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Benê de Oliveria
por
Marcela Delphino


O MONTADOR DE NEGATIVOS NUNCA ABANDONOU SUA PAIXÃO POR FUTEBOL, MAS FOI NO CINEMA QUE BENÊ DESCOBRIU A PROFISSÃO DE SUA VIDA E UM NOVO AMOR

S
e você for até a ECA e perguntar por Benedito Osvaldo de Oliveira é possível que demore um tempo para encontrar Benê, como é conhecido o homem que, de promessa para o futebol, acabou se apaixonando por cinema e, até mesmo, virando tema de documentário. O técnico de laboratório, que vê no Departamento de Cinema uma grande família, é um dos raros profissionais que ainda se dedicam à montagem de negativos em película. “A profissão de montador de negativo já vem há algum tempo sofrendo com a extinção de mão-de-obra, porque o cinema oscila bastante no Brasil e muitos partem para outras áreas”, afirma Benê, que já viu vários colegas serem obrigados a abandonar a profissão.

Quando ainda não havia descoberto o cinema, Benê trabalhava como office-boy e, nas horas vagas, jogava futebol no 25 de Agosto, time da Freguesia do Ó, onde morou por muito tempo. “Diziam que eu jogava bem quando era mais novo”, conta. Quando surgiu a oportunidade de ser apresentado a um ex-jogador do São Paulo, que o levaria para o time, as preocupações de sua mãe o impediram de tentar a carreira de jogador. “Eu era muito pobre, o arrimo da família, minha mãe temia que um acidente no futebol me impedisse de jogar e fazer outra atividade.”

Na época em que Benê perdeu o emprego de office-boy, em 1960, sua irmã trabalhava na casa do sócio de uma empresa de dublagem, a Gravasom, que mais tarde passaria a se chamar Arte Industrial Cinematográfica (AIC). Foi com um convite de trabalho desse sócio que Benê, aos 20 anos, deu o primeiro passo rumo a uma vida dedicada ao cinema.

“Eu não sabia nada, lá aprendi a projetar os filmes e conheci muitos dubladores, a maioria de rádio e alguns de televisão, como Henrique Martins, que agora é diretor de novela, e Rogério Márcio”, relembra. “Papai sabe tudo”, “Viagem ao fundo do mar”, “Jornada nas estrelas”, os “Flinskstones” e o filme nacional “O pagador de promessas” são algumas das várias dublagens enquanto Benê passava de técnico responsável pela projeção, depois pela mesa de som e finalmente para a edição. A passagem de Benê do futebol para o cinema é contada no documentário Loucos por Cinema, exibido no Sesc.


A partir dos anos 70, “a AIC começou a atrasar os pagamentos e eu tive de sair, já era casado e tinha três filhas”, afirma Benê. Coincidentemente, a ECA estava sem montadores de negativos, então Benê foi conversar com o chefe do Departamento de Cinema, professor Rudad de Andrade, filho de Oswald de Andrade e começou a trabalhar no Departamento de Cinema em outubro de 1970, “o primeiro filme da ECA que eu montei o negativo foi do professor João Cândido”, recorda.


“Quando o negativo é revelado faz-se uma cópia de trabalho ou copião, depois de o diretor e o montador assistirem à projeção e escolherem as melhores cenas esse copião vai para um equipamento chamado moviola, que sincroniza som e imagem e onde é mais fácil ver o que ficou melhor sem queimar o filme”, explica Benê. Apesar de alguns detalhes só poderem ser observados na moviola, a edição digital vem restringindo o seu uso. Tendo como base os cortes feitos no copião, o negativo é montado através dos números de borda da película. “O meu trabalho é bem artesanal”, afirma Benê, que utiliza uma mesa com suporte, enroladeira, coladeira e sincronizador.

Benê permaneceu na ECA até 1975, quando o professor Rudad de Andrade, então diretor do Museu da Imagem e do Som (MIS), o convidou para trabalhar no museu, onde ficou até 1981. Foi no MIS que conheceu sua atual mulher,Aldenora Teófilo
de Souza,com quem tem dois filhos e três de seus nove netos. Quando saiu do MIS, Benê foi novamente convidado a trabalhar na ECA, porém saiu de lá para a Embrafilme em 1986, através do convite de Carlos Augusto Machado Kahlil, diretor da empresa que havia conhecido Benê em 1972, durante sua graduação em Cinema.

No mesmo ano, Benê voltou para a ECA a convite do professor Eduardo Penhoela. “Sempre digo isso: funcionários, alunos e professores do departamento de cinema são como uma família, é muito legal”, afirma Benê. “Na ECA eu fazia um pouco de tudo, entrei montando negativos, era responsável por chamar o técnico para consertar a moviola e pela guarda dos negativos virgens e dos magnéticos. Quando precisava fazia projeção e dava alguma assistência aos alunos, caso o professor não estivesse presente”, conta. “Na USP eu sentia que tinha mais utilidade, às vezes ia ao set de filmagem ajudar na iluminação, som, direção, fotografia e outras coisas”, conta.


Benê se aposentou há dois meses pela ECA, mas “não pretendo parar de trabalhar com cinema”, afirma o montador que já recebeu trabalhos de diversas regiões do País, como Bahia, Paraná, Santa Catarina e Rio de Janeiro, entre outros. Benê se dedica à montagem de filmes em 16mm, que não exigem um espaço tão grande quanto os de 35mm. Dentre os preferidos montados por ele, dos quais se recorda com muita emoção, estão Fé, de Ricardo Dias e Vala Comum, de João Godoy e Eduardo Santos Mendes, professores da ECA. “Eu gosto de cinema, mas também adoro muito futebol”, afirma Benê, que deixou de jogar bola há dois anos e ostenta com orgulho o troféu que recebeu quando era técnico do Morro do Dragão, time da rua onde mora atualmente, em Itaquaquecetuba
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