Decepção. Esse é o sentimento dos brasileiros diante dos escândalos políticos que se revelam um após o outro. Mas depois do desapontamento vem a indignação. Uma das maneiras de expressá-la tem sido o incentivo ao voto nulo ou branco, através de movimentos que proliferam principalmente pela internet. O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) e professoras da Universidade falam das diferenças entre esses dois tipos de voto, o que eles podem acarretar para o processo eleitoral e seu significado em uma democracia.

créditos: Cecília Bastos
Juiz assessor do TRE explica por que as urnas trazem a opção de voto em branco e como se faz para anular o voto.

“Tanto o voto nulo quanto o branco demonstram que o eleitor não quis opinar entre nenhum dos candidatos que se apresentaram. Porém o voto branco evidencia mais uma negativa de escolha e o voto nulo, uma forma de protesto”, afirma José Joaquim dos Santos, juiz assessor do TRE-SP. Hoje, os votos brancos são excluídos no cálculo dos votos válidos, o que não ocorria até a implementação da urna eletrônica. “O voto em branco não era excluído do cálculo dos votos válidos e, por isso, foi colocada a tecla branco na urna”, explica.

créditos: Cecília Bastos
“Confesso que não sei ao certo a diferença entre voto nulo e branco.” Robson José de Oliveira Nunes

“Tenho idéia do que é o voto branco baseado no que já ouvi falar, mas nunca fui atrás para saber melhor”, conta Robson José de Oliveira Nunes, técnico administrativo da Prefeitura do campus da capital. “Na verdade, se eu falar que sei a diferença entre voto em branco e nulo, estarei mentindo”, confessa Nunes, que não participa de nenhum movimento a favor do voto nulo, mas considera a opção um direito do eleitor.

A tecla nulo não aparece nas urnas, mas “a possibilidade dos dois votos – branco e nulo – está prevista pois, além da tecla em branco, caso o eleitor digite número de candidato ou de partido que não exista, o voto será anulado e isto aparece na urna eletrônica”, afirma o juiz. No site do TRE-SP, em relação à urna eletrônica, há o “Voto passo-a-passo” onde todas as alternativas de voto são explicadas.

“Os movimentos a favor do voto nulo refletem a desilusão de alguns setores da população quanto ao desempenho do governo petista e o que tem acontecido na vida parlamentar brasileira, cujos escândalos ruborizam mesmo os mais cínicos.” Maria D'Alva Kinzo
créditos: Francisco Emolo

Antigamente, votar em branco influía na distribuição de cadeiras na eleição legislativa sob o sistema de representação proporcional. Uma vez que os brancos eram incluídos como votos válidos, o cálculo dessa distribuição favorecia os maiores partidos. “Hoje, os votos em branco não são considerados votos válidos, de forma que votar nulo ou em branco tem efeito semelhante, ou seja, não faz nenhuma diferença em termos de impacto no processo”, esclarece a professora Maria D'Alva Kinzo, do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH).

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“Ao mesmo tempo em que se fala do desvio de milhões, o cidadão comum pena para pagar suas dívidas.” Cláudio César Lopes

Em resposta a uma enquete – Como você define o voto em branco? – feita pela revista Espaço Aberto , Cláudio César Lopes, técnico administrativo da Prefeitura do campus de Piracicaba, respondeu: “O voto em branco reflete a desconfiança do eleitor em relação aos seus representantes. Essa desconfiança não se restringe aos poderes Executivo e Legislativo, estende-se ao Judiciário, pela inoperância na aplicação da lei para a punição dos corruptos. É a renúncia do eleitor em exercer um direito constitucional.”

Neste cenário, é importante lembrar o que diz o artigo 224 do Código Eleitoral: “Se a nulidade atingir mais da metade dos votos do País nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições estaduais, ou do Município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações, e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias”.

Brasil menino

O Brasil é uma república relativamente nova, além disso, sua pequena experiência republicana foi interrrompida em dois momentos por ausência de regras democráticas: durante o Regime Militar ( 1964 a 1985) e a Era Vargas ( 1930 a 1945). “Talvez por sermos uma república jovem, se imagine que aqui está acontecendo o que nunca aconteceu em termos de corrupção, ledo engano”, adverte Maria Aparecida de Aquino, professora do Departamento de História da FFLCH. “Basta lembrar, por exemplo, da Operação Mãos Limpas na Itália.”

Créditos: Francisco Emolo

“Um partido que levanta a bandeira da ética e da moralidade não tem direito de furar esses princípios e foi isso que aconteceu. O PT é muito mais cobrado do que os outros partidos que não levantaram a mesma bandeira, e precisa ser mesmo.” Maria Aparecida de Aquino

O descrédito nos políticos brasileiros pode levar a um perigoso desinteresse pelo que é público. “Postular o voto nulo neste momento é inocência política e pode ser muito utilizado pelos conservadores. Se você não vê sentido em participar politicamente e acha que nada do que fizer vai mudar a situação, logo, podem mandar em você. É um passo para o estado autoritário”, analisa a historiadora, que confessa ter votado nulo durante toda a ditadura militar, excetuando-se quando das eleições diretas para governadores em 1982.

“Naquela época, eu votava nulo porque não havia possibilidade de expressão contra o regime. Hoje a situação é completamente distinta. Você vai votar nulo em relação a quê? Dizendo que todo mundo é corrupto?”, questiona Maria Aparecida. “Não temos democracia social, mas temos liberdade democrática. Votar nulo neste momento é uma cegueira política. É hora de você se expressar, mesmo achando que a sua opção não vai ganhar, mas lutando para construí-la para o futuro.”


“Às vezes, pensamos em não votar em determinado candidato porque ele não tem chances. Ele vai continuar não tendo chances se as pessoas não apostarem nele.” Maria Aparecida

Durante o regime militar, houve uma forte campanha pelo voto nulo. O movimento, organizado e integrado, reunia, inclusive, membros da classe intelectual. “Se na época o máximo que se conseguiu foi 20% de votos nulos, creio que hoje não se conseguirá grande coisa e que essa idéia atinge no máximo 10% da população”, aposta Maria Aparecida. “Em 1970, mesmo com uma boa justificativa, a campanha pelo voto nulo não foi mais que um protesto. Sou mais favorável que se participe do movimento contra a eleição dos parlamentares "mensaleiros", "sanguessugas" e outros do gênero, para tentar melhorar as instituições de representação”, completa a professora do Departamento de Ciência Política Maria D'Alva.

Direitos e deveres

Para Claúdia Souza Passador, coordenadora do Centro de Estudos de Gestão e Políticas Públicas Contemporâneas da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade do campus de Ribeirão Preto (Fearp), os movimentos a favor do voto nulo e branco demonstram um equívoco conceitual. “Vivemos em um modelo de Estado de Direito no qual o voto é um dos instrumentos para o exercício da cidadania. A modernidade implica a idéia da representação legítima, da soberania, da participação, da divisão de poderes e o voto integra este modelo de direitos e deveres.”

Com o processo da industrialização ocidental dos últimos séculos, houve a separação do mundo público e do privado. “Infelizmente, as pessoas não se sentem responsáveis pelo que ocorre no espaço público e, ao mesmo tempo, são obrigadas a votar”, pondera Cláudia, que também é professora do Departamento de Administração da Fearp. Para Maria D'Alva, votar é o mínimo que os cidadãos podem fazer para se comprometerem com o coletivo.

“A metáfora do voto nulo ou branco pode ser comparada como a quebra das máquinas pelos operários depois da Revolução Industrial (quebrar as máquinas não resolvia a ausência da legislação trabalhista). Seria mais madura uma discussão sobre a validade do voto como ferramenta eficaz de democracia.” Claúdia S. Passador

“A solução para os insatisfeitos com partidos e candidatos é participar, exercer seu domínio público. Essa participação pode se dar em conselhos de saúde, de educação, sindicatos, movimentos estudantis etc”, acredita Cláudia. “A idéia é ter consciência que ser cidadão implica direitos e deveres, o direito de escolher em quem votar, mas também a obrigação de participar e construir este Estado de Direito efetivo.”

Perfil do eleitor

Maria Aparecida não é negativa em relação à decepção que o brasileiro teve com a crise política que estamos vivendo há mais de um ano. “O eleitor tem rapidamente amadurecido e muito”, avalia a professora, que aponta os 20 anos entre a candidatura de Lula para governador e o momento em que ele se elege presidente (1982 – 2002) como período em que o brasileiro enxergou a sua própria cara e aceitou a sua condição.

“Essa gente não é aquela que lutou contra o regime, mas que assistiu ao seu fim e batalha pela construção da democracia no País”, afirma a historiadora. Segunda ela, o fato de estarmos, de uma forma ou outra, uns mais engajados, outros menos, mas lutando todos para que o Brasil se transforme num país mais democrático explica esse amadurecimento.