texto: Circe Bonatelli
Fotos: Cecília Bastos e João Neves

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© João Neves
“Não estamos fazendo campanha contra publicitários, mas sim um alerta sobre a necessidade de regulamentar os comerciais de alimentos para o público infantil.” Paula Carolina.

 

 

 

 

 

 

© Cecília Bastos
A propaganda apela, os filhos insistem e os pais compram. Márcia Calisto percebe esse relacionamento com seus sobrinhos pequenos.

Enquanto educadores insistem para suas crianças comerem mais legumes e verduras, a televisão faz o caminho contrário: 60% das propagandas sobre alimentos falam em produtos cheios de açúcar, gordura e sal. E para facilitar as vendas, algumas marcas carregam apelos como “Fonte de Vitaminas e Minerais”, o que nem sempre é possível se comprovar na tabela nutricional.

A verificação do perfil das propagandas foi feita pela psicóloga Paula Carolina Nascimento, em sua tese de doutorado na FFCLRP (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto). Ela realizou um estudo inédito no Brasil sobre a influência da televisão nos hábitos alimentares de crianças e adolescentes. Foram entrevistados 816 alunos de baixa renda e do ensino fundamental da rede pública em Ribeirão Preto. Constatou-se que 24% têm IMC (índice de massa corporal) elevado, ou seja, estão obesos.

Com a merenda escolar balanceada (arroz, feijão, carne e saladas), a explicação para a obesidade está em outros fatores. Em muitos casos, a merenda acaba sendo a única refeição do dia, e divide espaço com os salgadinhos, bolachas recheadas, refrigerantes, e outras guloseimas ricas em GAS – gordura, açúcar e sal.

“O consumo de frutas e legumes é baixo, e o acesso acaba restrito à escola”, observa Paula Carolina. O quadro de altos índices de sobrepeso entre escolares motivou a pesquisadora a estudar as causas responsáveis pelo desajuste nas noções corretas sobre nutrição. “A TV pode ser considerada um fator ambiental ligado ao sobrepeso, porque é um veículo forte para a divulgação de idéias sobre estilo de vida, e transmite às crianças propagandas de alimentos inadequados,” explica a psicóloga.

Dos jovens entre 7 e 14 anos entrevistados, 73% afirmaram passar mais de duas horas diárias na frente da televisão. De cada quatro propagandas que assistem, uma é sobre alimentos. Destas, mais da metade (60%) são de alimentos ricos em GAS. “As crianças tendem a escolher a comida baseadas nos produtos que vêem na TV. Se elas mantiverem a proporção do que assistem, ingerindo muito mais guloseimas, será um caos total”, avisa Paula Carolina.

A funcionária do Instituto de Química Márcia Calisto percebe essa relação na família. “Toda vez que aparece uma novidade nos comerciais, meus sobrinhos ficam entusiasmados. E eu vejo que seus pais compram, porque os filhos ficam na insistência direta. A propaganda na televisão não pára.”

Há 20 anos, nos EUA, Gorne Goldemberg foi o primeiro pesquisador a descobrir relações entre TV e hábitos alimentares. Nas suas contas, depois de assistir à televisão por duas horas, cada hora a mais na frente do aparelho equivale a um sobrepeso de 2% em crianças.

 

 

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Kátia Ferreira confia nas embalagens de alimentos. Mas é melhor olhar com cuidado.

 

 

© Cecília Bastos
A nutricionista Mônica Jorge avisa que os alimentos industrializados e enriquecidos com vitaminas não substituem uma refeição tradicional.

 

 

 

 

Como ficam os pais nessa situação? Muitos adultos também erram na escolha dos itens que vão para o carrinho do supermercado. A pesquisadora verificou que muitos pais dos estudantes entrevistados não têm o hábito de fazer uma lista antes de ir ao mercado. “Sem uma lista de compras, as pessoas ficam muito mais vulneráveis a escolher produtos por preço, sabor ou referência das propagandas. São mais impulsivas.”

Um outro nó na cabeça dos consumidores diz respeito à nova onda de guloseimas que procuram fugir dos estigmas negativos. Pensando na população mais preocupada com a saúde, a indústria do setor alimentício apela para um marketing que destaca características aparentemente confiáveis, como “Fonte de Fibras”, “Sem Gordura Trans” ou “Com Vitaminas e Minerais”.

“Se tem margarina comum e light, eu escolho a light. Se tiver pão sem gordura trans, eu escolho esse”, conta Kátia Ferreira, funcionária do Instituto de Psicologia. “Eu confio na embalagem, não é? Acredito que existe uma agência reguladora e que as melhores indústrias não vão descrever coisas falsas.”

No entanto, a nutricionista e professora da FSP (Faculdade de Saúde Pública) Mônica Elias Jorge faz uma alerta sobre produtos enriquecidos. “Existe uma indiscriminação ao se falar das fortificações.” Segundo explica, é necessário ficar atento à tabela nutricional dos alimentos, pois as chamadas das embalagens podem enganar. Para isso, a professora cita alguns exemplos.

Aqueles biscoitinhos salgados de poucas calorias e sem gorduras trans: parecem perfeitos para o lanchinho da tarde, mas têm uma quantidade excessiva de sódio (sal). Ou então, as bolachas recheadas que se orgulham de figurarem como fontes de cálcio. Podem ser substituídas por dois copos de leite, que abastecem o organismo sem o excesso de calorias. Também é conveniente observar as porcentagens que cada nutriente representa na ingestão diária recomendada. Nenhuma fonte de vitaminas, minerais ou fibras é significativa se equivaler apenas a menos que 5% da recomendação diária descrita na tabela. Um pacote inteiro de biscoito com fibras, por exemplo, não vale mais que um prato de salada.

“O melhor é optar por alimentos naturais. Eles têm muito mais nutrientes que os produtos industrializados, e são mais bem absorvidos pelo organismo,” arremata Mônica.

 

 
 
 
 
 
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