Por Circe Bonatelli
fotos: Francisco Emolo e reproduções


arte sobre imagens do gettyimage.com

 

 

 

 

 

 

c. Francisco Emolo
“As pessoas enxergam a química como algo ruim. O conhecimento fica muito mais agradável quando esclarece as reações do dia-a-dia na prática”, diz Victoriano.

 

 

 

 

 


Muitas pessoas não acreditam em mitos, mas também não ousam misturar leite com manga. Há quem escolha a fase da Lua para cortar o cabelo ou arrisque dietas milagrosas. Você já ouviu falar do menino que supostamente morreu após tomar Coca-cola e chupar pastilhas Mentos? Neste vídeo é possível ver o resultado da mistura entre a balinha e o refrigerante. De todas as reações extraordinárias que nos envolvem, praticamente nenhuma fica sem explicação. Mesmo assim, é pequena a divulgação científica que chega até os leigos.

A série Caçadores de Mitos, do canal por assinatura Discovery, ganhou muita popularidade depois que passou a ser exibida pela televisão aberta nas noites de domingo. No quadro, os dois atores agem como cientistas malucos procurando mitos do cotidiano para explicá-los através de experiências práticas. A cada dia, eles fazem um teste diferente: verificam se um escapamento funciona com objetos estranhos dentro dele, usam refrigerante de cola para remover manchas no asfalto, ou metralham um tanque de gasolina para confirmar se explode como nos filmes. A idéia é desvendar as lendas. Ou melhor, “detonar” os mitos.

“O sucesso do programa está em seguir uma tendência: colocar o sujeito comum como protagonista dos mitos. E essa é a melhor maneira de obter perguntas e respostas sobre acontecimentos cotidianos que a ciência pode explicar”, observa Pedro Victoriano, professor do IQ (Instituto de Química). “O conhecimento da química, física ou biologia fica muito mais agradável quando esclarece as reações do dia-a-dia na prática.”

Na FEA (Faculdade de Economia, Administração e Ciências Contábeis), a funcionária da seção de Pós-Graduação Melissa Andrade valoriza iniciativas capazes de explicar a ciência para leigos. “O programa Caçadores de Mitos é muito bom porque nos ajuda a entender sem a linguagem acadêmica”, diz. “Quando eu tenho muita curiosidade sobre algum mito, procuro no Google, mas as explicações não são confiáveis. É gente que só acha que sabe.”

Mesmo com uma quantidade enorme de mitos circulando em mensagens de e-mails ou nas conversas entre amigos, são poucas as iniciativas para tratar do assunto nas universidades ou na mídia. Na internet, por exemplo, a maioria das páginas sobre mitos explora o assunto com sensacionalismo ou oferece explicações confusas e não convincentes.

O Projeto Ockham é um dos poucos endereços on-line onde o assunto é trabalhado de uma forma séria. A equipe é composta por pós-graduados em química e biologia que se reuniram para suprir a falta de suporte científico em torno de tabus e lendas. “Ser cético não é ser um chato sem imaginação que se recusa a sonhar com civilizações extraterrestres, ou curas médicas por terapia de cristais. Nós simplesmente exigimos uma quantidade maior de evidências”, explicam no site.

Na visão do engenheiro químico Alexandre de Castro, coordenador do Projeto Ockham, boa parte dos mitos está relacionada às fraudes e especulações. “Vários não passam de mentiras para lucrar com a credulidade alheia: curas milagrosas, fenômenos paranormais feitos com truques de mágica e consultorias por astros. Outra coisa que chama a atenção são as histórias fantásticas para explicar fatos simples. Se existem fatos sem respostas é porque não temos todas as informações necessárias para chegar a uma conclusão no momento”, diz.

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A Revista Science publicou um top 15 com questões que ainda não foram respondidas. Veja algumas: Do que o universo é feito? Qual a base biológica da consciência? Nós estamos sozinhos no Universo? Onde e quando a vida surgiu na Terra?

 


“O que faz mal não é o leite com manga. São as quantidades em excesso, horários de ingestão e a sensibilidade do organismo”, explica a professora Elisabete.

 

 


“Há mais mitos no mercado do que profissionais trabalhando para explicá-los aos leigos”, diz o professor Aprígio

 

 

 

 

 

 


O professor Bertotti detona o mito da Coca-Cola e Mentos

 

Na FSP (Faculdade de Saúde Pública), a pesquisadora Elisabete Machado aponta também o surgimento de mitos a partir de razões sociais. “Muitos têm origem no preconceito das castas e na questão do chamado fruto proibido. Já se falou, por exemplo, que o feijão-preto faz mal à saúde. Na verdade, ele era a comida servida aos escravos. Por isso, os ricos não consumiam o feijão-preto e ainda o tachavam de ruim”, explica.

Como fatores originários de mitos no campo da nutrição, a professora Elisabete menciona as coincidências – a culpa vai para o alimento quando o sujeito passa mal por outros motivos desconhecidos – e a sensibilidade pessoal – algumas refeições, quantidades e horários podem ser indigestos para certas pessoas. “Pepino, mortadela, ovo antes de dormir não fazem mal para todo mundo. Depende do organismo”, esclarece.

A funcionária Christine Blair, do Serviço de Assistência Financeira do IB (Instituto de Biociências) reforça o caráter popular dos mitos: “Eu ouço várias histórias, e elas têm dado certo. Mesmo que não seja provado cientificamente, dá para fazer algumas verificações. Em época de Lua cheia, acontecem mais surtos e nascimentos, por exemplo (veja esse mito detonado)”, conta. “Algumas coisas são tão faladas, que acabam servindo de regra para as pessoas. Se foi passado de geração em geração nas famílias, nem importa tanto se é verdade.”

Precisa-se de caçadores de mitos

Na opinião do professor Antônio Aprígio, diretor do Centro de Difusão Científica e Cultural da USP, em São Carlos, a carência de trabalhos científicos desbravando mitos é resultado do ambiente de pesquisa no País. “Os pesquisadores trabalham pouco com divulgação científica por uma questão de sobrevivência”, afirma. Aprígio explica que pesquisas na chamada “ciência de ponta” dão melhor retorno ao cientista, através de publicação em veículos especializados no setor, maior peso no currículo e melhor apreciação junto às agências de fomento.

Para leigos conseguirem acesso ao conhecimento científico, as indicações são leitura de revistas, visitas a museus e garimpagem de sites confiáveis na internet. O cenário brasileiro ainda depende do crescimento gradual da divulgação científica. “O Brasil é um país novo nesse segmento. As mudanças podem ser aceleradas a partir da cobrança da mídia e do debate nas escolas, mostrando que a ciência é capaz de responder às perguntas do dia-a-dia. É preciso provocar o meio científico para aparecerem as respostas”, aponta Aprígio.

Detonando a Coca-Cola e Mentos

Não, refrigerante de cola e pastilha Mentos não matam. Quem garante é a professora e nutricionista Elisabete Machado, da FSP. “No caso, a Coca-cola e a pastilha são ingeridos separadamente e passam por transformações – são mastigados, encontram enzimas e o suco gástrico – até se misturarem no estômago”. Portanto, a reação no organismo não é a mesma que vimos no vídeo . E se a pastilha fosse engolida inteira, aconteceria uma reação semelhante, mas bem menor. O gás seria expelido das formas mais conhecidas: eructação (arroto), pum ou, no máximo, vômito.

Já a adição de Mentos ao refrigerante de cola realmente faz sujeira. O gás carbônico, dissolvido nos refris, exerce pressão para deixar a fase aquosa e se difundir para a fase gasosa. Quando um corpo sólido entra em contato com a bebida, ele estimula a formação de microbolhas. “Por algum componente da fórmula de Mentos, a formação de bolhas é mais efetiva nessa pastilha. Aí, a pressão do gás é bem maior”, garante o professor Mauro Bertotti, do IQ.

 
 
 
 
 
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