Há algumas poucas décadas, os objetivos da educação física em escolas e centros poliesportivos eram outros. Buscava-se, principalmente, a superação de limites pessoais, quebra de recordes e conquista de resultados máximos. Isso é o que se chama de esporte-rendimento. Colégios davam aulas baseadas nessa corrente, focando o público infanto-juvenil para a prática esportiva, treinamentos específicos e competições. “Mas não é todo mundo que nasceu para ser atleta”, lembra Osvaldo Ferraz, professor e pesquisador da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE). Com a evolução teórica, a educação física apresenta hoje um quadro diferente: procura valorizar a riqueza da cultura do movimento e propõe uma formação voltada para saúde e recreação pessoal, em vez de apenas separar atletas de cidadãos comuns.

O esporte-rendimento se estabeleceu ao longo dos anos 70 e é usado por uma parte significativa dos professores da disciplina até hoje. Com isso, as aulas de educação física se tornam apenas ambientes com bate-bola, competição entre times e repetições de exercícios. “Esse contexto promove a valorização de habilidades motoras e talentos individuais, causando imensa exclusão dos alunos que não têm o perfil de atleta”, explica Ferraz. “Nesse quadro aparecem dualismos que separam as crianças fortes das fracas, velozes das lentas, e vencedoras das derrotadas.”

A situação foi mudar apenas no final dos anos 80, com a evolução teórica, fruto de pesquisas acadêmicas. A redemocratização do País e os espaços mais abertos à discussão também contribuíram para as alterações no conceito. “Passou-se a ver separadamente a atividade física e o esporte”, diz o professor. “Temas como saúde, lazer e o desempenho individual se tornaram mais acessíveis, e a educação física, hoje, está mais abrangente.”
“A cena da exclusão é clássica: os dois jovens mais habilidosos colocam a bola debaixo do braço e escolhem os times. Já os garotos que ficam por último durante a seleção viram alvo de piadinhas”
O índice de movimentos culturais vai além da coordenação motora para controle do corpo durante uma partida entre equipes. Atividades físicas como capoeira, dança, ioga, caminhada e alongamento também são plenamente capazes, do ponto de vista da saúde, recreação e disciplina, de trabalhar a qualidade de vida.

A importância do movimento é reconhecida pela funcionária da Escola de Engenharia da USP de São Carlos, Gláucia Rimoli: “Apertei meu horário de almoço e pulei mais cedo da cama, mas agora já me habituei a caminhar. São três vezes por semana, durante uma hora”. Ela conta que costumava ter uma vida sedentária devido à falta de tempo e outras prioridades, mas procurou motivação para não ficar parada. “Por questão de consciência mesmo é que mudei meus hábitos. Sei que faz bem, me sinto mais disposta e é mais fácil para controlar o peso. Agora acompanho meu marido que vai ao clube e nada 8 mil metros toda semana. Ainda não dá pra copiar esse ‘ritmo de atleta’ ”, brinca¸ “mas eu pratico minha caminhada enquanto isso.”


Educação física é mais do que competição esportiva, é também saúde e lazer dentro de limites pessoais

Ela ainda cita outra questão por não haver o hábito da atividade física entre boa parte das pessoas: “Acho também que falta o estímulo. Seria bom que houvesse campanhas voltadas aos funcionários, com orientação e incentivo. Aqui no departamento, tem o pessoal que joga bola e não muito mais que isso.”

Muitos funcionários estão cientes da importância de se movimentarem, mas alegam falta de tempo. A funcionária Gláucia também aponta a falta de estímulo e orientação através de campanhas: “Passei a caminhar por conta própria”.

Entre os programas do Centro de Práticas Esportivas da USP existem aulas especiais para idosos, obesos, deficientes físicos,
A funcionária Gláucia também aponta a falta de estímulo e orientação através de campanhas: “Passei a caminhar por conta própria”.
asmáticos e cardíacos. É um público que não poderia se encaixar em aulas convencionais. Porém, isso não significa que dispensem a educação física para manter rotinas saudáveis.

Crianças entre seis e treze anos, portadoras de asma, freqüentam essas aulas especiais por recomendação médica ou iniciativa própria dos pais. “Melhorando o condicionamento físico, as crises são mais leves para elas”, conta a professora Fabiane Villa, responsável pela classe. “Fazemos a parte educativa, explicando mais sobre a doença, suas dificuldades e o tratamento. Junto disso, aplicamos exercícios cardiorrespiratórios através de jogos recreativos interessantes às crianças, para que elas voltem mais vezes”, explica.

Segundo interpreta o professor Ferraz, “o Cepeusp acertou em direcionar seu parque esportivo para toda a comunidade. Não tem por que utilizar um espaço tão bem estruturado para uma parcela minúscula da população, os bem-dotados para esporte. Isso não é função da universidade pública,tem que ficar a cargo da iniciativa privada”. Tal afirmação se baseia nos altos
A educação física para asmáticos diminui a freqüência e intensidade das crises
custos para manter o esporte de rendimento, que treina talentos e profissionais, uma fatia bem pequena na sociedade. O Ministério dos Esportes e empresas estatais (Nossa Caixa, Petrobras, Correios) já garantem uma contribuição significativa com financiamentos e patrocínio dentro do orçamento possível, enquanto os clubes particulares tocam a maior parte do setor.

“Formar atletas é um trabalho muito difícil”, aponta a professora de Educação Física do Cepeusp, Cláudia Cezar de Souza. “E também por parte do próprio indivíduo, pois ele já precisa dispor de características genéticas favoráveis. Querer é muito importante, mas não é tudo. Além disso, ele precisa desenvolver controle emocional e ter imensa disponibilidade para se dedicar”, completa.

foto:Francisco Emolo
Ao falar sobre a qualidade de vida, Cláudia compara: “Quando as peças de uma máquina ficam velhas, a gente troca. Podemos fazer isso também com o coração ou rins, mas o desgaste emocional e fisiológico é enorme”. Por isso, destaca a importância de todas as pessoas, esportistas ou não, reservarem períodos ao longo da semana para se dedicar ao corpo, sem infringir limites individuais.
Ela cita o renomado pesquisador de educação física Kenneth Cooper: Quem não encontrar tempo para se exercitar, vai ter de encontrar tempo para ficar doente.”
Em São Paulo, os interessados em freqüentar alguma modalidade oferecida pelo Cepeusp devem procurar os professores responsáveis pelas classes, a fim de ocupar vagas remanescentes. O período de inscrições está encerrado.  Em São Carlos, o Centro de Educação Física, Esporte e Recreação(Cefer) está com as inscrições abertas sem prazo determinado. E o Cefer do campus de Ribeirão Preto () agendou as inscrições para o período entre 6 e 10 de março

 

.

B O X

Esporte e política

O esporte-rendimento oferecido para toda a população também era interessante para os governos, pois selecionava indivíduos com potencial para determinadas modalidades. Assim, campeões mundiais eram imediatamente assimilados à imagem do País. Basta nos lembrarmos da seleção brasileira de 70, símbolo de sucesso para o regime militar; ou a corrida por medalhas nas Olimpíadas como demonstração de força ao longo da Guerra Fria.

Em dez jogos olímpicos, de 1952 a 1988, seis foram vencidos pelos soviéticos e quatro por norte-americanos. Em Atenas 2004, o segundo lugar no quadro de medalhas já é da emergente China.