Presente tanto nas prateleiras de supermercados como de farmácias, a soja é exatamente isso: um alimento de origem vegetal, rico em proteínas, que está sendo indicado por médicos como um remédio na redução dos riscos de câncer e doenças cardiovasculares, no controle de diabetes e na prevenção de osteoporose. Para as mulheres, a soja na dieta pode ainda prevenir a tensão pré-menstrual e aliviar os sintomas indesejáveis do climatério (menopausa), como depressão, ansiedade, irritabilidade, insônia, ondas de calor e suores noturnos. Por todas as suas funções terapêuticas, a soja é também chamada de alimento funcional.

A história deste grão remete a 5 mil anos, na China, quando a soja foi cultivada pela primeira vez, a partir de cruzamentos entre duas variedades de uma planta selvagem. Segundo a Embrapa Soja, ligada ao Ministério da Agricultura, foi a partir de 1960 que a soja se estabeleceu como cultura economicamente importante para o Brasil, responsável, em 2003, pela segunda maior produção do grão no mundo (26,8% da safra mundial). No entanto, o uso dos grãos na mesa brasileira, para além do óleo de soja, é um costume recente e com poucos adeptos, apesar da diversidade de versões disponíveis no mercado, entre elas o extrato solúvel ou “leite” de soja, a proteína vegetal texturizada (PVT, popularmente conhecida por “carne de soja”) e a farinha de soja, usada no preparo de bolos, tortas, biscoitos e pães.

Segundo Jocelem Salgado, professora de Nutrição da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz e presidente da Sociedade Brasileira de Alimentos Funcionais, o componente da soja responsável por várias de suas funções terapêuticas são as isoflavonas, semelhantes ao estrogênio, hormônio natural. “Muitos estudos mostram que a soja e suas isoflavonas podem aliviar os sintomas provocados pela deficiência de estrogênio, que ocorre na menopausa”, explica, citando estudo realizado pela Faculdade de Medicina da USP, em 2003, com colaboração dos médicos Angela Maggio da Fonseca e Vicente Renato Bagnoli, que comparou tratamento de sintomas do climatério com reposição hormonal convencional e com alimento à base de isolado protéico de soja. “Observou-se que o alimento à base de soja foi capaz de reduzir diversos sintomas na mesma intensidade que o medicamento, com uma vantagem: sem qualquer reação adversa”, diz.

foto: Paulo Soares
“Muitos estudos mostram que a soja e suas isoflavonas podem aliviar os sintomas provocados pela deficiência de estrogênio, que ocorre na menopausa”

Jocelem Salgado


Desde 1999, a FDA (agência que regula alimentos e medicamentos nos EUA) definiu o consumo diário de 25 g de proteína de soja como suficiente para a redução do colesterol total e para contribuir com o aumento do bom colesterol (HDL) e com a redução do mau (LDL). No Brasil, esses benefícios também foram reconhecidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Angela e Bagnoli, também responsáveis pelo Ambulatório de Ginecologia Endócrina e Climatória do Hospital das Clínicas, há cerca de quatro anos receitam medicamentos com um dos elementos ativos de isoflavonas, a genisteína. Autores de Climatério: Terapêutica não Hormonal (Editora Roca), a dupla acaba de concluir novo estudo em 2006 confirmando benefícios do tratamento à base da planta. “Indicamos esse medicamento para dar continuidade ao tratamento hormonal convencional, diminuindo sua dosagem, quando os sintomas são mais leves ou quando a paciente tem contra-indicação à hormonoterapia clássica”, diz Angela. Bagnoli explica que esse tratamento é contra-indicado para pacientes com alergia à soja, insuficiência renal ou hepática, ácido úrico aumentado, problemas de hipotireodismo não tratado e para portadoras de câncer de mama. “Não é porque o medicamento é feito à base de plantas que pode ser encarado como natural. Como qualquer outro, precisa ser feito com critério e acompanhamento médico”, alerta Bagnoli.

Substituindo alimentos

A proteína presente na soja, segundo a professora Jocelem, é considerada a de melhor qualidade entre os vegetais, com muita semelhança às proteínas da carne de origem animal. “A carne de soja pode ser utilizada no preparo de pratos em substituição à carne bovina, uma vez que se assemelha muito na aparência, e quando bem preparada, no sabor. Além do excelente conteúdo de proteínas de alta qualidade, a vantagem de se utilizar a carne de soja em relação às carnes em geral está no alto teor de fibras, na ausência de colesterol, e no baixo conteúdo de gorduras saturadas do alimento. A única desvantagem fica por conta do menor conteúdo de ferro e ausência de vitamina B12, nutriente encontrado somente em alimentos de origem animal”, diz.

A proteína presente na soja, segundo a professora Jocelem, é considerada a de melhor qualidade entre os vegetais


Esta “mudança de hábito” na dieta brasileira pode ser encarada como um aprendizado culinário, uma vez que o preparo do alimento exige alguns cuidados. Segundo a Empraba Soja, “ a soja nunca deve ficar de molho em água fria, porque isso ocasiona a formação de compostos, como a enzima lipoxigenase, que dão sabor de ranço ou de ‘feijão cru’ aos grãos.” Manter a soja em água fervente e, depois, lavá-la com água fria corrente é uma lição que já virou rotina nas refeições de Simoni Cristiane da Silva, assistente social do Serviço de Moradia da USP.

“Uma amiga do trabalho, que tem uma alimentação mais natural, começou a falar muito da soja. De um ano para cá, fui me informar sobre os benefícios para a saúde e combate aos sintomas da menopausa, e passei a comprar. Costumo cozinhar a soja e preparar como salada”, diz Simoni, que usa o alimento como mais uma fonte de proteína.

“Já experimentei a carne de soja num restaurante, mas achei sem sabor, sem gosto de nada.”

Domingos Tasso Jr.

Por sua vez, Domingos Tasso Jr., diretor do Serviço de Biblioteca do Instituto Oceonográfico, reclama do sabor da leguminosa. Ou melhor: da falta de sabor. “Já experimentei a carne de soja num restaurante, mas achei sem sabor, sem gosto de nada.”
A recusa do alimento por parte de Paulo Mota, do Setor de Consignação da Edusp, é a desconfiança em relação aos alimentos transgênicos, obtidos com modificação artificial no código do DNA das células dessas plantas. “Não confio nos produtos transgênicos e não me sinto esclarecido. Outra situação que eu acho incômoda é que, mesmo sendo lei, não vejo rotulagem de alimento transgênico nos produtos. Me parece que eles representam mais uma medida de contenção de gastos contra pragas do que benefícios para a saúde”, reclama.

A indústria de alimentos não cumpre a obrigação de sinalizar um triângulo com um T (de transgênico)


Quanto à lei federal, de 2003, o funcionário está coberto de razão: a indústria de alimentos não cumpre a obrigação de sinalizar um triângulo com um T (de transgênico) na embalagem para qualquer produto que contenha ou tenha sido produzido com matéria-prima com mais de 1% de contaminação transgênica. Para o professor Flávio Finardi Filho, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, a lei causa um alarme desnecessário à população. “Já há pesquisas que mostram que não há perigo no consumo de soja geneticamente modificada”, defende o professor, ele próprio autor de um desses estudos. Desde 2001, Finardi testou uma variedade de soja tolerante à presença de um herbicida, usada para facilitar o manejo e economizar gastos com perda da produção. Ao comparar o sangue e os órgãos internos de dois grupos de ratos em fase de crescimento – um se alimentando com soja comum e, o outro, com transgênica - não observou nenhuma alteração no desempenho dos animais. O professor defende, no entanto, que novos estudos sejam feitos antes que as próximas variações transgênicas sejam colocadas no mercado, tanto para o consumo humano como animal.

PARA SABER MAIS



Climatério: Terapêutica Não Hormonal

Vicente Renato Bagnoli, Angela Maggio da Fonseca, Hans Wolfgang Halbe Editora Roca
432 páginas
R$ 150


Os autores deste livro científico analisam o impacto dos bons hábitos da atividade física e da nutrição nessa importante fase da vida da mulher, além de indicações, resultados e contra-indicações de fitormônios e práticas alternativas, como acupuntura e homeopatia.


Alimentos Inteligentes

Jocelem Mastroi Salgado
Editora Prestígio
224 páginas
R$ 28,41

O livro é uma coletânea de cerca de trinta artigos que convidam o leitor a prestar atenção nas frutas e verduras e nas situações mais simples e corriqueiras de suas vidas.