Na era da tecnologia, a sociedade abre os braços para o padrão consumista

Parcelamentos a perder de vista, cartões de crédito, lojas na internet e uma vasta linha de facilidades tecnológicas permitem à população mais acesso ao mundo do consumo. Diante de muitos estímulos e devido à mudança no perfil da sociedade, os brasileiros caminham por uma estreita linha que separa o lado racional do compulsivo na hora das compras.

Segundo estimativas da Abecs (Associação Brasileira de Empresas de Cartões de Crédito e Serviços), existem mais de 337 milhões de cartões em circulação, contando crédito, débito e de lojas. A movimentação financeira proporcionada pela moeda de plástico foi de R$ 211 bilhões no ano de 2005, com destaque para o crescimento nas transações feitas em débito, 36% maiores que em 2004.

“Uma grande leva de portadores de cartões, que antes só faziam uso para o saque, passou a utilizá-los no pagamento de compras feitas na hora”, afirma Antonio Luiz Rios, gerente de marketing da Abecs. “Os cartões já são a segunda opção de pagamento, ultrapassando os cheques. Com novas tecnologias, especialmente as ligadas às comunicações sem fio, eles estão mais próximos do usuário, permitindo que a utilização chegue até a feiras livres, barracas de praias e entregas em domicílio.”

Mas, apesar da comodidade, um dos efeitos causados no imaginário das pessoas, quando realizam uma compra via cartão, é a idéia do irreal ou abstrato, isto é, a falsa impressão do dinheiro não saindo do bolso. Sobre isso, a professora de Marketing da FEA (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade) Ana Akemi Ikeda comenta: “Os efeitos da tecnologia atingem a sociedade e falta muita educação e consciência sobre o que esses novos meios significam. O mais comum é ver pessoas tomando susto quando vêem seus extratos no final do mês. Ainda esquecem de somar juros e medir o risco de fazer dívidas com parcelamentos longos”.

foto:Francisco Emolo
Ana explica que o consumismo está fortemente inserido na sociedade: “O homem vive de símbolos pelos quais se exibe o status. Quem é o cacique da tribo ? É o dono do cocar com mais penas. Além disso, somos educados a crer que os bens oferecidos pelas lojas vão nos proporcionar melhor qualidade de vida, o que nem sempre é real”. As emoções positivas como relaxamento, diversão, sentimento de superioridade e de poder explicam alguns dos motivos que levam o cidadão comum a fazer compras. Mas quando os resultados dos negócios são
A professora Ana comenta que o consumo e sua associado ao simbolismo. Ele pode representar deleite, estilos pessoais, poder, ostentação, entre outros
negativos, ou os estímulos que levam os sujeitos às lojas se tornam irresistíveis, pode-se entendê-los como sinais de compulsividade. Há diferentes níveis desse sentimento compulsivo, tornando difícil julgar o limite entre o prejudicial e o saudável. Portanto, é necessário atenção sobre os hábitos financeiros.

Alguns grupos, denominados consumeristas, procuram aliviar as tendências ao consumo exagerado. Eles apontam a conscientização das massas como responsável por um freio no contínuo processo de compras sem interrupção. Em um contexto maior, eles citam o desenvolvimento sustentável para evitar a futura exaustão do ambiente. “O próprio uso do copinho de plástico para tomar café é um conforto que custa caro. Ele aumenta a produção de lixo e requer matéria-prima para fabricação. Porém, no Brasil, os impactos ambientais têm pouca visibilidade por ocorrerem num país com dimensões continentais e riqueza de recursos muito grande. Então as organizações consumeristas não conseguem se manifestar com expressão”, diz a professora.

A compra compulsiva acontece durante a procura irresponsável e/ou desnecessária e impossível de controlar por bens diversos. Nesse caso, o indivíduo não focaliza o produto alvo da compra, mas a ação da compra. Ao contrário, o consumo compulsivo se refere à busca incessante por determinada categoria de bens.


Precisamos de tudo isso?
“Não posso nem olhar para as bolsas, preciso me policiar”, diz Jandira Neves Moraes Moreira, funcionária do Sibi (Sistema Integrado de Bibliotecas). “Eu adoro fazer compras, olhar marcas e experimentar coisas novas. Já cheguei a passar seis horas dentro do supermercado”, brinca. Ela afirma não ser do tipo que faz dívidas além do que alcança, mas nem por isso deixa de olhar para o consumo como uma opção de lazer. “Compras pela internet não têm graça, só faço mesmo quando preciso. O passeio e o contato com as pessoas é a parte boa”, explica.

“Às vezes lamento pela economia que eu poderia ter feito. Já ocorreu de comprar vestidos quase iguais aos que tinha em casa, ou então levar uma peça apertada jurando que ia emagrecer. Mas depois tive que me desfazer deles por não terem uso”.

Crime e castigo: Apesar da atividade da compra ser associada a ganhos, nem sempre é o que ocorre. A professora Ana cita estudos feitos ao longo da segunda metade do século 20. Eles mostram que muitos consumidores ficam apreensivos pela possibilidade de outros descobrirem a compra fútil que eles fizeram. A partir daí aparecem sintomas como tensão, timidez e comportamento explosivo. Outro ponto volátil é a função compensatória. Para espantar a baixa auto-estima, insegurança e outros déficits emocionais, o sujeito vai às compras. No entanto, a satisfação se esvazia quando ele percebe a inutilidade da aquisição e os gastos desnecessários.

Ana reconhece que as mulheres gastam mais com itens supérfluos. “Já ouvi uma explicação com origens distantes para o caso: o homem, historicamente, esteve incumbido de sair para caçar. Por isso ele é mais objetivo, tem um alvo, uma presa em mente. As mulheres, que ficaram responsáveis pelo lar ou pela coleta, aprenderam a vasculhar o ambiente. Com essa noção incorporada, é normal que demoremos mais nas lojas”, garante.

Em Ribeirão Preto, a funcionária da Faculdade de Odontologia Sônia Aparecida Schiavetto dos Santos fala do seu exemplo: “Vou ao shopping sem destino. Aí vejo uma roupa ou um sapato que me interessa”. Ela afirma não ser exagerada, mas não é sempre que o marido concorda: “Ele diz que eu só compro besteiras, fica bravo. Mas isso só acontece quando eu volto pra casa sem levar nada para ele”. Segundo Sônia, exagerada é a
foto:Francisco Emolo
filha: “Não posso nem ir ao shopping com ela!”.Para educar, a mãe usa o sistema da mesada: “Dou para minha filha de 20 anos uma quantia em torno de R$ 150,00 por mês. Tem vezes em que, antes da última semana, ela já usou tudo. Até acho isso bom porque, assim, ela aprende a controlar melhor as finanças para o mês seguinte”.
A funcionária Jandira adora fazer compras e já passou seis horas num supermercado. “Às vezes lamento pela economia que poderia ter feito”

A movimentação do mercado aumentou significativamente nos últimos 50 anos com o processo de consolidação da independência feminina: “Antes a mulher dependia do dinheiro do pai ou marido. Hoje ela tem o próprio salário e gasta como quer”, diz a professora. Outro público incluído foi o universitário. “Os bancos passaram a dar crédito para os jovens. Quando estão na faculdade, eles ainda são todos duros. Porém, em pouco tempo se tornam profissionais qualificados nos mais diversos segmentos e adentram numa classe social alta e financeiramente próspera.”

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Para lidar com o novo ambiente, informações bancárias, cuidados com as compras e direitos do consumidor, alguns endereços na internet disponibilizam informativos:

ANUCC (Associação Nacional de Usuários de Cartões de Crédito) Traz dicas e casos sobre abusos de administradoras de cartões.

Manual do Portador do Cartão: Esclarecimentos de dúvidas sobre o funcionamento do sistema de crédito e débito.

A Sociedade do Consumo e o Consumerismo: ao contrário dos estímulos constantes às compras, grupos consumeristas procuram alertar sobre o consumo exagerado e o desenvolvimento sustentável.