De 3% a 5% da população possuem o Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade, o TDAH. É o pedaço da sociedade alvo da acusação de que está constantemente no mundo da lua: inquietação, impaciência, distração exagerada e esquecimentos são alguns dos sinais de quem possui o transtorno. E mesmo sob acusação equivocada, esses indivíduos têm plena capacidade para alcançar êxito em suas atividades após encontrarem uma vivência à qual se adaptam.

O TDAH tem origem física, numa região do cérebro denominada lobo pré-frontal. O distúrbio é causado por uma determinação genética e se manifesta ainda na infância, acompanhando o indivíduo por toda a sua vida. As principais características são a impulsividade e a desatenção. É comum ver o portador se esquecer de compromissos, perder objetos, não conseguir organizar suas tarefas ou se concentrar numa aula. Também é comum observá-lo realizando várias atividades ao mesmo tempo, falando muito ou balançando as
pernas sem parar enquanto está sentado. (veja mais sintomas no final da matéria)

“Anos atrás era mais fácil brincar ou arranjar um emprego. O TDAH tem demonstrado como hoje é mais difícil se adequar às exigências da sociedade”.

Dr. Ênio Roberto de Andrade

Hoje, fala-se mais no assunto porque o ritmo de vida atual colaborou para revelar os sintomas do TDAH em pessoas que até então o desconheciam. “É a genética que determina quem possui ou não o transtorno. O ambiente não serve para formá-lo, mas contribui para tornar visíveis as dificuldades de crianças e adultos em se adequarem ao mundo”, explica o médico Ênio Roberto de Andrade, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. “Em locais com muito espaço, crianças hiperativas podem sair para correr, brincar e gastar energia. Já dentro de apartamentos na cidade grande, a inquietação fica nítida”, diz.

Com a mudança para São Paulo, ele permanece muito tempo dentro de casa e está mais inquieto: “Ele gosta de carrinho e de bicicleta, sorte que ainda temos um quintal”, diz Márcia.

“No começo era mais difícil ir ao supermercado, igreja ou apartamento de amigos. Achavam meu filho mal-educado porque ele é mais agitado que o normal e acaba fazendo bagunça. Só depois que nos conheceram melhor, pudemos ficar mais à vontade”, conta.

Márcia com seu filho hiperativo. Fora de casa, achavam o garoto mal-educado. Na verdade, a bagunça que faz é pela dificuldade em permanecer quieto.

Na infância, o distúrbio é responsável por significativo atraso escolar em comparação com os demais da mesma idade. A princípio, pode parecer que a criança é simplesmente preguiçosa ou desinteressada, o que não é verdade. A dificuldade para o esforço mental, inclusive concentração, foge do controle do portador. Alguns sintomas podem ser percebidos ainda no berço: períodos curtos de sono, birra, impaciência e interesse por vários brinquedos sem se ater a um deles.

"Acompanhamento a crianças mostra que nem toda desatenção é motivo para encaminhamento ao médico."

Rosa Pantori

Na creche Carochinha, em Ribeirão Preto, cerca de 140 crianças são atendidas diariamente. “Nós prestamos atenção para conferir se a hiperatividade se mantém ao longo dos meses”, explica a psicóloga Rosa Pantori, que acompanha as crianças. “Somente alguns períodos com os sintomas não podem confirmar nenhum diagnóstico. Tanto que, em mais de dez anos, pouquíssimas crianças foram encaminhadas para um especialista. Quando há alguns probleminhas, apenas conversamos com os pais para dar orientações.”

A mesma questão é também lembrada pela psicopedagoga Ana Sílvia Figueiral: “Não é porque alguns sintomas se fazem presentes que já vamos enquadrar alguém como portador do TDAH”, destaca. Na sua opinião, houve uma abordagem superficial da mídia ao tratar do assunto, o que colocou o TDAH na moda despido de muitas informações importantes. Desde então, vários diagnósticos equivocados foram feitos, e pessoas sem o transtorno chegaram a iniciar tratamento.

“Hoje o volume de informações é muito maior. Todos nós estamos mais desatentos e nem por isso somos portadores de TDAH.”

Ana Sílvia Figueiral

“Temos hoje um volume de informações muito maior do que há 50 anos, e não conseguimos gerenciar tudo que ouvimos. Por conseqüência, estamos todos mais desatentos. Além disso, várias crianças tiveram uma educação fraca, não aprenderam a se organizar ou ter limites, o que justifica muitas notas baixas na escola e o mau comportamento em sala de aula”, explica Ana Sílvia.

E no caso de algum distúrbio real, é necessária paciência. O conselho é dado por Maria de Fátima Morissaua, orientadora pedagógica na Escola de Aplicação da Faculdade de Educação. Ela conta que, em caso de alguma diferença com as crianças, o colégio procura atividades que auxiliem na educação visando asolucionar o problema. Além disso, há um acompanhamento junto aos pais: “Eles não podem se sentir desamparados com os filhos fora de casa. Mas os problemas não se curam de um dia para o outro, nem são lineares. Eles vão e voltam”.

foto:Cecília Bastos
A orientadora pedagógica Fátima sugere paciência, pois as soluções não são imediatas nem definitivas. “É o momento de amparar a famílial


No caso do TDAH, não há cura. O psiquiatra do Hospital das Clínicas Ênio Roberto de Andrade explica o tratamento: “Podemos optar por remédios que irão equilibrar a disfunção das habilidades cerebrais que dizem respeito à impulsividade e concentração, mas lembramos que o problema não tem cura. O melhor mesmo é que o indivíduo passe a se adaptar ao mundo”, afirma. “Tratei de um rapaz que foi despedido por justa causa: ele não conseguia se lembrar de bater o cartão na entrada ou saída do trabalho. Mais tarde ele decidiu aceitar o cargo de vendedor: agora viaja pelo estado, dorme cada dia numa cidade e não precisa bater cartão.”

“A genética impõe limites, mas dentro deles podemos nos encontrar.”

Dr. Ênio Roberto de Andrade

M A I S ........S I N T O M A S


Inquietação:
mexer as mãos e/ou pés quando sentado, musculatura tensa, com dificuldade em ficar parado num lugar por muito tempo. Costuma ser o “dono” do controle remoto.

Baixo nível de tolerância:
não sabe lidar com frustrações ou erros.
Rompe com certa facilidade relacionamentos de trabalho, sociais e/ou afetivos.
Às vezes parece não ouvir quando o chamam, o que lhe deixa com a imagem de desinteressado.
Durante uma conversa pode distrair-se e prestar atenção em outras coisas, principalmente quando está em grupos.
Dificuldade em organizar-se: mesa, gavetas, arquivos, papéis e com o planejamento do tempo.

Sexualidade instável:
pode alternar períodos de grande impulsividade sexual com outros de baixo desejo.
A comunicação costuma ser compulsiva, sem filtro para inibir respostas inadequadas, o que pode provocar situações constrangedoras e/ou ofensivas.
Tem um temperamento explosivo: não suporta críticas, provocações e/ou rejeição.

Fonte: Instituto Paulista de Déficit de Atenção

S E R V I Ç O

O Hospital das Clínicas tem grupos especializados em pesquisas e tratamento do TDAH, com atendimento para crianças, adolescentes e adultos. Mais informações pelo telefone (11) 3088-4562, de segunda a sexta-feira, das 8h30 às 18h30