Decidir livremente sobre o número de filhos é um direito de todo cidadão brasileiro


"O planejamento familiar é direito de todo cidadão.” Assim determina a Lei 9.263, de 1996, que regulamenta o planejamento familiar e reconhece a livre decisão do casal de ter ou não ter mais filhos. Na prática, o Estado brasileiro se responsabiliza a oferecer o serviço em hospitais e postos públicos e fiscalizar o atendimento em órgãos privados, que deve incluir atividades como assistência à gravidez e à contracepção, o atendimento pré-natal e o controle de doenças sexualmente transmissíveis. “Infelizmente, muitas vezes os hospitais públicos sequer oferecem camisinha, e nos hospitais privados, um homem pode conseguir fazer a vasectomia sem precisar passar pelo atendimento de um grupo multidisciplinar”, observa Flávia Manhoso, pesquisadora da Escola de Enfermagem da USP. Por seu lado, o Ministério da Saúde reafirmou o compromisso de chegar a 2007 cobrindo 60% da demanda por planejamento familiar, que hoje está em 30% na rede do Sistema Único de Saúde.

A esterilização masculina é feita em cirurgia simples, para romper os canais deferentes que transportam os espermatozóides dos testículos até a uretra. Para Américo Sakai, médico do Hospital Universitário, esta opção é mais barata e envolve menos riscos do que a laqueadura feminina, que consiste em ligar ou cortar as trompas de falópio do aparelho reprodutor feminino. “As chances de reversão também são maiores que a laqueadura”, diz.

Em seu mestrado, Flávia acompanhou homens entre 25 e 45 anos que optaram pela vasectomia após a orientação do planejamento familiar feita no posto de saúde do Hospital Maternidade Interlagos. “O planejamento é feito em três sessões por um médico, uma assistente social, uma enfermeira e um psicólogo. O médico enfoca a parte de fisiologia e anatomia do sistema reprodutor masculino e feminino. A assistente social .informa os aspectos legais da
“Infelizmente, muitas vezes os hospitais públicos sequer oferecem camisinha(...)”

Flávia Manhoso
esterilização, a enfermeira explica e demonstra todos os métodos anticoncepcionais disponíveis e a psicóloga promove um debate sobre sexualidade e vida conjugal”, diz Flávia, contando que o planejamento foi decisivo para informar e esclarecer medos e tabus de homens que seguiram adiante com a cirurgia

Segundo o IBGE, a média de filhos por mulher diminuiu de 4,4 filhos em 1980 para 2,3 no ano 2000, sinalizando um controle da natalidade cada vez maior. Denise de Araújo, funcionária da graduação do Instituto de Psicologia, de 40 anos, está dentro desta média. Ela teve duas filhas, atualmente com 18 e 17 anos, e procurou o Hospital Universitário para realizar a esterilização. “Fomos desestimulados, o HU não oferecia o serviço e era muito caro fazer no hospital privado”, lembra ela, que passou a usar a pílula e, recentemente, optou pelo Dispositivo Intra-Uterino (DIU), com acompanhamento no próprio HU. “Estou sendo bem orientada. A cada seis meses faço um ultra-som e me sinto satisfeita”, diz.

O Hospital Universitário da USP já divulgou a intenção de passar a realizar cirurgias de esterilização, prometendo seguir os rigores das leis federal, estadual e municipal sobre o tema. O homem precisa ter mais de 25 anos e, pelo menos, dois filhos com a atual parceira. A decisão final, destaca Sakai, cabe sempre ao casal, que assina um termo de responsabilidade. “Como urologista, recebia muitos indivíduos no meu ambulatório que agendavam consulta querendo a vasectomia. Encaminhei a demanda para a superintendência do Hospital”, explica ele, dizendo que o HU estuda como se adequar para prestar outros serviços, como a laqueadura e a orientação à contracepção através do grupo de especialistas do planejamento familiar.


Apesar das vantagens da vasectomia, Sakai lembra que os homens devem estar cientes dos cuidados a serem tomados após a cirurgia. “Alertamos sobre as complicações pós-cirúrgicas, como hematomas na região ou dor por um processo inflamatório, seguido de sensibilidade maior nos testículos.” Outro ponto importante, segundo ele, são os espermogramas, exame que deve ser feito a cada 3 ou 4 meses para acompanhar se não há mais produção de espermatozóides.

Durante sua pesquisa, a enfermeira Flávia observou que os homens vasectomizados raramente seguem esse tipo de obrigação. “Muitos alegam falta de tempo, quando na verdade há constrangimento.” Outros importantes cuidados pós-cirúrgicos, que recomendam abstinência sexual por uma semana e uso de método contraceptivo até um mês depois, também nem sempre eram levados a sério. “O homem quer testar se não está impotente”, diz ela, explicando que esse tipo de reação pode aumentar o risco de gravidez pós-vasectomia. “Essa recomendação existe porque ele precisa ter dez ejaculações até eliminar totalmente os espermatozóides, mas não o fazem”, lamenta.

“No geral, os casais chegam no posto sem nenhuma informação e já querem fazer a laqueadura”, diz Flávia, citando dados de 1996 da Organização Mundial da Saúde que revelam que 40% das mulheres brasileiras são esterilizadas, enquanto a porcentagem de homens está em 4,4%. “Percebi que os homens, quando esclarecidos, acabam optando pela vasectomia por serem solidários à mulher que não podia usar pílula, por exemplo”, reconhece.
" Nosso plano era ter um casal de filhos, foi uma coisa pensada”

Milton Sacco
O importante é que o casal descubra junto a forma de controle que melhor se adapte ao estilo de vida de ambos, a exemplo de Milton Sacco, zelador da Faculdade de Educação, de 64 anos. Ele não pensou em esterilização porque a mulher sempre usou pílula. “Colocar filho no mundo é um desafio e não está fácil para ninguém. Nosso plano era ter um casal de filhos, foi uma coisa pensada”, conta ele, que tem filhos de 28 e 30 anos.