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Não existe nenhum documento, comprovante ou mecanismo legal para garantir nossa
vontade de ser ou não um doador. Só a família pode autorizar a doação e decidir
se acata ou não a vontade do falecido.
Segundo o artigo 4º da lei 9.434/97, “A retirada de tecidos, órgãos e partes do
corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica
dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a
linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em
documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte”.
Veja na íntegra a lei 9.434.
Quando foi promulgada, em 1997, essa lei presumia que todo brasileiro era
doador, salvo manifestações contrárias. Em 2002, o código foi reajustado: agora
a família tem o poder de escolha acima de qualquer um, inclusive acima do
falecido.
De acordo com a interpretação de Rachel Sztajn, professora da Faculdade de
Direito da USP, é mais valiosa a atenção a quem fica do que a quem se foi. “Tanto no Direito quanto na Bioética, existe uma enorme consideração à
autonomia do indivíduo. Mas, morto não tem vontade. E de quem é o corpo? O
corpo é da família e a lei respeita a autonomia dos familiares. Se o corpo
fosse do Estado, caberia à lei presumir a doação.”
O vice-coordenador da OPO (Organização para Procura de Órgãos), Edvaldo Leal,
concorda que a legislação atende aos requerimentos éticos populares. “A doação
depende do consentimento da família, mas é raríssimo alguém ir contra a vontade
do falecido. No nosso país, respeitar o desejo de quem morreu é algo que as
pessoas levam muito a sério, mesmo que contrarie as convicções próprias.”
Conforme disse Leal, é rara uma decisão diferente da vontade do falecido. Mas
pode acontecer, como é o caso de Janaína Ronaneli. Ela e o marido já se
declaram doadores, mas esbarram na posição da sogra. “Ela tem um apego muito
grande ao filho e não iria permitir que mexessem no corpo dele”, conta Janaína,
supondo uma situação de tragédia. “E eu acataria a decisão dela para não ter um
clima ruim depois. Com certeza ela ficaria muito mal. E estou sendo muito
imparcial, porque se eu fosse levar em conta a minha profissão [enfermeira],
pensaria na importância de doar os órgãos ao invés de deixar que se decomponham
enterrados.”
Como os casos de morte cerebral são abruptos e inesperados, é comum a família
ter dificuldades em decidir. Nesses casos, a orientação geral dos profissionais
da saúde é para os parentes pensarem qual era a vontade do falecido. Portanto, é
também muito útil deixar claro para a sua família se é doador ou não-doador.
“Nós dizemos que a família precisa chegar a um consenso após a tragédia. Se, de
cinco irmãos, quatro decidem doar os órgãos do pai morto, mas um não concorda,
o HC respeita a posição desse um. A explicação é que procuramos evitar
problemas posteriores na família, como troca de acusações, culpa pela morte e
outros conflitos”, afirma Leonardo Borges, coordenador da OPO no HC. |