"Quando alguém me pergunta se não saio de férias, respondo que vivo em férias. Gosto do que faço, tenho o maior prazer nisso.” Somente com essa frase já dá para se ter uma idéia da dedicação e do entusiasmo do professor José Antunes Rodrigues, ex-diretor e Professor Emérito da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP). O professor Antunes, como é conhecido no campus de Ribeirão, relata que sua fonte estimuladora na academia é o contato permanente com os jovens. O professor é conhecido também pelo hábito de trabalhar de segunda a domingo, não se cansar nunca e pela filosofia de vida de alguém que conseguiu construir uma trajetória feliz baseada nas atividades profissionais. “Temos de procurar a felicidade de qualquer jeito, não podemos nos enganar, com isso fazemos o ambiente também feliz e todo mundo viverá melhor”, resume. Aos amigos e colegas costuma repetir as palavras de um outro professor, colega seu: “Temos que ter um objetivo elevado na vida, procurar alcançar grandes coisas, pois a própria vida tudo rebaixa”, e ainda: “Homens de terceira classe não formam homens de primeira classe”.

“Temos de procurar a felicidade de qualquer jeito, não podemos nos enganar, com isso fazemos o ambiente também feliz e todo mundo viverá melhor”

Mas para quem pensa que a vida do professor Antunes sempre foi fácil e isso deu origem a essa felicidade toda, se engana. Como para a maioria do povo brasileiro, para chegar ao curso de Medicina em Ribeirão Preto ele percorreu um longo caminho. As dificuldades se transformaram em incentivo e persistência. Ele nasceu em 1933 em Santa Rita do Araguaia, Goiás, e ainda se lembra do pai lendo, montado num cavalo. O pai, mesmo tendo freqüentado por cinco meses os bancos escolares, o tempo de aprender a ler e escrever, sabia exatamente a importância de se estudar e, principalmente, da leitura. “Ele era um homem culto da vida”, relembra com orgulho. Essa definição, segundo Antunes, foi feita pelo professor Miguel Rolando Covian, seu orientador, quando ingressou na carreira universitária.

“O Zé precisa estudar”


Em frente ao Prédio Central da Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto, 1954
O professor ainda se emociona quando lembra que o pai vendeu tudo o que tinha dizendo para a família: “O Zé precisa estudar, vamos para Goiânia”. Em Goiânia o “Zé” estudou de 1939 a 1953. É o único de nove irmãos que cursou o ensino superior. “Os outros apenas mais recentemente é que estudaram”, comenta.
A vida em Goiânia não foi mais fácil e a família precisou retornar a Santa Rita do Araguaia. Nessa época outra importante influência acontece na vida do professor Antunes. Durante dois anos ele morou numa igreja. E não foi de graça. Era responsável pela limpeza tanto do prédio como dos quartos, dos jardins e do quintal, além das badaladas do sino. Lembra com carinho estampado no rosto dessa época.
“Aprendi a ter disciplina com religiosos e a enxergar o mundo com pureza”, fala emocionado. Dessa época também se lembra do jornal que ajudou a criar no grupo escolar.

Medicina sempre esteve nos seus planos. “Desde moleque quando perguntavam o que eu seria quando crescesse, a resposta era imediata – médico.” O professor atribui essa escolha à influência de um médico da sua cidade conhecido como dr. Sebastião. “Uma pessoa muito querida, que atendia a todos, ricos e pobres, quem podia pagava, quem não podia era atendido do mesmo jeito”, recorda. Do pediatra da cidade, dr. Geraldo Brasil, lembra do jeito alegre e carinhoso.

Quando conversamos com o professor Antunes, ficamos com a certeza que essas foram influências muito fortes em sua vida. A dedicação ao ser humano, a alegria e o carinho com que trata as pessoas que o cercam ficam evidenciadas na sua fala. “Gosto do contato com o ser humano, tenho medo de magoar as pessoas. Todos têm seu valor e devemos sempre ressaltar seus pontos positivos.”


1960 - Recém-contratado como Instrutor no Departamento de Fisiologia da FMRP1960

Do sonho de cursar a Pinheiros à realização na Medicina de Ribeirão
“Meus irmãos não estudaram. Alguns estão agora terminando o ensino superior. E olha que meu pai castigava quando os filhos tiravam nota baixa. Filhos de pais humildes, que não têm na casa o hábito do estudo, o dia-a-dia é uma luta pela vida. Corre-se atrás do que falta. Lembro-me com certa angústia dessa luta de meu pai. Para famílias assim, todos precisam trabalhar, não sobra tempo para o estudo, por exemplo.” Mesmo com essa realidade, o sonho do jovem “Zé” era cursar a “Pinheiros”, a Faculdade de Medicina da USP na capital paulista. Na primeira tentativa foi reprovado em química.
“Quando cheguei em Goiânia meu pai mandou voltar para São Paulo e fazer cursinho, mesmo com todas as dificuldades em me manter por lá.” Assim, o professor Antunes tentou mais uma vez ingressar na Medicina de São Paulo, mas ficou na lista de espera. Foi quando um professor do cursinho, em São Paulo, falou da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.“Ribeirão foi um acidente de percurso.

Quando cheguei em Ribeirão Preto fiquei decepcionado com a Faculdade de Medicina, era uma fazenda, longe da cidade, não tinha nada a ver com aquele modelo de faculdade que idealizei.” Por insistência do amigo José Simão Camelo, também de Goiânia, que tentava Medicina, mesmo com a decepção ficou para os exames finais. O resultado não poderia ser melhor, tanto para ele como para Ribeirão Preto. Foi o primeiro colocado no vestibular e o amigo Camelo, o segundo. Credita ao amigo uma grande importância na sua formação. “Um irmão. Teve um papel muito bom na minha formação. Tive sorte na vida, encontrei pessoas muito boas que me ajudaram.” Ao término do curso foi premiado como melhor aluno da cadeira básica e melhor aluno da cadeira clínica. “Meu desempenho se deveu a uma filosofia que adotei – meu futuro dependeria do que faria no curso médico, então procurei fazer o melhor.”


Na formatura, recebendo prêmio de melhor aluna da Turma
Esse período também não foi fácil. O pai o ajudou, mas as atividades como monitor de Fisiologia também foram fundamentais para sua manutenção em Ribeirão Preto. Conta com entusiasmo que usou o dinheiro dos prêmios de final de curso para a mãe e o irmão viajarem de Goiânia a Ribeirão Preto para assistirem a sua formatura.

“Quando terminei o curso médico, apesar de sempre sonhar em ser cirurgião, fui convidado pelo professor Covian a ficar na Fisiologia, o ambiente no departamento naquela época já era muito bom e se manteve, mesmo com as divergências de pensamento.” Quando terminou o curso médico já tinha quatro trabalhos publicados. Em 1960 foi contratado como instrutor no Departamento de Fisiologia. Defendeu tese em 1962 e em 1964 foi para os Estados Unidos. Ocupou uma série de cargos administrativos na USP, de chefe de departamento a presidente de comissões na FMRP e na Reitoria. Também foi diretor da Medicina RP que aprendeu a gostar e onde realizou seu sonho. O primeiro diretor formado na própria unidade.

“A minha razão de ser sempre foram o ensino e a pesquisa”, enfatiza. Mesmo com toda essa dedicação à Universidade, não se esqueceu de formar uma família. Tem três filhos. “Todos formados”, fala com orgulho. Uma mulher, que é arquiteta, e dois rapazes, um engenheiro e outro administrador. “Para eles, estudar já foi algo natural. Procurei mostrar a responsabilidade que temos com o País, que temos que criar massa crítica.” Sobre essa vida de dedicação e persistência incansáveis diz: “Todos os exemplos que tive eram de pessoas totalmente dedicadas. Aprendi a gostar disso, sempre me senti bem trabalhando, via os professores Mauricio Oscar Rocha e Silva e Covian aos sábados na faculdade e me inspiravam”.

“A minha razão de ser sempre foram o ensino e a pesquisa”

Para o professor Antunes o papel da Universidade não mudou ao longo desses anos. “A Universidade tem que produzir e administrar o conhecimento novo e colocá-lo à disposição da sociedade. Ela tem a responsabilidade de aumentar a massa crítica neste país e tem e, de uma forma geral, mesmo as federais com suas dificuldades têm cumprido esse papel. Mas temos que estimular mais a formação de recursos humanos, principalmente no Norte e Nordeste.” Empolga-se quando fala que, até mais que a produção científica, tem a sensação real de dever cumprido muito mais pela formação de recursos humanos do que pela produção científica. “Formar gente é fundamental.” Quando perguntado sobre seu hobby, é enfático. “Leitura.” Mas complementa: “Fiz do meu trabalho meu principal hobby”.