposição, Maria Hermínia acredita que não houve uma mudança no perfil dos políticos, mas sim no modo como a crise está sendo informada. “A população brasileira está preparada para receber essas informações, trabalhá-las e fazer surtir efeito nas próximas eleições”, completa.

Apesar de parte dos brasileiros ainda avaliar o governo Lula como bom ou ótimo, ele está sofrendo um desgaste proporcional ao grau em que as pessoas são atingidas pela informação, se a crise se prolongar esse desgaste vai atingir crescentemente o presidente. Portanto, é de se esperar que o PT não tenha o mesmo desempenho que teve na última eleição de 2002. “Eu acho muito difícil a reeleição do presidente Lula. Os 45 dias de propaganda eleitoral gratuita são momentos em que a população recebe uma carga muito significativa de informação contraditória. Acho que o governo não agüenta a exposição diária na televisão dos fatos que ocorreram”, afirma Maria Hermínia.



A crise é transmitida ao vivo, está na Internet, nos canais do Congresso, muito mais presente na vida das pessoas. Não me lembro das CPIs terem tanta audiência”

Maria Hermínia Tavares de Almeida

Para Kátia Saisi, professora convidada do curso de especialização em Marketing Político e Propaganda Eleitoral, oferecido pela Escola de Comunicações e Artes (ECA), o aumento do acesso aos fatos não significa que a população necessariamente se tornará mais crítica quanto às questões políticas. “As pessoas estão acompanhando mais de perto as CPIs, mas com a mesma postura que assistem ao Big Brother: mais um espetáculo de consumo”, afirma Kátia. “A espetacularização do noticiário acaba por banalizar o debate, pois se torna apenas um palco de trocas de acusações e cobranças, onde não há espaço para discussão sobre qual sociedade queremos construir”, completa.

“Eu tenho visto a crise nos jornais, pela Internet e um pouco pela televisão. Desde 1980 acompanho política e não consigo lembrar de uma crise tão divulgada”, afirma Paulo Airton Soares da Silva, fotógrafo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq). “O PT veio tirar o atraso, fazer o que os outros partidos fazem há muito tempo. Vejo com olhos de brasileiro. Não tenho partido, mas nunca fui enganado, o poder acaba mudando as pessoas”, acredita Silva. Para ele, o desenvolvimento do País poderia ser mais rápido, com a melhora da qualidade de vida, se tivessem cumprido todas as promessas, como a implantação do Fome Zero.



O PT veio tirar o atraso, fazer o que os outros partidos fazem há muito tempo. Vejo com olhos de brasileiro. Não tenho partido, mas nunca fui enganado, o poder acaba mudando as pessoas”

Paulo Airton Soares da Silva


Apesar das denúncias, ainda é cedo para avaliar se haverá total descrédito no governo do PT, muitas pessoas acreditam que os resultados econômicos vão falar mais alto. “Se houver mais emprego e mais dinheiro no bolso do consumidor, talvez nem chegue a afetar a eventual reeleição de Lula”, afirma Kátia. Os programas sociais não foram bem e não houve mudanças significativas no modo de se fazer política no Brasil, o crescimento econômico é o que resta para sustentar o governo, podendo servir de cabo eleitoral para Lula, assim como o Plano Real serviu para Fernando Henrique.



“Até a crise, tínhamos um Lula invencível, agora temos um Lula vulnerável, mas se a economia se mantiver estável em 2005 e 2006, ele permanece competitivo”, afirma Carlos Eduardo Gonçalves, professor de Economia, que aposta no crescimento da oferta de emprego e na inflação em baixa como motores para uma possível reeleição. Para José Álvaro Moisés, essa é uma possibilidade lamentável, “tenho, pessoalmente, uma posição de profunda condenação moral quanto a essa possibilidade”, afirma. Segundo ele, a tese do “rouba, mas faz” compromete a idéia de cidadania e empobrece a vida pública.


A espetacularização do noticiário acaba por banalizar o debate, pois se torna apenas um palco de trocas de acusações e cobranças, onde não há espaço para discussão sobre qual sociedade queremos construir”

Kátia Saisi

“Temo que o resultado da crise seja a despolitização, a indiferença e o desinteresse quanto às decisões políticas”, revela Moisés. Caso o eleitorado tomasse essas atitudes, apatia e passividade diante da política, poderia haver espaço para a manipulação, conseqüência terrível para a democracia. “O futuro da política brasileira depende do debate público nos próximos meses. Além disso, existe a influência da mídia, se ela passar a mão nos políticos e em seus atos, seremos um país sem alma”, completa.