texto por Daniel Fassa
fotos por Francisco Emolo e Cecília Bastos

 

Nas proximidades do portão 1 da USP, num badalado bar da Valdemar Ferreira, alguém grita – Garçom. Osmar atende prontamente, anota o pedido e

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Luís Carlos de Menezes, professor do Instituto de Física, foi um grande freqüentador do Rei das Batidas algumas décadas atrás e se lembra muito bem daquele “rapaz simpático, comunicativo” que conheceu.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


“Há leitores para o Paulo Coelho e há leitores para o Osmar, o público dele não está nas livrarias.” Plínio Martins

 

 


“Escrevo para o público universitário, os vizinhos, os freqüentadores da região, o pessoal do CEU Butantã, para aqueles que me viram crescer, mas quero fazer meus livros chegarem ao maior número possível de pessoas. Aqui tem uma lição de vida.” Osmar Afrísio dos Santos

 

“esquece” um livro sobre a mesa do cliente. Quando volta, bandeja na mão, o garçom-escritor é indagado: – Esse livro é seu? – É meu, mas pode ser seu. Por apenas dez reais você pode ter esse livro que conta a história de um garçom dentro de um bar dos 13 aos 46 anos de idade.

No Rei das Batidas, bar dos irmãos portugueses Abílio e Manoel Abrantes, local muito freqüentado por professores, funcionários e, principalmente, estudantes da USP, essa cena é mais do que comum. Foi dessa forma que Osmar Afrísio dos Santos vendeu cerca de 5.200 exemplares de seu primeiro livro, Sem Rei Nem Bar, Somente Osmar, e é assim que ele provavelmente fará chegar ao público sua segunda obra, Copos na mão, idéias em vão.

Osmar nasceu aos 14 de novembro de 1960, em Iepê, no interior de São Paulo. Com 5 anos foi morar em Londrina e, aos 12, após a morte da mãe, mudou-se com a família para a capital paulista. Através do tio, Abdias Anastácio, que então trabalhava no Rei das Batidas, Osmar teve seu primeiro contato com o bar onde trabalharia por muitos anos. Todos os dias, após a aula, ficava por lá fazendo “uns biquinhos”.

Não demorou muito para que o menino de 13 anos se tornasse o mais jovem funcionário do Rei. Como morava muito longe, o patrão, seu Manoel Abrantes, o convidou para morar em sua casa. Após terminar o colegial, Osmar decidiu prestar vestibular. Foram 11 anos tentando entrar na USP, sem sucesso. Durante esse tempo, graças a alguns de seus muitos contatos feitos no bar, conseguiu fazer três anos de cursinho gratuitamente, cada ano em uma escola diferente.

Na falta de tempo para o estudo, Osmar aproveitava o expediente. – Garçom, o que tem para tomar? – Tem suco gástrico, pancreático, linfático, salivar, laranja e pêssego, brincava com os fregueses da Biologia. Se alguém da Matemática pedisse três unidades de qualquer coisa, o garçom respondia – Três vetores são linearmente dependentes quando um deles for combinação linear dos outros dois.

Dessa forma, somando à ótima memória todo o seu carisma, Osmar ganhava não só conhecimento, mas a simpatia de todos. “Ao mesmo tempo em que eu falava aqueles termos técnicos, conseguia memorizar alguns conceitos das matérias. As pessoas achavam engraçado”, recorda o garçom.

Luís Carlos de Menezes, professor do Instituto de Física, foi um grande freqüentador do Rei das Batidas algumas décadas atrás e se lembra muito bem daquele “rapaz simpático, comunicativo” que conheceu. “Acho muito interessante que ele, como escritor, esteja reportando toda essa variedade de tipos humanos que ele conhece”, observa o físico.

Entre 1985 e 1989, com o apoio financeiro de seu Manoel, Osmar cursou pedagogia nas Faculdades Integradas Hebraico-Brasileiras Renascença. Dos trocadilhos com o jargão científico, o garçom logo passou aos versinhos, que cativavam ainda mais os freqüentadores do Rei das Batidas. Conhecendo seu talento para a comunicação e sabendo de sua longa trajetória no bar, alguns fregueses passaram a incentivá-lo a escrever um livro que contasse a história do bar.

“Quando comecei a escrever era para um grupo de cerca de 200 amigos que me incentivavam. Pessoas da FFLCH, da Odontologia, da FEA, da ECA, entre outras, que freqüentavam o Rei”, conta o garçom-escritor. Finalmente decidido a publicar um livro, Osmar foi à luta: para conseguir fazer a impressão, buscou patrocínio com amigos, fregueses e até com os patrões; a editoração, por sua vez, ele conseguiu gratuitamente, na Com-Arte, uma editora-laboratório da ECA.

Plínio Martins, diretor da Edusp e professor responsável pela Com-Arte, relata que, inicialmente, houve resistência de alguns alunos em investir no livro de Osmar. No entanto, essa barreira acabou sendo superada: “Não deveríamos ser elitistas e publicar no laboratório apenas aquilo que o establishment considera como bom. Um livro como o dele poderia ter um público muito maior do que o de muitas teses”. De fato, a previsão de Martins se concretizou. Lançado em 1996, Sem Rei Nem Bar, Somente Osmar já está em sua quarta edição.

Considerado pelo autor “um despejo amorfo de idéias e pensamentos”, o livro vem sendo vendido principalmente no boca a boca, nas conversas com os freqüentadores do Rei das Batidas, que, por sinal, são o principal assunto da obra. Ele chegou a ter espaço em algumas livrarias, como a Belas Artes, mas isso não ocorre mais atualmente. Supervisor do trabalho de editoração do livro, Martins julga normal essa rejeição: “Há leitores para o Paulo Coelho e há leitores para o Osmar, o público dele não está nas livrarias”.

Hoje, mais de dez anos após a publicação de Sem Rei Nem Bar, Somente Osmar, o autor começa a divulgar e vender sua segunda obra. Copos na mão, idéias em vão é uma continuação da primeira e apresenta ao leitor uma compilação de pequenos poemas em verso e prosa, sempre baseados nas experiências diversas vividas por Osmar nesses mais de 30 anos como garçom do Rei das Batidas. O livro traz organização e comentários de Antônio Celso Xavier de Oliveira, um antigo freguês que atualmente trabalha no Itamaraty.

Osmar não objetiva apenas fazer um relato poético de situações muitas vezes inusitadas. Seus livros são, para ele, quase uma missão: “Acredito que eu posso ser um veículo de comunicação para as pessoas. Aqui dentro tem uma lição de vida: falo de Deus, das relações humanas, da humildade, dos exageros e suas conseqüências”. Embora escreva para o público local, Osmar sonha em fazer seus livros chegarem ao maior número possível de pessoas. “Meu objetivo não é fazer disso um comércio. Quero fazer uma divulgação social, um incentivo à cultura popular e, principalmente, quero ajudar a mudar a vida das pessoas, especialmente na parte sentimental.”

 

 
 
 
 
 
O Espaço Aberto é uma publicação mensal da Universidade de São Paulo produzida pela CCS - Coordenadoria de Comunicação Social.
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