texto: Marcela Delphino
Fotos: Cecília Bastos

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“Estima-se que a vacina diminuirá em até 70% os casos de câncer do colo uterino. Isso poderá ser sentido nos próximos cinco a dez anos.” Rui Alberto Ferriani

Segunda causa de morte entre mulheres no Brasil, o câncer do colo do útero ganha uma inimiga: a vacina contra o papilomavírus humano (HPV), origem de quase a totalidade de casos da doença. A USP participou da pesquisa que gerou a vacina através do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP).

Dados do Instituto Nacional de Câncer mostram que de 50% a 80% das mulheres sexualmente ativas serão infectadas por um ou mais tipos de HPV – são mais de cem subtipos – durante a vida. Além do câncer do colo do útero, o vírus também causa as verrugas genitais, doença benigna, mas de tratamento demorado. A vacina, que tem como alvo mulheres entre 9 e 26 anos, combate os subtipos 16 e 18, responsáveis por 70% dos casos de câncer do colo do útero, e os subtipos 6 e 11, de onde advêm mais de 70% dos casos de verruga genital.

A maioria das mulheres se defende das infecções por HPV pela imunidade natural. Somente 2% a 5% das contaminadas pelos subtipos 16 e 18 desenvolvem o câncer. “A pessoa desenvolve anticorpos, pode ter cura espontânea e nem saber que teve o vírus ou que foi transmissora dele, especialmente no caso dos homens”, explica o ginecologista do Ambulatório de Oncologia Genital do Hospital das Clínicas (HC), Waldemir Rezende. Como a higiene do órgão genital masculino é externa, a pele escama e a infecção não aparece.

Leva de seis meses a três anos, em média, para aparecer a verruga ou a alteração do Papanicolaou.

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“O HPV é a doença sexualmente transmissível mais prevalente, mais até que a hepatite B, que começamos a vacinar há mais de dez anos.” Waldemir Rezende
 

As lesões iniciais do câncer demoram entre três e dez anos para aparecer. “Uma vez que o vírus não é tratado, a mulher que o adquiriu na adolescência terá o câncer no colo entre 35 e 40 anos de idade”, adverte Rezende. A chance de cura da infecção pelo HPV é alta, razão pela qual esse tipo de câncer predomina em países subdesenvolvidos, onde não há acesso ao exame de Papanicolaou, responsável pela detecção do vírus.

O Papanicolaou deve ser feito todo ano a partir da primeira relação sexual. “Uma paciente que tenha a infecção pelo vírus, mas faz o exame e detecta precocemente, não vai desenvolver o câncer”, garante Rui Alberto Ferriani, chefe do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da FMRP e coordenador da pesquisa sobre a vacina na faculdade.

“Desde que entrei na USP, há 25 anos, faço o Papanicolaou com regularidade, tanto por exigências administrativas da Universidade como pela disponibilidade do serviço no Hospital Universitário”, conta Aparecida dos Santos, funcionária da Seção de Apoio Acadêmico da Escola de Artes, Ciências e Humanidades. No entanto, “agora faz mais de um ano que eu não faço o exame”.

“Desde que entrei na USP, há 25 anos, faço o Papanicolaou com regularidade. Mas, já faz mais de um ano que não faço.” Aparecida dos Santos

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“A principal preocupação das pacientes quando recebem a notícia de que possuem lesões no colo do útero é em relação ao tratamento e suas conseqüências.” Edson Luiz Campos Jr.


 

O câncer do colo do útero na fase inicial é assintomático. “Quando os sintomas aparecem já está avançado, podendo haver sangramento durante a relação sexual, corrimento que nunca melhora ou uma ferida no colo do útero que não cicatriza”, afirma Rezende, explicando que o combate ao vírus é feito com cauterização elétrica e química, tanto em homens como mulheres.

Uma das maneiras para evitar a contaminação pelo HPV é o uso de preservativo. Quanto aos fatores de risco, os principais são: início precoce da atividade sexual, ausência de método de barreira (camisinha), multiplicidade de parceiros (mais de três parceiros por ano o risco duplica e quintuplica após o 5º parceiro), tabagismo – os produtos inalados na fumaça reduzem a resistência do colo do útero e facilitam a ação do vírus – e as doenças que provocam queda da imunidade.

“Mesmo as mulheres vacinadas devem continuar fazendo o exame de Papanicolaou periodicamente, porque existem os outros subtipos do HPV e outras doenças transmissíveis, como o HIV”, salienta Ferriani. A vacina é uma maneira de diminuir muito a incidência de contaminação e favorecer a população carente com menos acesso ao exame. “Nosso objetivo, em termos de saúde pública, é cobrir todas as formas de prevenção”, completa.

HPV – da mãe para o recém-nascido

Existe a possibilidade da mulher grávida contaminada pelo HPV transmitir o vírus para a laringe do filho durante o parto. A via vaginal é a principal, mas os partos de cesariana também oferecem risco.

“O recém-nascido tem chance de ter uma lesão de laringe pelo vírus HPV contraído durante o parto.” Rui Alberto Ferriani

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Imagem computadorizada do vírus HPV

“Existem trabalhos que mostram o aumento da incidência de câncer na região de cabeça e pescoço, como o câncer de amígdala, associados ao HPV. O vírus pode ser encontrado inclusive no líquido amniótico, então nem o parto de cesariana pode proteger o bebê”, afirma Rezende.

Os rumos das pesquisas

O desenvolvimento da vacina começou em 1994. Ao todo no mundo, cerca de 27 mil pacientes já foram vacinadas. “Na fase em que a FMRP participou, a vacina foi comparada a um placebo, com o objetivo de provar sua eficácia. Uma nova fase da pesquisa irá comparar esta vacina quadrivalente com um outro tipo octavalente”, conta Ferriani, que prevê a chegada da vacina no Brasil neste mês de novembro.

Em um amplo estudo, a vacina é testada em todos os continentes. “Foi liberada para comercialização, mas quem vai ter acesso agora é quem tem dinheiro”, avalia Ferriani. Nos Estados Unidos, a dose custa 120 dólares, cada paciente necessita de três doses. “A vacina já foi apresentada ao governo, mas sua inclusão no calendário de vacinação vai depender de uma política pública e econômica”, acredita o coordenador da pesquisa na FMRP.

“A idéia é usar a vacina antes da primeira relação, antes da paciente se expor, para evitar a contaminação. Porém, no nosso estudo não foi excluída a paciente que já teve o contato com o vírus, porque estamos analisando também o efeito terapêutico da vacina. Mas isso ainda está sendo estudado, por enquanto, a indicação da vacina é preventiva”, revela Ferriani.

O critério de inclusão das 140 pacientes que participaram da pesquisa na FMRP foi ter entre 16 e 23 anos e no máximo três parceiros sexuais, onde se espera uma população de baixo risco. “Mesmo nessas mulheres, 20% a 30% já tinham o vírus. Encontramos de 8% a 10% de lesões, sendo pelo menos 4% pré-cancerosas. Essas pacientes foram tratadas e não desenvolverão o câncer”, conta Ferriani.

As mulheres que se interessarem em participar da segunda fase da pesquisa – comparação com a vacina octavalente – podem entrar em contato com o Centro de Saúde Escola da FMRP pelo telefone (16) 3963-2791.

Serviço

Ambulatório de Ginecologia do Hospital das Clínicas
Fone: 3069-6000
Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Universitário
Fone: 3039-9468

 

 
 
 
 
 
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