O hábito de sentar-se à mesa com a família, perguntar e contar como foi o dia de cada de um, partilhando pequenas vitórias e frustrações e saber que, amanhã, não importa o que acontecer, você terá esse momento para desfrutar. Esta cena torna-se cada vez mais rara em nossas casas, as pessoas têm seus próprios compromissos e preocupações. Quem percebe a importância desse momento precisa se esforçar para cultivá-lo.

foto: joão neves| arquivo
"Minha filha de 9 anos está se alimentando melhor e meu filho de 4 anos passou a ter mais autonomia à mesa.” Adriana A. dos S. Sousa

“Comer junto não era um hábito na minha família, mas, percebendo o valor desse momento, há dois meses passamos a jantar junto todos os dias”, conta Adriana Amaro dos Santos Sousa, secretária da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto. “Eu e meu marido notamos a melhora de relacionamento entre nossos filhos, eles dão mais importância ao alimento e percebem que têm um momento a mais no dia.”

Antigamente, a família era o núcleo em que existia uma constância de costumes compartilhados. Hoje, temos que lutar para preservá-los. “Esse tipo de encontro é vital para a formação da pessoa, porque mantém um espaço seguro dentro de sua rotina”, explica a professora Yvette Lehman, do Instituto de Psicologia. “Na realidade, se não cavar espaços para poder se encontrar, você é engolido pela modernidade, pelas obrigações e afazeres, relegando esses espaços de intimidade para segundo plano”, afirma.

foto: cecília bastos
“Minha irmã e eu trabalhamos na mesma unidade, então, às vezes, conseguimos almoçar junto.” Wiviane R. do Carmo

“É difícil conciliar os horários. Chego muito tarde da faculdade e, às vezes, converso com minha irmã quando ela já está quase indo dormir”, conta Wiviane Ribeiro do Carmo, aluna do curso de Letras e secretária da Comissão Permanente de Políticas Públicas para a População Negra, órgão da Reitoria com sede na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. “Não temos o hábito de comer junto e quando isso acontece deixamos a televisão ligada, aí não há muita interação”, conta Wiviane, que mora com dois irmãos.

foto: cecília bastos
“Precisamos cavar espaços de encontro para não sermos engolidos pelas obrigações e afazeres.”

“Às vezes estamos mais ligados numa novela do que naquilo que acontece com nossa vizinha ou nosso filho.” Yvette Lehman

A televisão pode colaborar para a distração e uma alimentação automática. "Há momentos em que eu acho que se deveria desligar a televisão. Quando ela é usada para preencher os vazios e tirar o foco da afetividade”, acredita Yvette. “Às vezes, estamos mais ligados numa novela do que naquilo que acontece com nossa vizinha ou nosso filho, porque com eles existe um compromisso, enquanto que a televisão emociona, mas vamos dormir tranqüilos”, afirma.

A comida, especialmente para os povos latinos que cultivaram por mais tempo o hábito de comer junto, se apresenta como um símbolo de comunhão e intimidade. “Tem gente que fala do macarrão de domingo da mamãe de uma forma quase mítica. Quando você vai ver é só um macarrão, mas representa a segurança de que aquilo vai acontecer. É o espaço seguro, do conforto”, analisa Yvette.

foto: cecília bastos
“Tenho um filho de 5 anos e sinto a importância desse momento para ele.” Fátima Maria de J. J. Mazzine

“Eu e meu marido almoçamos no trabalho e meu filho na escola. Mas, no jantar e finais de semana sempre comemos junto”, conta Fátima Maria de Jesus Joaquim Mazzine, secretária do Instituto de Química. “Esse já era um hábito da minha família desde antes de me casar. É no jantar que converso com o meu marido sobre como foi o dia e meu filho conta o que aconteceu na escola.”

Muitos procuram a família apenas quando surge um problema e, mesmo no dia-a-dia, as discussões giram em torno das grandes questões que aparecem na televisão e nos jornais. “O homem perdeu o interesse pelas coisas pequenas e cotidianas, mas que são os temperos para uma vida colorida”, afirma Yvette. O resultado é que fechamos os olhos para os fatos corriqueiros que incomodam quem está ao nosso lado. Uma das melhores maneiras para retomar esses sabores é ao redor da mesa. “A comida ultrapassa o fato da fome, tem um valor simbólico no afetivo, é um abraço”, acredita Yvette.