Um relatório feito recentemente pela ONG Save the Children, na Itália, mostra a propagação da pedofilia na internet. De 2004 a 2005, houve um aumento de 85% nas trocas de arquivos com pornografia infantil pela rede. No mesmo período, cresceu em 47% o número de denúncias contra o fluxo e divulgação desse tipo de material. Os dados servem como alerta não só para policiais e estudiosos do assunto, mas também para pais e educadores. Diante dessa realidade, é necessário orientar os filhos para que saibam como lidar com essa situação.

Rastreamentos feitos pela Polícia Federal indicam que os responsáveis pela produção de material pornográfico ilegal são jovens da classe média de 17 a 24 anos. As vítimas são, principalmente, crianças da própria família como sobrinhos, primos ou irmãos. O mercado chega a pagar US$ 100 por fotos e até US$ 1000 num vídeo de cinco minutos bem nítido. Já os consumidores têm um outro perfil: homens solteiros, por volta de 40 anos e com histórico de abuso sexual durante a infância.

Circulação de conteúdo ilegal na rede

Pedofilia cresce mais no mundo do que no Brasil. Trabalho de ONGs e Polícia Federal tem contribuído. Fonte: NCTE

“Os crimes praticados pela internet são um pouco mais sofisticados que os demais. Muitas vezes o autor está em outros países, o que dificulta as buscas”, afirma Janaína Paschoal, professora de Direito Forense da Faculdade de Direito da USP. “Em algumas questões, as diversas polícias internacionais estão agindo em conjunto. As forças-tarefa possibilitam a troca de informações e o estabelecimento de estratégias internacionais”, explica Janaína. Entre as operações mais recentes estão a batizada “Beleno”, comandada pela Interpol, com prisão de pelo menos 67 pessoas em cinco países (38 só na França) em junho. A outra é a “Azahar”, iniciada por autoridades espanholas, com desfecho em fevereiro deste ano e participação de mais de 20 países, inclusive o Brasil.

O crime é previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

"Art. 241. Apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar, por qualquer meio de comunicação, inclusive rede mundial de computadores ou internet, fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo criança ou adolescente”

Por aqui, a legislação que trata do assunto pode ser alterada pela CPMI da Exploração Sexual. Atualmente, a prisão de 2 a 6 anos vale para quem publicar conteúdo pedófilo na internet ou através de outra mídia. Quanto às pessoas que são apenas portadoras desse mesmo material, só respondem a processo se foram culpadas por fazer a distribuição. O Projeto de Lei 4851/05 quer a mesma punição tanto para quem divulga quanto para quem guarda fotos ou vídeos de menores. Na Europa, essa medida já foi tomada: quando o sujeito é pego com uma quantidade relevante de arquivos ilícitos, é levado para prestar contas à justiça.

crédito: Cecília Bastos
A filha de Eduardo já se sentiu ofendida em salas de bate-papo. “Eu a acompanho na internet, mas também deixo à vontade. Assim ela me conta o que viu”, diz

No Setor de Compras da Faculdade de Odontologia, o funcionário Eduardo Varjão de Lima apóia a possível alteração na lei. “Acho um abuso que adultos tenham interesse em crianças”, fala. Ele compara pornografia infantil às drogas: “Um portador de maconha, que é ilícita, responde a processo. Por que pessoas com fotos e vídeos de menores não têm o mesmo tratamento?”, questiona.

Instrumento de sociabilização

Segundo estudos realizados por Luiz Meyer, membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, e colaborador do Instituto de Psicologia da USP, a internet se mostrou um instrumento muito competente para sociabilizar minorias excluídas. “A interatividade em rede permite aos pedófilos uma afirmação da sua individualidade através da participação, ainda que segmentada, em um contexto sexual universalizado.”

crédito: franscisco emolo
“Através da rede, a pedofilia encontra a sua secularização”, afirma Meyer

Meyer vê a pedofilia como uma das diversas identidades excluídas que se apropriam da rede de maneira agressiva e ostensiva. “Na internet, os pedófilos trocam informações, objetos de desejo, reivindicam liberdade de ação e criticam a forma de tratamento que recebem, classificada como discriminatória.”

A fim de prevenir e combater a proliferação dessas ações, o casal Anderson e Roseane Miranda, cidadãos comuns, desenvolveu o site Censura. Lá, eles dão dicas para uma navegação segura dos filhos (veja no final da matéria), fazem uma campanha de conscientização, e o principal: apuram as denúncias recebidas – mais de 6 mil em oito anos – e as encaminham para a Polícia Federal.

 


Denuncie para a Polícia Federal. dcs@dpf.gov.br

Envolvidos pela rede

O contato de crianças e adolescentes com material inadequado existe. A organização irlandesa NCTE (sigla em inglês para National Centre of Technology in Education) chegou a essa constatação depois de pesquisas. Foram entregues questionários a indivíduos de 9 a 16 anos da Inglaterra, Irlanda, Suécia, Dinamarca e Noruega, países onde a maioria dos lares tem computador com acesso à internet. O Centro descobriu que 28% dos jovens já entraram, sem querer ou de propósito, em sites impróprios para menores – com pornografia adulta, infantil e violência. Mais: 32% já receberam convite para um encontro real e 19% já aceitaram o encontro.

ONDE ESTÁ A PORNOGRAFIA INFANTIL?


Fonte: Save the Children

O psicanalista Luiz Meyer aponta os indivíduos desta faixa etária como vulneráveis, pois estão numa idade de definição de conceitos, inclusive da própria sexualidade. “A pedofilia vem antes da internet, mas a rede acelera sua divulgação. De acordo com o perfil do jovem, o meio em que vive e a sua educação, pode ser que ele deseje se aprofundar nas ideologias que encontra. Nesse sentido, a pedofilia não é tão diferente de assuntos como tráfico, movimentos políticos, religiosos, entre outros.”

Assunto inevitável

crédito: Cecília Bastos
“A internet está aí, não tem mais volta. Por isso, a criança precisa compreender os fenômenos ao seu redor”, diz a educadora Sílvia

Como não é possível garantir que crianças e adolescentes estejam sempre longe de propostas e cenas negativas, existe um consenso entre educadores: pais devem dialogar, acompanhar a navegação e direcioná-la. “É preciso manter uma conversa aberta e esclarecedora, sem rodeios. Não basta proibir. Tem que ser transmitido o sentido das orientações para se desenvolver uma visão crítica”, garante Sílvia Fichmann, educadora da Escola do Futuro, da USP. “Assim, a criança tem condições de crescer emocionalmente e se preparar para situações inevitáveis.”

Sílvia explica que as atividades se tornam interessantes para jovens quando são aliados prazer, aprendizagem e resultado útil. “Se os pais encontrarem os temas de interesse dos filhos, podem mostrar a eles como usar a internet para se aprofundar nos assuntos de que gostam, como futebol, literatura, bichos de estimação, desenhos animados, entre outros.”

crédito: Cecília Bastos
Na visão de Pícole, há um dilema: o computador é inevitável, mas deixa a criança precoce

Apesar das sugestões, o funcionário João Pedro Pícole, do Setor de Patrimônio do Instituto de Química, vê um dilema. Na sua opinião, mesmo que seja usado o diálogo e o acompanhamento dos filhos, eles vão esbarrar em temas impróprios para a idade, antecipando fases da vida. “É como uma fruta: se amadurece antes da época, tem outro sabor”, compara. “Por isso vemos uma criança de dez anos surpreender a família com comentários inesperados para sua idade”.


SERVIÇO

Dicas para uma navegação segura
Fonte: Censura

1. Mantenha o computador em uma área comum da casa.
2. Navegue algum tempo com a criança. Guie-a também no mundo virtual.
3. Denuncie qualquer atividade suspeita na internet.
Envie um e-mail para o site Censura: denuncia@censura.com.br ou Divisão de Comunicação Social da Polícia Federal: dcs@dpf.gov.br
4. Encoraje a criança a relatar imagens e linguagem estranhas que encontrar.
5. Estabeleça regras para o uso do computador: tempo máximo, conteúdo permitido.
6. Se necessário use programas que filtram o conteúdo na internet. Os mais comuns são: Net Filter por R$ 45,00, Anjo da Internet por R$ 69,00, Limits 2006, gratuito para testes em www.baixaki.com.br.
7. Nunca divulgue informações pessoais a estranhos.
8. Nunca deixe a criança marcar encontros sem permissão. Se for o caso, acompanhe-a.