texto: Marcela Delphino
Fotos: Cecília Bastos, Francisco Emolo, Reprodução

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“A anorexia nervosa é um dos transtornos psiquiátricos que mais matam, mais até que a depressão.” Cristiano Nabuco de Abreu

 

 

 

 

 

Cecília Bastos
“Acho que a principal influência vem da mídia, dos padrões de beleza estabelecidos pelo mundo da moda.” Vanessa dos Santos Guilherme

 

 



Uma bela menina de oito anos passeia pelas ruas de Milão com os pais quando, ao passar por uma loja de grife famosa, o estilista afaga a sua cabeça e diz: “Você será minha modelo”. Tira um cartão do bolso e continua: “Quando ela tiver 15 anos, voltem a me procurar”. A partir desse momento, os pais não deixam a menina se alimentar como deveria. “Aos 12 anos, a adolescente é internada em estado de anorexia. Assim que começa a ganhar peso, os pais a tiram do tratamento”, conta o psicólogo Cristiano Nabuco de Abreu.

O apelo familiar não é o único incentivo que pode levar a um transtorno alimentar. Além dele, fatores sociais e predisposição psicológica são estímulos que contribuem para que alguém desenvolva anorexia nervosa ou bulimia nervosa . O que acontece, na verdade, é a interação desses fatores. “Algumas teorias psicológicas dão explicações mirabolantes, a verdade é que cada pessoa tem o seu gatilho”, garante Nabuco.

“Já ouvi falar sobre os transtornos alimentares nos jornais, revistas e na televisão, mas não conheço ninguém que sofra do problema”, conta Vanessa dos Santos Guilherme, vigilante da Escola de Educação Física e Esporte. “Acho que a principal influência vem da mídia, dos padrões de beleza estabelecidos pelo mundo da moda, com muito dinheiro e fama envolvendo a aparência.”

A anorexia nervosa se caracteriza pela perseguição de um peso abaixo do Índice de Massa Corporal (IMC) esperado para a idade – calculado pela divisão do peso sobre a altura ao quadrado. “O IMC considerado normal é de 18,5 a 19 até 24,9” , afirma Nabuco, que coordena a Equipe de Psicologia do Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares (Ambulim) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. Há uma fixação sobre o peso e distorção da representação da imagem corporal. Além disso, as meninas param de menstruar.

Na bulimia, o paciente tem os chamados episódios bulímicos – começa a comer e perde o controle da sensação de saciedade. “Enquanto uma pessoa precisa de 2.500 calorias para se manter ao longo do dia, muitas bulimícas consomem em um único episódio 4.000 calorias”, conta Nabuco. Essas crises são seguidas da tentativa de purgar o que foi consumido, em 80% dos casos por vômitos auto-induzidos. Quando a vomitar, eliminam também suco gástrico. Para não ficar com gosto ruim na boca, escovam os dentes, espalhando o suco, que é acido, e os dentes começam a se deteriorar.

Tanto na bulimia como na anorexia existe uma baixa auto-estima pronunciada. “São pessoas que tentam criar uma forma de compensação no corpo por uma sensação de não aceitabilidade”, explica Nabuco, que admite a possibilidade de que, talvez, uma herança genética também contribua para alguma predisposição bioquímica cerebral que crie essa vulnerabilidade.

“A minha preocupação não é perder peso, mas não ganhar. Quando como, sinto culpa e frustração e acabo tentando me livrar do que comi”, conta uma funcionária do Instituto de Biociências (IB). “Isso começou quando eu tinha cerca de 17 anos. Já tomei remédio para controlar a ansiedade. O último período durou dois meses e começou de novo há duas semanas”, conta Érica, hoje com 26 anos.

“Quando como, sinto culpa e frustração e acabo tentando me livrar do que comi.” Funcionária do IB

 

 

 

Francisco Emolo
“Enquanto as bulímicas vivem uma montanha-russa emocional, as anoréxicas têm uma característica básica: o perfeccinismo.” Cristiano Nabuco de Abreu

 

 

A discussão na mídia dos transtornos alimentares faz parecer que o número de casos tem aumentado. Um dos motivos recentes que efervesceu essas discussões foi a pressão feita pelo governo regional de Madri para que modelos com IMC inferior a 18 fossem dispensadas da principal semana de moda espanhola. Os casos de bulimia realmente têm aumentado, mas a anorexia nervosa permanece numa faixa de 0,5% a 2,5% da população. Os médicos têm mais habilidade e rapidez em fazer o diagnóstico.

Como perceber

O psicólogo dá dicas de como perceber se uma amiga apresenta sinais desses transtornos. “A bulímica é uma pessoa com características pendulares: não come nada ou come muito. Isso pode ser observado em tudo na vida dela. São pacientes que ficam no emprego e de repente caem fora, depois voltam; mantêm um relacionamento amoroso estável, brigam com o namorado e, em seguida, reatam. Alimentam-se e correm para o banheiro, para provocar vômito, ou perdem o controle na hora da alimentação.”

A anorexia é perceptível pela própria aparência corporal. Segundo Nabuco, é preciso observar se existe algum tipo de idiossincrasia no alimento, ou seja, alguma mania que se repete. “As anoréxicas não se alimentam em público ou, quando o fazem, demoram muito tempo. É comum dividirem a comida no prato em quatro quadrantes, um deixam esfriar, um comem, outro é para o santo, ou seja, desenvolvem rituais.”

Perigo na rede

Quero ver meus ossos! Quem gosta de pneu é borracheiro! Parece piada, mas esse tipo de apelo é um dos mais suaves dos que podem ser encontrados em sites de meninas que fazem apologia aos distúrbios alimentares.

Nos blogs, espécie de diários digitais disponíveis na rede, elas contam suas experiências na luta pela redução do peso. Nesses portais são oferecidas dicas mirabolantes de como driblar a fome. Elas fazem maratonas – uma ou duas vezes por mês é o dia de não comer nada – e ensinam truques de como vomitar ou criar saciedade no organismo.

“Pacientes anoréxicas que, muitas vezes, são apenas restritivas – não comem –, entrando nesses sites, passam a ser purgativas – vomitam, por exemplo. Quando se entra na categoria da purgação, outros transtornos psiquiátricos passam a ocorrer”, alerta Nabuco.

 

 

 

 

 

 

 

 

Francisco Emolo
“As pacientes que melhoram são aquelas que têm a doença diagnosticada e começam a ser tratadas no máximo três anos depois de seu aparecimento”. Cristiano Nabuco de Abreu

 

Santas Anorexias e Vomitórios – transtornos alimentares na história

A anorexia nervosa é um transtorno que passou a ser classificado pelos médicos na década de 70. Embora não seja um quadro psiquiátrico com longa definição na história, há registros de que ocorria no passado.

Na Idade Média, algumas mulheres, como Santa Catarina de Siena e outras santas, chamadas de santas anoréxicas, desenvolviam uma restrição alimentar como forma de alcançar a Deus, de penitência e purgação de seus pecados.

O diagnóstico de bulimia nervosa também não é muito antigo. Porém, sabe-se que na Roma antiga havia vomitórios. Durante os banquetes, os convidados se retiravam e provocavam o vômito com a intenção de continuar se alimentando, assim, retornavam à mesa.

Ambulim – Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares

É um centro de referência não só no Brasil, mas em toda a América do Sul, que se dedica ao ensino, à pesquisa e ao atendimento. “O tratamento de bulimia nervosa, psicoterapia cognitiva somada ao acompanhamento médico e nutricional, leva a uma boa taxa de recuperação”, conta Nabuco, coordenador da Equipe de Psicologia.

A anorexia é diferente, as pacientes dificilmente aderem ao tratamento, pois o que é oferecido (aumento do peso) é exatamente o que abominam. O Ambulim está fazendo uma experiência inédita no mundo ao colocar as pacientes anoréxicas juntas em um grupo de psicoterapia. A prática é condenada por pesquisadores que acreditam poder haver competição pelo estado de magreza. “Montamos esse grupo pressupondo o contrário, que haveria um apoio social, e elas reconheceriam na outra a doença que negam. A adesão está sendo muito grande”, revela Nabuco.

O Ambulim possui o ambulatório de anorexia nervosa, o de bulimia nervosa e outro que trabalha com adolescentes e crianças. Cuida também do transtorno da compulsão alimentar periódica (TCAP). “Está sendo montado agora um ambulatório só para homens, lembrando que 90% dos casos de transtornos alimentares são mulheres”, revela o psicólogo.

O Ambulim atende gratuitamente pacientes originários de qualquer parte do País. O contato pode ser feito pelo telefone 3069-6975 ou pelo e-mail ambulim@hcnet.usp.br.

 

 

 
 
 
 
 
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