texto: Diego Junqueira, especial para revista espaço aberto
fotos: Rafael Bueno. Diego Junqueira, reproduções

Na imagem: Barco-hospital Floriano Riva Filho, da Prefeitura de Porto Velho, utilizado pelo ICB5 para sua expedição científico-acadêmico pelos rios de Rondônia.

 

 

 

 


Créditos: Rafael Barofaldi Bueno
A expedição científico-acadêmica pelos rios de Rond6onia é um dos principais projetos do ICB5, quando se desenvolvem atividades de ensino, pesquisa e assistência.

 

 

 

 

 

 


"Vim para Rondônia para uma pesquisa de apenas dois anos. Mas já faz 17 anos que estou aqui", conta o Prof. Marcelo (ao centro), acompanhado por Junior (à esquerda) e Leonardo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Professor Marcelo com alguns alunos formados pelo ICB5: (da esquerda para direita) Janaína Souza Vera , Prof. Marcelo, Rodrigo Arçari e Fernanda Silva Alves

 


Detalhe do laboratório


Não passava das 8 horas da manhã em Rondônia. Na pequena cidade de Monte Negro, a 250 km da capital Porto Velho, fazia um domingo tranqüilo, como todos os outros dias da semana. Enquanto Cledson ainda estava à mesa do café da manhã, na residência do “professor”, Léo entrava no jardim da casa pelo imenso portão azul que leva a inscrição “USP”, e com a calma de todos os dias, encostava sua bicicleta embaixo de uma árvore. Ambos então começaram a discutir sobre o almoço daquele domingo. O almoço era importante porque seria a recepção do “professor”, que em poucas horas chegaria de Porto Velho.

Para os 18 mil habitantes da cidade do interior de Rondônia, a Universidade de São Paulo não representa uma figura distante e inalcançável localizada na capital paulista. Para eles, “a USP fica logo ali”, porque Monte Negro acolhe um dos mais importantes órgãos de pesquisa, ensino e assistência da Amazônia, o Instituto de Ciências Biomédicas 5 (ICB5).

O biomédico e administrador do ICB5, Cledson Júnior, de 26 anos, e Leonardo Fortunato, responsável pela manutenção da unidade, aguardavam a chegada do coordenador da unidade, o professor Luís Marcelo Aranha Camargo, para aquela que seria uma semana de intenso trabalho, de suor uspiano na Amazônia.

“Vim para Rondônia por causa de um projeto de pesquisa. Era para ficar por apenas dois anos. Mas comecei a me envolver com o desenvolvimento do Estado, com a elaboração de seu sistema de saúde... e acabei ficando. Já são 17 anos”, relembra o professor.

O dr. Marcelo, como é conhecido por seus pacientes (espalhados pelos confins de Rondônia), chegou ao Estado em 1990. Recém-contratado pelo Departamento de Parasitologia do ICB, ele foi ao Estado convocado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) da ONU e pelo Instituto Pasteur de Paris. A tarefa então era pesquisar a malária brasileira, que ocorria quase exclusivamente na região amazônica.

Além das cidades, a população do Estado estava espalhada em lugares de difícil acesso: sobretudo ribeirinhos, às margens dos numerosos rios, e trabalhadores rurais, que foram a Rondônia para ocupar as terras cedidas pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). “Se hoje o sistema de saúde de Rondônia ainda é precário, naquela época ele não existia”, conta o professor Marcelo. “Não havia infectologistas no Estado. Não sabiam tratar malária, picada de cobra, leishmaniose, que são doenças comuns aqui. Cheguei também a ver muita transfusão de sangue feita de braço a braço, sem controle nenhum”, acrescenta.

A USP junto com o governo de Rondônia, foi responsável pela criação e adaptação de diversos núcleos de saúde no interior do Estado. O professor estava tão envolvido com as pesquisas e com o desenvolvimento da infra-estrutura de saúde da região que o Departamento de Parasitologia do ICB permitiu que ele se estabelecesse em Rondônia. E poucos anos depois, em outubro de 1996, a USP chegava Monte Negro.

Depois do dr. Marcelo, Leonardo Fortunato é o funcionário mais antigo do ICB5. “A primeira vez que vim para Rondônia foi para montar o primeiro laboratório em Monte Negro. Então Erney Camargo (Professor Emérito do ICB/USP e atual presidente do CNPq) e o dr. Marcelo me convidaram para trabalhar no ICB5. E assim viemos eu, minha mulher e meu filho para cá, há seis anos”, recorda Leonardo.

Antes do ICB5, o pernambucano Leonardo trabalhava no Instituto de Ciências Biomédicas da Cidade Universitária, em São Paulo. “Eu já tenho mais de 20 anos de USP. Trabalhei também no Hospital Universitário, que foi, inclusive, onde meu filho nasceu”, conta ele, muito satisfeito com a vida em Rondônia. “Eu nem penso em voltar para São Paulo. Vivi lá por 30 anos e me cansei. Como eu morava em Cotia, tinha que levantar muito cedo para trabalhar. Aqui eu venho para o trabalho de bicicleta. Além disso, Monte Negro é mais a minha origem.” E arremata: “O ICB5 é um lugar muito bom para trabalhar”.

Com a participação do professor no projeto do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), que mapearia as áreas de risco em Rondônia para ocorrência de doenças endêmicas, surgiu, com a participação da USP, o primeiro Programa de Saúde da Família (PSF) da Amazônia, que consistia em levar a assistência médica às populações mais afastadas, ao invés de esperar por elas nas cidades. “Eu adotei esse modelo de atendimento como meu projeto de pesquisa por cinco anos. Começaram a surgir então outras pesquisas, sobre diversas doenças tropicais. E foi nesse bojo que surgiu o ICB5, com um laboratório de apenas 16 m²”, conta o professor.

O ICB5 possui hoje uma área construída de 500 m², entre diversos laboratórios, biblioteca, sala de informática, serpentário, insetário e um alojamento para professores, pesquisadores e estudantes, que pode abrigar até 50 pessoas. E, separada do ICB5 por apenas um portão, está a casa do professor. Dentre suas principais atividades e projetos de pesquisa, estão os relacionados com o estudo da malária, doença de Chagas, leishmaniose, capilaríase hepática, cromoblastomicose e desnutrição, envolvendo profissionais de diversas instituições, como a Faculdade São Lucas (de Porto Velho), Universidade Federal de Rondônia (Unir), Instituto Butantan, Fundação Instituo Osvaldo Cruz (FIOCRUZ), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Instituto de Química da USP e a Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB/USP).

O instituto promove ainda alguns cursos, principalmente nas áreas de micologia, bacteriologia, entomologia médica e manejo de animais peçonhentos; oferece, durante uma semana a cada mês, atendimento médico para a população de Monte Negro e arredores; e organiza, uma vez por semestre, uma expedição pelos rios Machado e Preto, de Rondônia, oferecendo atendimento médico para as comunidades ribeirinhas. “Além de levarmos assistência médica para essas pessoas que estão na periferia do sistema, pinçamos, entre um e outro, muitos casos interessantes para nossas pesquisas”, diz o Dr. Marcelo. E continua: “Esse trabalho de campo, neste nosso sertão, é fundamental, mas é preciso ter o cordão umbilical ligado a uma instituição como a USP, que nos mantém atualizados e abre muitas possibilidades”.

“É um instituto de importância mundial, porque a maioria das doenças infecto-contagiosas surgem em regiões virgens, pouco habitadas, como esta. Temos a possibilidade de presenciar um processo puro. Fica mais fácil descobrir onde e como surgem as doenças, antes que elas sofram as diversas mutações que geralmente ocorrem”, ressalta o biomédico Cledson Júnior.

Para o dr. Marcelo, além da dificuldade financeira, o principal desafio do ICB5 é colonizar a unidade, pela falta de interesse dos profissionais da região centro-sul do País. “Para muitos profissionais de fora, formados e preparados, é difícil encarar uma região isolada como esta. Por causa disso, o ICB5 está formando um grupo de Rondônia, principalmente de PortoVelho, criando uma massa crítica local, que está sendo treinada e capacitada”, avalia o porto-velhense Júnior. “Todo esse desafio e a sensação de ser útil é que me faz ficar aqui. Ensinar os alunos e realizar os atendimentos é uma gratidão diária, que não me deixa voltar. E vou ficar aqui para sempre”, conclui o dr. Marcelo.

 


 
 
 
 
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