Na imagem:
Barco-hospital Floriano Riva Filho, da Prefeitura de
Porto Velho, utilizado pelo ICB5 para sua expedição
científico-acadêmico pelos rios de Rondônia.
A expedição científico-acadêmica pelos
rios de Rond6onia é um dos principais projetos do ICB5,
quando se desenvolvem atividades de ensino, pesquisa e assistência.
"Vim para Rondônia para uma pesquisa de apenas dois anos. Mas já faz
17 anos que estou aqui", conta o Prof. Marcelo (ao centro), acompanhado
por Junior (à esquerda) e Leonardo.
Professor Marcelo com alguns alunos formados pelo ICB5: (da esquerda
para direita) Janaína Souza Vera , Prof. Marcelo, Rodrigo
Arçari e Fernanda Silva Alves
Detalhe do laboratório
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Não passava das 8 horas da manhã em Rondônia.
Na pequena cidade de Monte Negro, a 250 km da capital Porto Velho,
fazia um domingo tranqüilo, como todos os outros dias da semana.
Enquanto Cledson ainda estava à mesa do café da manhã,
na residência do “professor”, Léo entrava no jardim
da casa pelo imenso portão azul que leva a inscrição “USP”,
e com a calma de todos os dias, encostava sua bicicleta embaixo
de uma árvore. Ambos então começaram a discutir
sobre o almoço daquele domingo. O almoço era importante
porque seria a recepção do “professor”, que em poucas
horas chegaria de Porto Velho.
Para os 18 mil habitantes da cidade do interior de
Rondônia, a Universidade de São Paulo
não representa uma figura distante e inalcançável
localizada na capital paulista. Para eles, “a USP fica
logo ali”, porque Monte Negro acolhe um dos mais importantes órgãos
de pesquisa, ensino e assistência da Amazônia,
o Instituto de Ciências Biomédicas 5 (ICB5).
O biomédico e administrador do ICB5, Cledson
Júnior, de 26 anos, e Leonardo Fortunato, responsável
pela manutenção da unidade, aguardavam
a chegada do coordenador da unidade, o professor Luís
Marcelo Aranha Camargo, para aquela que seria uma semana
de intenso trabalho, de suor uspiano na Amazônia.
“Vim para Rondônia por causa de um projeto de
pesquisa. Era para ficar por apenas dois anos. Mas
comecei a me envolver com o desenvolvimento do Estado,
com a elaboração de seu sistema de saúde...
e acabei ficando. Já são 17 anos”, relembra
o professor.
O dr. Marcelo, como é conhecido por seus pacientes
(espalhados pelos confins de Rondônia), chegou
ao Estado em 1990. Recém-contratado pelo Departamento
de Parasitologia do ICB, ele foi ao Estado convocado
pela Organização Mundial da Saúde
(OMS) da ONU e pelo Instituto Pasteur de Paris. A tarefa
então era pesquisar a malária brasileira,
que ocorria quase exclusivamente na região amazônica.
Além das cidades, a população
do Estado estava espalhada em lugares de difícil
acesso: sobretudo ribeirinhos, às margens dos
numerosos rios, e trabalhadores rurais, que foram a
Rondônia para ocupar as terras cedidas pelo Incra
(Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária). “Se hoje o sistema de saúde
de Rondônia ainda é precário, naquela época
ele não existia”, conta o professor Marcelo. “Não
havia infectologistas no Estado. Não sabiam
tratar malária, picada de cobra, leishmaniose,
que são doenças comuns aqui. Cheguei
também a ver muita transfusão de sangue
feita de braço a braço, sem controle
nenhum”, acrescenta.
A USP junto com o governo de Rondônia, foi responsável
pela criação e adaptação
de diversos núcleos de saúde no interior
do Estado. O professor estava tão envolvido
com as pesquisas e com o desenvolvimento da infra-estrutura
de saúde da região que o Departamento
de Parasitologia do ICB permitiu que ele se estabelecesse
em Rondônia. E poucos anos depois, em outubro
de 1996, a USP chegava Monte Negro.
Depois do dr. Marcelo, Leonardo Fortunato é o
funcionário mais antigo do ICB5. “A primeira
vez que vim para Rondônia foi para montar o primeiro
laboratório em Monte Negro. Então Erney
Camargo (Professor Emérito do ICB/USP e atual
presidente do CNPq) e o dr. Marcelo me convidaram para
trabalhar no ICB5. E assim viemos eu, minha mulher
e meu filho para cá, há seis anos”, recorda
Leonardo.
Antes do ICB5, o pernambucano Leonardo trabalhava
no Instituto de Ciências Biomédicas da
Cidade Universitária, em São Paulo. “Eu
já tenho mais de 20 anos de USP. Trabalhei também
no Hospital Universitário, que foi, inclusive,
onde meu filho nasceu”, conta ele, muito satisfeito
com a vida em Rondônia. “Eu nem penso em voltar
para São Paulo. Vivi lá por 30 anos e
me cansei. Como eu morava em Cotia, tinha que levantar
muito cedo para trabalhar. Aqui eu venho para o trabalho
de bicicleta. Além disso, Monte Negro é mais
a minha origem.” E arremata: “O ICB5 é um lugar
muito bom para trabalhar”.
Com a participação do professor no projeto
do PNUD (Programa das Nações Unidas para
o Desenvolvimento), que mapearia as áreas de
risco em Rondônia para ocorrência de doenças
endêmicas, surgiu, com a participação
da USP, o primeiro Programa de Saúde da Família
(PSF) da Amazônia, que consistia em levar a assistência
médica às populações mais
afastadas, ao invés de esperar por elas nas
cidades. “Eu adotei esse modelo de atendimento como
meu projeto de pesquisa por cinco anos. Começaram
a surgir então outras pesquisas, sobre diversas
doenças tropicais. E foi nesse bojo que surgiu
o ICB5, com um laboratório de apenas 16 m²”,
conta o professor.
O ICB5 possui hoje uma área construída
de 500 m², entre diversos laboratórios,
biblioteca, sala de informática, serpentário,
insetário e um alojamento para professores,
pesquisadores e estudantes, que pode abrigar até 50
pessoas. E, separada do ICB5 por apenas um portão,
está a casa do professor. Dentre suas principais
atividades e projetos de pesquisa, estão os
relacionados com o estudo da malária, doença
de Chagas, leishmaniose, capilaríase hepática,
cromoblastomicose e desnutrição, envolvendo
profissionais de diversas instituições,
como a Faculdade São Lucas (de Porto Velho),
Universidade Federal de Rondônia (Unir), Instituto
Butantan, Fundação Instituo Osvaldo Cruz
(FIOCRUZ), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
(INPA), Instituto de Química da USP e a Faculdade
de Odontologia de Bauru (FOB/USP).
O instituto promove ainda alguns cursos, principalmente
nas áreas de micologia, bacteriologia, entomologia
médica e manejo de animais peçonhentos;
oferece, durante uma semana a cada mês, atendimento
médico para a população de Monte
Negro e arredores; e organiza, uma vez por semestre,
uma expedição pelos rios Machado e Preto,
de Rondônia, oferecendo atendimento médico
para as comunidades ribeirinhas. “Além de levarmos
assistência médica para essas pessoas
que estão na periferia do sistema, pinçamos,
entre um e outro, muitos casos interessantes para nossas
pesquisas”, diz o Dr. Marcelo. E continua: “Esse trabalho
de campo, neste nosso sertão, é fundamental,
mas é preciso ter o cordão umbilical
ligado a uma instituição como a USP,
que nos mantém atualizados e abre muitas possibilidades”.
“É um instituto de importância mundial,
porque a maioria das doenças infecto-contagiosas
surgem em regiões virgens, pouco habitadas,
como esta. Temos a possibilidade de presenciar um processo
puro. Fica mais fácil descobrir onde e como
surgem as doenças, antes que elas sofram as
diversas mutações que geralmente ocorrem”,
ressalta o biomédico Cledson Júnior.
Para o dr. Marcelo, além da dificuldade financeira,
o principal desafio do ICB5 é colonizar a unidade,
pela falta de interesse dos profissionais da região
centro-sul do País. “Para muitos profissionais
de fora, formados e preparados, é difícil
encarar uma região isolada como esta. Por causa
disso, o ICB5 está formando um grupo de Rondônia,
principalmente de PortoVelho, criando uma massa crítica
local, que está sendo treinada e capacitada”,
avalia o porto-velhense Júnior. “Todo esse desafio
e a sensação de ser útil é que
me faz ficar aqui. Ensinar os alunos e realizar os
atendimentos é uma gratidão diária,
que não me deixa voltar. E vou ficar aqui para
sempre”, conclui o dr. Marcelo. |