Por Circe Bonatelli

 

 

 



Muitas pessoas têm dificuldades de entender ou aceitar como alguém pode estar morto, mas com o coração batendo. A morte encefálica é a morte do cérebro e do tronco cerebral. O quadro é irreversível e significa a morte legal do indivíduo. Isso porque as funções vitais controladas pelo cérebro deixam de ser realizadas espontaneamente, provocando o colapso de todos os órgãos em poucos minutos. Com a intervenção de aparelhos, os órgãos continuam ativos por alguns dias, no máximo até uma semana.

O quadro de morte encefálica só pode ser confirmado pelo médico após a realização de exames padronizados pela resolução 1.480/97, do Conselho Federal de Medicina. Dois ou mais testes são feitos com intervalo de algumas horas e comprovam a inatividade elétrica e metabólica irreversíveis na cabeça.

A situação é diferente da vida vegetativa, quando o sujeito lesionado ainda é capaz de comandar suas funções vitais e, em muitos casos, despertar. Na morte cerebral, despertar seria o mesmo que ressuscitar.

A equipe médica deve ter o maior cuidado ao esmiuçar tal diagnóstico. Durante uma visita desavisada à UTI, a família está sujeita a ficar muito confusa emocionalmente. Para os leigos, é impossível diferenciar um corpo em morte cerebral de uma pessoa em sono profundo na cama: em ambos, o abdômen se move normalmente na respiração, os batimentos cardíacos aparecem no monitor e há urina no recipiente plástico. O morto permanece quente.

No entanto, tudo isso é suportado artificialmente para dar condições de tratamento ao sujeito quando ele acaba de chegar ao hospital, sem diagnóstico certo. Depois de verificada a morte cerebral, os aparelhos permanecem ligados enquanto a família é contatada para a doação.

“Eu acho a morte cerebral muito ingrata. Ela não mata o ser humano, mata apenas a cabeça. É diferente de um infarto, em que a pessoa vai embora por inteiro.”

Esse é um dos depoimentos presentes na dissertação de mestrado de Edvaldo Leal, enfermeiro da OPO (Organização para Procura de Órgãos), no Hospital das Clínicas. Há dez anos ele acompanha a notificação das famílias sobre esse diagnóstico de óbito: “Temos a impressão que surgem dois conceitos de morte. Depois da cerebral, muitas famílias não dão o aval para a doação e esperam o coração parar de bater naturalmente, como se a pessoa fosse terminar de morrer. Mas ela não pode morrer pela segunda vez, porque já está morta”.

Leia mais sobre morte cerebral no site da Associação Brasileira para Transplante de Órgãos.

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