Dentro do auditório, uma coruja surpreende os visitantes ao
surgir num vôo por cima de suas cabeças. Com delicadeza,
ela alcança o braço do seu tratador no centro da sala. É assim
que começa a visitação noturna ao Parque Zoológico
de São Paulo, um programa de lazer e educação
ambiental realizado semanalmente entre as sete e onze horas da noite.
Após as apresentações iniciais, os visitantes
deixam o auditório e partem por um passeio que vai ensinar de
perto os hábitos noturnos daqueles animais que só iniciam
suas atividades quando o Sol se põe.
Guilherme Dominichelli |
“Já vi tanta gente dizer que nosso leão está doente,
velho, cansado... uma menininha até me perguntou se ele é de
pelúcia”, brinca Guilherme Domenichelli, biólogo e coordenador
dos monitores no parque. Ele explica que muitos animais passam boa
parte do dia parados, descansando, porque seus instintos os guiam para
uma atividade noturna, ligada à caça e estado de alerta. “Quando
se olha para o recinto dos felinos durante o dia, eles vão estar
ali quietos mesmo”, completa.
Além de levar o público até os animais , o objetivo
do passeio é também divulgar informações
sobre preservação e responsabilidade ambiental. O tratador
de corujas Oriel Nagari fala aos visitantes: “Nós vamos aproveitar
para ver alguns animais e conversar sobre lendas, preconceitos e histórias
dos bichos”. Segundo ele, o zoológico recebe muitos telefonemas
de moradores da cidade pedindo orientações sobre acidentes
entre animais e pessoas, bichos abandonados e cuidados com animais
silvestres. “Com pequenas aulas durante a visitação,
o parque já conseguiu reduzir muito das ligações
retratando esses tipos de problemas”.
Maria Victoria Thompson e José Netto
Moreira |
Entre os participantes do passeio, estão amigos de trabalho,
famílias com crianças e casais de namorados. A cada sexta-feira,
são reunidos cerca de 70 visitantes que se dividem em dois grupos
acompanhados por monitores. O casal José Netto Moreira e Maria
Victoria Thompson levou os dois filhos. “A gente faz isso para as crianças
aprenderem a gostar de animais”, diz Moreira. A esposa Maria também
conta que se formou em biologia, mas não atua na área. “Então,
programas perto da natureza são um prazer para mim”, fala Maria.
Em plena noite paulistana, os visitantes caminham
pelas ruas escuras do zoológico. A pouca luz do local vem das tochas que demarcam
os espaços reservados ao passeio. Em dias limpos, a Lua também
colabora. Ao redor, o cheiro da mata molhada faz parecer que se embarcou
numa viagem para o interior do País. No lago, muitas aves migratórias
se juntam às espécies do parque para formar um alto mix
de cantos, ou bagunça de gorjeios, como preferirem. No entanto,
os bichos mais ativos à noite são os felinos: gatos-do-mato,
onças-pintadas, tigres, leões, entre outros.
Emílio Winther |
Os animais são vistos em interação
com o programa de Enriquecimento Comporta- mental Animal. Para evitar
o sedentarismo, foram pensados elementos capazes de gerar uma atividade
para os animais. A comida, por exemplo, é colocada em caixas
de papelão
ou dentro de uma melancia oca. Em seguida, os tratadores a espalham
ou escondem no recinto. “Dessa forma, o animal tem que buscar o seu
alimento, destruir a embalagem, ele tem uma atividade. Isso diminui
o seu stress. Se ele ficasse guardado numa jaula sem poder se movimentar,
não responderia bem à vida nesse ambiente”, explica o
biólogo e monitor Emílio Winther. O público, beneficiado
por essa filosofia de trato dos animais, fica entusiasmado com a cena
dos grandes felinos saltando para alcançar a comida pendurada
em caixas no teto, ou se deliciando com grandes pedaços de carne
entre as patas.
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Um dos pontos altos do passeio é a área dos bastidores,
uma parte não aberta ao público durante o dia e restrita
a funcionários, onde podem ver os animais à distância
de um metro. Outro ponto onde as pessoas se demoram é a visita
ao recinto dos hipopótamos. Junto dos monitores, quem quiser
pode aproveitar a oportunidade para alimentar os gigantes com brotos.
Quando as pessoas chegam, eles saem da água para abocanhar as
folhas oferecidas, apenas um aperitivo para quem come 40 quilos de
vegetais por dia.
Antônio Cláudio Moreira |
Após uma caminhada de aproximadamente duas horas e meia pelo
parque, com direito a parada para o café na noite fria, os participantes
terminam em um pequeno salão construído na época
do Brasil Imperial. Lanche com broa de fubá, chocolate quente,
pãezinhos e sucos. “Sem dúvida, o passeio é muito
bom”, diz Antônio Cláudio Moreira, visitante e professor
da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP). “Somos acompanhados
por excelentes monitores que deixam o passeio ainda mais interessante.” O
gerente Renato Moreira concorda: “É diferente e único
dentro da cidade. Vimos o zoológico por um outro ângulo”.
Para o coordenador de monitores Guilherme Domenicheli, “o grande mérito
está na educação ambiental. Além de pesquisas
e preservação de espécies ameaçadas, a
conscientização é uma das nossas funções.
Se o público começa a gostar de animais, por conseqüência,
também vai se preocupar com eles”, explica.