São Paulo, 26 de agosto de 1936, nasceu Alfredo. Mãe italiana, pai brasileiro. Duas culturas que se encontraram na família e na educação do menino. Em 2006, Alfredo Bosi comemora 70 anos e recorda o longo caminho que começou na cultura italiana, mas acabou se rendendo aos apelos verde-amarelos.

Depois da graduação em Letras Neolatinas pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), de 1955 a 1959, Bosi se especializou em literatura italiana, brasileira e filologia românica. “Pensando bem, já estavam definidas nessas especializações minhas carreiras futuras”, afirma.

Em 1960, o aluno aplicado foi convidado para ser professor de Literatura Italiana, mas achava seu conhecimento insuficiente para isso.

Foi então que um professor sugeriu uma especialização na Itália e, através do governo italiano, ofereceu-lhe uma bolsa de estudos em Florença. Não poderia ser em melhor hora, Bosi estava prestes a se casar e a Itália era o destino perfeito. “Casei-me em 4 de outubro de 1961 e fui para Florença, onde fiquei até 1962 com minha esposa”, conta. “Foi muito bom, tive contato direto com a cultura italiana e completei minha formação.”

Em 1959, como aluno de final de graduação, Bosi dava aulas de literatura brasileira em um cursinho perto da Maria Antonia, onde funcionava a FFLCH naquela época. “Minha primeira e única namorada conheci dando aula sobre padre Antônio Vieira, uma de minhas paixões”, recorda. Ecléa Bosi, professora do Instituto de Psicologia, foi sua aluna no cursinho. “Casamo-nos no dia de São Francisco de Assis e estamos juntos até hoje, graças a Deus.”

De volta ao Brasil, “passei a dar aulas de Literatura Italiana com segurança e assim fiquei até 1970”. Foi nessa década de estudos italianos que Bosi fez seu doutoramento com “A narrativa de Pirandello” e defendeu a livre-docência com a tese “Mito e poesia em Leopardi”. “Esse foi um período muito importante para mim, pude me dedicar à cultura italiana, dei muitas aulas de graduação e comecei a escrever para O Estado de S.Paulo.

Na mesma época, o País chamou a atenção do professor. Embora ele estivesse profissionalmente ligado ao italiano, o Brasil passava por um período muito turbulento. “Eu estava na Maria Antonia quando grupos dos chamados Comandos de Caça aos Comunistas e alguns alunos da Faculdade de Direito – Mackenzie invadiram o prédio e o incendiaram”, conta. Depois disso, as aulas passaram para a Cidade Universitária. “Era exaustivo, eu não tinha carro, vinha para cá de ônibus e tinha dois filhos pequenos.”

Bosi colaborou na imprensa apoiando as reformas de João Goulart, inclusive no jornal Brasil Urgente. “No jornal havia comunistas, católicos de esquerda, que é meu caso, e trabalhistas, que naquela época eram muito sérios. Estavam muito entusiasmados que alguma coisa ia acontecer, o que aconteceu foi o golpe militar.” Apesar de não ter sido atingido pessoalmente, o professor viu vários companheiros serem exilados.

O AI-5 suspendeu, em 1968, todas as garantias constitucionais, acabou com os partidos políticos, fechou o Congresso e muitos professores foram cassados, como Florestan Fernandes. O Brasil Urgente foi fechado pela polícia. “Eu escrevia artigos sobre política brasileira, desenvolvimento e reformas, numa posição que hoje chamaria de centro-esquerda. Nunca fui interrogado, eles deviam achar que o professor de literatura italiana era inócuo.”

Bosi passou a se interessar cada vez mais pela política brasileira e começou a desenvolver toda uma atividade cultural ligada ao País. Em 1966, foi convidado para escrever sobre o pré-modernismo brasileiro. Logo após a publicação da obra, assumiu a complexa tarefa de escrever a história da literatura brasileira. “Foi então que eu meti ombros nessa empreitada, que não era fácil, comecei a pesquisar de maneira intensa e saiu a História Concisa da Literatura Brasileira.”

“O livro tem um pouco o sabor de resistência cultural, devido às condições adversas do regime militar, com perseguições e torturas.” Bosi confessa que enfatizou autores que haviam sido mais resistentes política e ideologicamente, como Lima Barreto e Graciliano Ramos. O livro foi um marco em sua trajetória. “Revi toda a literatura brasileira e percebi que poderia me integrar mais na problemática do País.” Com a Reforma Universitária de 1970, ele migrou para o Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, que inclui Literatura Brasileira, onde está até hoje.

“Minha carreira nos últimos 35 anos foi seguida em literatura brasileira e aqueles dez anos anteriores de literatura italiana me deixaram muita saudade, porque meu coração está muito próximo da Itália – inclusive torci muito para a Itália na final da copa – mas o Brasil me solicitou”. De 1970 em diante, Bosi se dedica à literatura brasileira, dando aulas e escrevendo vários livros e ensaios.

Durante os anos 1970 e boa parte dos anos de 1980, a literatura colonial foi o foco de seus estudos. “Aprofundei-me nos estudos de história do Brasil, acumulando informações que me permitiram mais tarde escrever A dialética da colonização, minha contribuição mais empenhada na história da cultura brasileira”.

Com a fundação do Instituto de Estudos Avançados, em 1986, começa uma nova etapa em sua vida, “me concentrei muito no instituto, principalmente quando foi fundada a revista Estudos Avançados, em 1987” , conta. “Foi um esforço grande no qual estou empenhado até hoje”. Desde abril deste ano, a revista está disponível na internet. O número 55 traz a conferência que Bosi fez na Academia Brasileira de Letras (ABL), da qual faz parte desde 2003, sobre sua trajetória literária.

“A ABL era uma instituição distante para mim, com a qual a USP não tinha ligação nenhuma. Jamais havia pensado em fazer parte”, conta. “No entanto, fiquei muito feliz quando fui eleito, porque ao visitar a Academia percebi que ela realmente tem lugar para um professor de literatura”, afirma Bosi, que procura aproximar cada vez mais a USP da ABL.

Apesar da aposentadoria compulsória, Bosi continua trabalhando como editor da revista Estudos Avançados e professor de pós-graduação. “A diferença é muito pouca na minha rotina na USP, mas sobra mais tempo para eu estudar”. Como pesquisador de literatura brasileira, o professor acabou de lançar Brás Cubas em três versões.

“Meu projeto a médio prazo é escrever um livro sobre a história das ideologias no Brasil”, revela Bosi, que possui muitas pesquisas sobre o assunto, inclusive resultados obtidos em quatro viagens à França durante a década de 1990. Na ocasião, ocupou a cátedra Sérgio Buarque de Holanda como professor visitante da École de Hautes Études en Sciences Sociales.

“A USP tem muitos caminhos para os aposentados colaborarem. Eles devem se abrir cada vez mais”, defende. “Os professores aposentados deveriam ter lugar nos conselhos. Não necessariamente com direito a voto, mas a voz.” O professor alerta para a utilidade da memória dessas pessoas, que têm muitos anos de vivência na Universidade. Afinal, “quem está na pós-graduação ainda está com a mão na massa”, diz Bosi, para quem a aposentadoria é apenas uma data.