Antes de abastecer o seu carro flex, faça as contas

Há três anos a indústria automobilística lançou no mercado brasileiro o primeiro carro com a tecnologia flex – que pode rodar tanto com álcool quanto com gasolina. Desde o lançamento, os veículos bicombustíveis foram tão bem-aceitos pelo consumidor que chegaram a ocupar 58% do total das vendas em 2005, o equivalente a 867 mil unidades vendidas, segundo dados da Anfavea (Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores). Em 2006, esse índice subiu para 70%. Porém, a alta variação no preço dos combustíveis, vista no primeiro semestre, levantou dúvidas sobre a viabilidade econômica de se adquirir um flex. O sistema flexível de abastecimento ainda é uma novidade e deixa brasileiros com perguntas sobre a manutenção necessária.

crédito: cecília bastos
Marta Cristina Marjotta-Maistro

Para orientar a escolha entre os combustíveis, tomando por base o desempenho do veículo e o custo disso no bolso, foi divulgado um estudo sobre o tema. A pesquisadora Marta Cristina Marjotta-Maistro e o graduando Guilherme Augusto Asai, ambos do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada ) da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), em Piracicaba, apontam o que é necessário estudar antes de chamar o frentista.

Em razão da menor capacidade do álcool em proporcionar autonomia ao veículo (menos quilômetros rodados a cada litro), seu rendimento é menor que o da gasolina. Por isso, vale lembrar que, em média, só compensa abastecer com o derivado da cana quando seu preço for cerca de 65% a menos que o do derivado do petróleo, segundo explica Marta.

Mas, para verificar o número exato em cada carro, a pesquisadora sugere uma análise a partir do ponto de indiferença, “que é uma relação entre quantos quilômetros por litro faz um carro abastecido somente com álcool ou somente com gasolina. Isso permite avaliar quando é mais vantajoso usar determinado combustível'.

Tomando como exemplo o modelo Chevrolet Celta 1.0 Flexpower, seu ponto de indiferença é de 69,87%. Como chegamos a esse valor? Veja: ele roda 15,6 quilômetros por litro de gasolina, e 10,9 quilômetros por litro de álcool. Dividindo o rendimento do álcool pelo da gasolina, e multiplicando o resultado por 100, chega-se ao ponto. O significado do valor obtido é: se o álcool custar mais do que 69,87% do preço da gasolina, compensa abastecer o Celta 1.0 apenas com o derivado do petróleo. Foi isso que aconteceu de janeiro a abril de 2006, únicos meses em que a gasolina foi a melhor opção de economia.

“O consumidor tem que estar atento aos preços e ao rendimento do próprio carro. A escolha também vai depender do modelo do veículo e das condições em que está funcionando”, alerta a pesquisadora. Para exemplificar o peso da decisão, basta comparar o prejuízo numa viagem de 400 quilômetros (São Paulo – Piracicaba, aproximadamente). Em janeiro deste ano, a opção pelo álcool teria causado um prejuízo de R$ 5,77, quando poderia ter economizado R$ 9,45. Ao todo, R$ 15,22 de diferença no caso do Celta, conforme mostra a pesquisa de Marta.

crédito: cecília bastos
Evolução do preço médio dos combustíveis e das vendas de veículos por tipo de combustível

Mecânica sem dúvidas

A tecnologia flex é constituída por um sistema que realiza automaticamente a adaptação de todas as funções de gerenciamento do motor para se adequar às misturas de álcool e gasolina. Uma central eletrônica ajusta a taxa de compressão (mudanças da temperatura e pressão para detonar a mistura ar-combustível), tempo de injeção, ignição e movimento das válvulas.

“Existe a antiga idéia de que para se otimizar o funcionamento de uma máquina, é necessário ter seus parâmetros bem definidos. Não é mais o caso do que acontece hoje”, diz Maurício Trielli, professor de mecânica na Escola Politécnica (EP). “O motor flex não é otimizado para nenhum dos combustíveis e isso pode até influenciar no seu rendimento. Mas é coisa mínima para as pessoas, porque elas têm a vantagem de abastecer o carro pensando também no preço. Isso, de alguma forma, colabora para a regulação dos preços no mercado”, completa Trielli.

A funcionária do Departamento de Recursos Humanos da EP Marli Bonassa Ruiz tem dois flex na garagem e conta: “Em primeiro lugar eu procuro economia. Depois, percebi que as empresas estão investindo cada vez mais nessa tecnologia. Isso também é bom, valoriza o carro para o futuro”. Exemplo de que o sistema bicombustível veio para ficar é a já citada participação no total das vendas: 70%. Além disso, a Volkswagen, primeira a lançar o flex no Brasil, anunciou em junho que toda a sua frota de veículos leves em produção vai ser do tipo flex, o que sugere uma conversão significativa.

“Mas fala-se muito em corrosão por causa do álcool. É verdade?”, pergunta Marli. Segundo o professor Trielli, “o álcool é sim mais corrosivo do que a gasolina, mas o motor já vem preparado para todos esses tipos de diferenças. Em suma, a manutenção do flex não pede nenhum cuidado em especial que os outros carros não peçam”.

crédito: cecília bastos
Miriam Moraes Paiva

No Departamento de Serviço Pessoal da Faculdade de Ciências Farmacêuticas, a funcionária Miriam Moraes Paiva tem um modelo popular na versão bicombustível. Ela costuma abastecer com maior quantidade de álcool, mas pergunta se o motor pode funcionar com um só dos combustíveis. “Pode, desde que compense para o bolso”, responde Trielli. “Antigamente os motores a álcool sofriam para dar partida em dias frios. Era um mico. Hoje, esse problema já foi resolvido.”

Ainda em relação aos combustíveis, o professor acha que o governo poderia tomar a iniciativa de criar um estoque de álcool para não deixar o consumidor sofrer com variações do mercado. “Seria um modo de prevenir e proteger”, alega. Já na visão da pesquisadora do Cepea Marta Cristina, governo e agentes produtores estão preocupados em manter os preços num bom nível. Para tanto, ela cita a antecipação da colheita 2006 de cana para atender à demanda dos consumidores, e a postura do governo diante dos produtores, mantendo reuniões durante o primeiro semestre e cobrando explicações para as altas.