OBRAS DE ARTE E CELEBRAÇÕES RELIGIOSAS SOB OS CUIDADOS DE UM CAPELÃO QUE, ALÉM DE MEMBRO DA COMISSÃO DE BIOÉTICA DO HC, CUIDA DE CORAÇÕES PARTIDOS


O local reúne obras de Victor Brecheret, Fúlvio Pennachi e vitrais desenhados por Di Cavalcanti. Parece se tratar de uma galeria de artes, mas não. Este acervo está no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC – FMUSP), mais especificamente na Capela de São Camilo, guardada por seu capelão, o padre Anísio Baldessin. O trabalho do padre envolve muito mais que rezar missas. Munido de jaleco, bipe e celular está sempre pronto para atender a chamados, além de participar da Comissão de Bioética do HC. “Ser capelão não é como no passado, ou seja, atender quem está morrendo, rezar missa e dar sacramento, isso é tranqüilo. Hoje, o desafio é ir ao encontro das pessoas e discutir questões religiosas ou não”, afirma padre Anísio.

foto:Cecília Bastos
Ser capelão não é como no passado, ou seja, atender quem está morrendo, rezar missa e dar sacramento, isso é tranqüilo. Hoje, o desafio é ir ao encontro das pessoas e discutir questões religiosas ou não”

padre Anísio Baldessin

foto:Cecília Bastos

diário da capela
A capela, inaugurada em 1945, possui um diário onde estão registrados detalhes da rotina de seus primeiros anos. Hoje, além das missas, nela são realizados cultos evangélicos. Isso acontece por uma questão de espaço, pois o HC não tem
possibilidade de disponibilizar uma outra área somente para celebrações religiosas. Além disso, segue-se a mentalidade existente na maioria dos hospitais fora do País, onde há uma capela ecumênica. “Hoje em dia não pode haver exclusividade, ao contrário de quando começaram as atividades aqui e o catolicismo era a religião predominante. Ainda é, mas já sem tanta ênfase”, explica padre Anísio.



foto:Cecília Bastos
foto da capela

No ano passado, foi criado o Comitê de Assistência Religiosa (Care), formado por dois padres, dois pastores, um suplente para cada serviço religioso e um representante da superintendência do HC. O hospital reconhece os serviços católico e evangélico, mas deverá haver um terceiro, ainda em aberto. “A intenção das religiões no HC é levar apoio espiritual. Essa é a filosofia de trabalho, isso quer dizer que não podemos aproveitar do momento para fazer conversões”, afirma padre Anísio. Além do Care, há voluntários religiosos dedicados a visitar os pacientes.

foto:Cecília Bastos


obras de Brecheret

No Brasil, o capelão costuma ser um padre ou pastor, diferentemente de outros países, como os Estados Unidos, onde existem cursos de capelania para leigos. “Nosso trabalho é facilitar os relacionamentos quebrados do doente, seja em relação a Deus, à família, à equipe profissional, à comunidade ou a ele mesmo”, explica o padre. Sem esquecer das atividades profissionais, “eu dedico mais de 50% de meu tempo a funcionários em atendimento não só religioso, mas com pessoas que precisam desabafar e dividir um pouco as angústias, é muito mais que assistência puramente religiosa, é humana”, afirma.

foto:Cecília Bastos

vitrais

Quanto aos choques entre a posição da Igreja e o cotidiano do hospital, o capelão diz que “a lei existe como um parâmetro, ao lado dela está a consciência das pessoas”. Segundo ele, “existem duas éticas, uma de princípio e outra de responsabilidade. A primeira diz para não entrar numa rua contramão, mas caso entre, tem que tomar cuidado e usar a responsabilidade”. Uma das polêmicas é o uso da camisinha, “o ideal é que a pessoa se relacione somente com seu parceiro, isso é o princípio. Agora, se ela entrar numa rua contramão, é melhor não fazer um erro em cima do outro, pelo menos se proteja. Não tem sentido um marido contaminado não usar camisinha”.

Na Comissão de Bioética, padre Anísio representa todo o serviço religioso, inclusive o evangélico. “Sempre nos defrontamos com questões de morte, família, eutanásia, aborto, concepção assistida”, conta. Os pareceres da comissão são disponibilizados num site com a intenção de ajudar no posicionamento de plantonistas em qualquer lugar. No entanto, “alguns casos têm de ser decididos na hora, por exemplo, até quando investir em uma pessoa que não tem muitas possibilidades de sobreviver”, explica o padre, que em breve fará parte também da Organização de Procura de Órgãos (OPO), trabalhando com a equipe responsável pela abordagem das pessoas para doação. “A facilidade aqui é que temos a oportunidade de orientar as pessoas individualmente”, pondera o capelão, um pouco psicólogo e um pouco amigo.

 
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