Para melhorar questões de saúde pública, os fumantes são encaminhados para fumódromos ou para acompanhamento médico

Segundo dados fornecidos pelo Inca (Instituto Nacional do Câncer), as pessoas que trabalham passam cerca de 80% do dia em locais fechados. Quando convivem com fumantes no mesmo ambiente, o resultado é o equivalente a terem fumado de cinco a dez cigarros por dia. É um prejuízo à saúde daqueles que, em princípio, não tem nada a ver com o tabagismo. Por outro lado, a psiquiatra do Grupo Antitabágico do Hospital Universitário (HU) Mayuri Hassano lembra: “Os não-fumantes, às vezes, têm uma visão distorcida sobre o tabagismo. Muitos crêem que basta ter força de vontade para largar o fumo, mas não é assim. Existe a dependência química e inúmeras situações que pedem um tratamento específico para o fumante”.

Foto:Francisco Emolo

Informações à disposição no site do Inca mostram que o cigarro contém mais de 4 mil substâncias tóxicas, além da nicotina, agente causadora do vício. Somente no Brasil, 200 mil mortes anuais acontecem em razão doenças ligadas diretamente ao tabaco. A OMS (Organização Mundial da Saúde) aponta o tabagismo como o principal tipo de morte evitável em todo o mundo, e o tabagismo passivo (não-fumantes aspirando fumaça de tabaco em locais fechados), o terceiro. Em segundo lugar está o álcool.

Outro ponto interessante é que a grande maioria dos fumantes deseja largar o vício, mas não consegue.

“Há mais de uma variável que impede as pessoas de deixarem o fumo. A mais conhecida é a dependência química da nicotina. Mas também existe o lado psicológico: o cigarro exerce uma função na vida dos sujeitos, como um apoio, uma muleta. Para diminuir o estresse, um cigarro serve para relaxar. Se estamos sozinhos, ele faz o papel da companhia”, explica Mayuri. “Outro ponto é o condicionamento, ou seja, a associação do fumo a situações cotidianas como o cafezinho ou a hora depois do almoço, por exemplo.”

Enquanto isso, os não-fumantes são expostos à fumaça queimada, muito mais tóxica que a própria fumaça inalada durante o trago após passar pelo filtro. E nesse contexto, o convívio entre os dois lados acaba motivando atritos ou situações de desconforto entre as partes. Na visão de profissionais da área de saúde, o tabagismo é tido como doença, pois traz malefícios ao organismo e causa dependência. Portanto, deve ser combatido. No entanto, fazem questão de deixar claro que combater o fumo não se trata de perseguir e caçar os fumantes.

"O fumante precisa entender que o tabagismo não é bem visto pela maioria. E essa postura pode existir sem ofensas.”

Montezuma Pimenta Ferreira
O especialista em tratamento do tabagismo, Montezuma Pimenta Ferreira, do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC) dá sua opinião: “Deve haver uma condenação social sobre os fumantes para eles perceberem que o tabagismo não faz bem: é uma doença e faz mal também às demais pessoas. Por essa razão foi proibido o fumo em locais fechados, fim da publicidade em veículos de comunicação, além de existirem
Foto:Francisco Emolo


ações vitoriosas na Justiça contra as empresas de tabaco. Mas é bom lembrar que essa condenação não significa destratar ninguém”, completa. “Estamos falando de uma questão de saúde pública. Temos que preservar o convívio social e oferecer uma saída ao mesmo tempo”.

No Instituto de Física, a funcionária Rosângela Trevisan, não-fumante, conta como é o convívio entre os dois lados na unidade. “Há algum tempo, proibiram o fumo pelas salas e corredores. De maneira geral, os avisos são respeitados. Mas, depois dessas medidas, o pessoal migrou para a sala onde fica o café e a máquina de xerox para fumar lá. E novamente foram restritos, tendo que sair do prédio. Foi bom porque, quem quisesse tomar um cafezinho, tinha que respirar fumaça também!” Incômodos rotineiros assim acontecem em qualquer lugar: “Por aqui foi bem chato”, conta o fumante Eduardo Siqueira, coordenador do Programa Disque-Tecnologia (DT) da Cecae (Coordenadoria Executiva de Cooperação Universitária e de Atividades Especiais). “Já vieram falar comigo num tom autoritário, dizendo para apagar o cigarro porque é lei. Então questionei se existe um lugar onde eu poderia fumar com conforto, garantindo meus direitos. Por aqui não foi reservado nenhum espaço decente”, reclama.

A lei federal 9.294, de 1996, “proíbe o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou de qualquer outro produto fumígero, derivado ou não do tabaco, em recinto coletivo, público ou privado, salvo em área destinada exclusivamente a esse fim, devidamente isolada e com arejamento conveniente”. Por isso, também não vale fumar no local de trabalho mesmo que o funcionário ocupe sozinho uma sala. A fumaça pode até se dispersar, mas a presença dos componentes tóxicos em suspensão no ar e pelos objetos se mantém, sendo compartilhados com outras pessoas pelo sistema de ventilação do prédio, ou quando terceiros precisam entrar na sala do fumante.

O pediatra, pneumatologista e coordenador-geral do Ambulatório Anti-Tabágico do HU, João Paulo Lotufo, diz: “Esperar que haja um fumódromo em cada unidade da USP é o mínimo. O HU criou um lugar assim sem gastar nada. Ele fica a dez metros da entrada, não tem cobertura, sofás ou ar-condicionado, mas é o suficiente. Não dá para gastar os recursos do hospital num local cheio de confortos, porque isso já seria incentivar as pessoas a fumar”, explica.

Depois ele comenta: “A legislação já proíbe o fumo nos prédios. Mas seguir essas regras é algo que depende da vontade política de cada unidade”. Lotufo cita o exemplo do programa do HU: após constantes reclamações de funcionários sobre os colegas de trabalho que fumavam demais, foi aberto o Ambulatório Antitabágico que oferece tratamento gratuito para os funcionários da USP inscritos, incluindo encontros semanais com especialistas e fornecimento dos remédios necessários. Somado a isso, foi reservado um fumódromo conforme o coordenador já descreveu. “As medidas foram taxativas e pediram firmeza da nossa parte. O fumante tem o espaço dele e pode optar pela assistência médica. Se mesmo assim ele insistir em fumar onde não deve, já está avisado de que vai receber uma advertência”, fala Lotufo.

Foto:Francisco Emolo
“Eu acho o fumódromo uma medida segregacionista”, diz Cezar Augusto Asciutti, analista de sistemas no Disque-Tecnologia (DT). “O sujeito fica recluso num ambiente separado dos demais, parece um criminoso.” Fumante, Asciutti já chegou a largar o fumo por cinco anos e diz não ter notado nenhuma diferença. Hoje, ele fuma e não tem a menor intenção de parar. “Tenho uma ótima saúde. Mas vou lembrar que eu não dispenso uma alimentação balanceada, repleta de legumes, folhas e pouca carne, além de sempre jogar vôlei com a molecada e nadar com freqüência”, conta. “Para mim, existe um desequilíbrio enorme entre campanhas de combate ao fumo e outras medidas
para controle ambiental que também dizem respeito à saúde pública. É preciso pensar mais além e não insistir só com o tabaco: álcool, drogas, qual a diferença entre a fumaça de caminhões na marginal e o meu cigarro?”, questiona.

Colega de trabalho de Eduardo Siqueira no DT, os amigos compartilhavam a mesma opinião há um mês. “Agora ele é vira-casaca”, brinca Asciutti. “Eu mudei de verdade”, responde Siqueira. Na mesma manhã em que a Revista Espaço Aberto esteve na sala onde os dois trabalham, eles haviam acabado de firmar um acordo exemplar para fumantes e não-fumantes: Siqueira conta: “Eu entrei no Grupo Antitabágico oferecido pelo HU. Não quero ser exagerado, mas, depois que comecei o tratamento, sinto mais flexibilidade no corpo e mais fôlego pro bate-bola. Foi muito bom diminuir o cigarro e estou me esforçando para não fumar mais. Por isso, hoje cedo, eu pedi ao Asciutti para não fumar mais sala. Antes disso, nós dois fumávamos.” Como exemplo de bom relacionamento, seu amigo aceitou sem maiores problemas ou constrangimentos. “Tudo bem, pedindo numa boa, é claro que eu posso aceitar”, confirma Asciutti.

Foto:Francisco Emolo


O programa antitabágico nasceu no HU em 2004 e tem dado alguns passos à frente. Este ano foi criado um grupo no Instituto de Química. A partir de março, os remédios utilizados no tratamento passaram a ser fornecidos sem custos para todos os funcionários da USP que participam do programa. O próximo passo é seguir para a Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ), onde as negociações já estão em andamento no serviço administrativo.
Foto:Cecília Bastos
“Quem fuma deve ser punido sim, mas não indiscriminadamente. Primeiro fazemos uma conscientização com propagandas antitabaco e criamos uma estrutura que ofereça outras opções. Os fumantes são minoria, cerca de 20% da população. Podem ir para um espaço reservado ou se dirigir para um tratamento médico”, resume Lotufo.

 

BOX


Ambulatório Antitabágico do Hospital Universitário
(11) 3039-9235 ou 3093-9272
grupoantitabagismo@hu.usp.br

Instituto Nacional do Câncer
www.inca.gov.br