POR MUITO TEMPO COMBATIDO, O CIÚME É VISTO HOJE COMO ALGO NATURAL E INEVITÁVEL, PODENDO SER ATÉ MESMO BOM


O quê? Onde? Com quem? Perguntas típicas de quem tem a “síndrome de pensamentos, sentimentos, comportamentos e fisiologia, provocada pela ameaça real ou potencial de perder o amor ou a qualidade do amor da pessoa amada”, ou seja, ciúme. A definição do professor Ailton Amélio da Silva, do Departamento de Psicologia Experimental, revela que “o ciúme é constituído de várias emoções, o medo e a raiva são algumas delas”. Por muito tempo tido como característica de imaturos e egoístas, o ciúme é visto atualmente como uma reação natural, universal, praticamente inevitável e, até mesmo, boa. “Pode ser bom dentro de certos limites. É como o medo, sem medo não sobrevivemos, o ruim são os extremos”, explica Silva.

foto:Cecília Bastos
“Pode ser bom dentro de certos limites. É como o medo, sem medo não sobrevivemos, o ruim são os extremos”

Ailton Amélio da Silva

Robson Dantas Vieira não se considera muito ciumento, na verdade, apenas seus filhos provocam esse sentimento. “Quando, por exemplo, pessoas que não são próximas querem brincar com eles, usando a criança para chamar a atenção, sinto ciúmes; se for amiga, tudo bem”, afirma o técnico acadêmico do Departamento de Lingüística da FFLCH. “Não fico quieto, chego na boa e falo que não estou gostando da situação, sem grosseria”, conta Vieira, que diz ainda não se apegar às coisas materiais, “não tenho ciúmes de que usem minha mesa ou meu computador”.

O ser humano nasce muito frágil, sem dentes, não anda e demora 11 anos para que, em condições naturais, consiga sobreviver sem proteção. “A natureza inventou maneiras do casal permanecer unido para dividir esforços e investir nos filhos, um desses mecanismos é o ciúme”, afirma Silva. Atualmente, o ciúme tem duas funções para os relacionamentos amorosos: preventiva e retaliadora. “O ciúme preventivo faz com que a pessoa, ao perceber que pode estar perdendo o parceiro, passe a investir mais em si e no relacionamento. O retaliador é aquele em que se hostiliza o parceiro, podendo colaborar para o desgaste da relação”, explica Thiago de Almeida, psicólogo e pesquisador do Centro de Estudos da Timidez e do Amor Romântico (Ceta).

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“Quando, por exemplo, pessoas que não são próximas querem brincar com eles, usando a criança para chamar a atenção, sinto ciúmes; se for amiga, tudo bem”

Robson Dantas Vieira

O ciúme não varia apenas em graus, do ínfimo ao excessivo, segundo Almeida, mas pode se dirigir também a objetos. “Só sinto ciúmes do meu carro e da minha moto”, confessa João Carlos da Silva. O técnico contábil-financeiro da Faculdade de Filosofia conta que já aconteceu de emprestarem seu carro sem ele saber. “Sou muito calmo, comentei que deviam ter me ligado e, se acontecer novamente, me avisarem, porque eu poderia precisar do carro.” Não existe uma pessoa que não sinta ciúme, ainda que este não seja um aspecto comprometedor em sua vida.

Uma herança genética gerada por necessidades de sobrevivência vividas na pré-história é responsável pelo fato de que “as mulheres têm mais ciúmes quando vêem sinais de que o homem está se ligando afetivamente a uma rival e os homens, diante da possibilidade de traição sexual”, explica Silva. O ciúme excessivo, além de corroer o próprio relacionamento, pode provocar reflexos fisiológicos, como úlceras nervosas, e interferir na produtividade do trabalho. “O ciúme se torna problemático quando começa a restringir a rotina de vida. Esse é o sinal de alerta, quando se deixa de fazer coisas razoáveis em termos profissionais, sociais e mesmo pessoais”, afirma Silva.

foto:Cecília Bastos
“Só sinto ciúmes do meu carro e da minha moto”

João Carlos da Silva

Rosemary Leonessa da Silva confessa que é um pouco ciumenta, “costumava sentir mais ciúmes nos relacionamentos amorosos, por falta de confiança”. Hoje, a técnica química do Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição da Esalq entende que o ciúme pode sufocar o outro e, por isso, às vezes, é melhor engoli-lo. “Quando somos mais jovens sentimos falta de confiança até em nós mesmos, com a maturidade aprendi que não adianta sentir ciúmes”, conta. Por outro lado, os objetos nunca despertaram esse sentimento nela, “já cheguei a emprestar uma roupa antes mesmo de usá-la, não tenho ciúmes das minhas coisas”.

No contexto brasileiro, as relações ciumentas são muito valorizadas, carregando um aspecto positivo. “Na cabeça das pessoas, amor e ciúmes estão associados”, afirma Almeida. “Se você não sente, o parceiro pode considerar que você não o ama. Essa é uma inferência errônea, porque há diferentes formas de amar e de se sentir ciúme”, explica o pesquisador do Ceta. Em casos extremos, o ciumento pode cometer agressões físicas, “acho que isso acontece com quem já tem um desequilíbrio, por exemplo, uma pessoa cuja socialização não foi eficiente para ela adquirir valores contra agressões, ou alguma patologia. Então, é capaz de fazer atos extremos, até de morte”, explica Silva.

foto:Paulo Soares
“Costumava sentir mais ciúmes nos relacionamentos amorosos, por falta de confiança”

Rosemary Leonessa da Silva

Porém, o ciúme pode ser legítimo. “Primeiro, observe se é fundamentado”, aconselha Silva, “a segunda atitude é melhorar a auto-estima”. Em geral, quem o sente não gosta, porque se considera diminuído e ameaçado. Por outro lado, quem é objeto de ciúme varia, alguns não suportam ser alvo dele e outros se sentem lisonjeados. Almeida pretende explicar o porquê das separações em razão do ciúme e como intervir, enquanto ainda estamos com o parceiro, para que o ciúme sirva de benefício ou seja diminuído. Para a 2ª etapa de sua pesquisa, está recrutando casais heterossexuais, de qualquer idade, independente do tempo de namoro, desde que ambos consintam voluntariamente em participar. Para se inscrever envie um e-mail para queroparticipardesseteste@yahoo.com.br e deixe um telefone de contato e o e-mail dos dois. Os participantes terão a oportunidade de ter um diagnóstico do nível de ciúme de cada um.