texto: Daniel Fassa
Fotos: Francisco Emolo e Cecília Bastos

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© Francisco Emolpo
“A pressa é uma entre as milhares de coisas que podem conduzir ao estresse. Estresse é só qualquer situação que impõe uma demanda extraordinária ao organismo. E essa demanda pode ser física ou psicológica.” Márcio Bernik, coordenador do Laboratório de Ansiedade da Faculdade de Medicina da USP.

 

© Cecília Bastos
“Hoje, por causa da urgência, tudo está efêmero, descartável. As duas áreas mais comprometidas por causa disso são a reflexão e o afeto. Isso tem um impacto sobre as pessoas.” Sigmar Malvezzi, professor do Instituto de Psicologia da USP.

 

 

© Francisco Emolo
“A gente só consegue refletir quando já está em crise. Já estou tão acostumada com essa rotina que, se eu parar, sinto falta.” Adoralina Rodrigues Bruno, funcionária do Núcleo de Estudos da Violência da USP.

 

 

 

 

 

 

© Francisco Emolo
“É necessária muita autodisciplina para arrumar tempo. Nos períodos de defesa de tese, entrega de relatórios, provas, a gente acaba erroneamente abrindo mão disso para resolver problemas.” Mercedes Grijalba, pesquisadora do Departamento de Bioquímica do IQ.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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“Normalmente sou uma pessoa apressada, mas estou tentando arrumar mais tempo para cuidar do corpo, da mente e da família.” Leandro Maza, funcionário do laboratório do Departamento de Parasitologia do ICB.

Se você é adepto da expressão “tempo é dinheiro”, está sempre com pressa e acha que apreciar a natureza ou bater um papo com os amigos é perda de tempo, cuidado: seu comportamento pode trazer prejuízos a sua vida social e, até mesmo, a sua saúde. É essa a constatação de pesquisa desenvolvida por Marilda Lipp, PhD. em Psicologia pela George Washington University e pós-doutora em Stress Social pelo National Institute of Health.

A partir de um padrão de comportamento identificado pelos cardiologistas americanos Friedman e Rosenman, a psicóloga realizou estudos no Laboratório de Estudos Psicofisiológicos do Stress da PUC-Campinas e sugeriu a expressão síndrome da pressa para designar a conduta de pessoas muito apressadas. No entanto, como os próprios americanos fizeram questão de ressaltar, não se trata de uma patologia clínica. Márcio Bernik, coordenador do Laboratório de Ansiedade da Faculdade de Medicina da USP, corrobora essa visão: “Os determinantes para você ter mais pressa são sociais. Eu não diria que é uma doença, é uma patologia social. Quem está doente é a sociedade e não o indivíduo”.

De fato, na atualidade, a relação do homem com o tempo mudou muito, tornando-se cada vez mais atribulada. Sigmar Malvezzi, professor do Instituto de Psicologia da USP, atribui essa mudança ao advento da tecnologia da informação que, segundo ele, gerou uma compressão do tempo e do espaço. “Por causa dessa tecnologia, eu ampliei as minhas possibilidades. Eu não só atuo onde meus olhos e meus braços alcançam, mas também onde eu não vejo”, explica. Além disso, para o psicólogo, a competitividade exacerbada leva as pessoas a administrarem metas cada vez mais apertadas: “Você precisa mostrar que faz em meia hora o que todo mundo faz em uma, porque o ganho de tempo dá um lucro enorme”.

Os efeitos sociais de tal quadro são visíveis. Em primeiro lugar, Malvezzi aponta a criação de uma sociedade muito dependente de sensações imediatas, citando como exemplo as superproduções cinematográficas que, a cada sete minutos, geram impressões profundas, de perder o fôlego. Essa necessidade acaba se estendendo também aos relacionamentos. “O outro não vale pela sua capacidade de interagir, mas pela possibilidade de produzir sensações em você. Então , tudo virou efêmero, curto. Relacionamentos efêmeros não criam afeto e deixam o indivíduo no vazio, numa situação de constante sede”, afirma o psicólogo.

Outra conseqüência bastante grave da vida apressada é a falta de tempo para a reflexão sobre os próprios passos, anseios e decisões. Adoralina Rodrigues Bruno, funcionária do Núcleo de Estudos da Violência da USP, afirma que, assim como muitas pessoas, vive com pressa. O trabalho de oito horas por dia, somado com as atribuições de mãe e dona-de-casa, deixa pouco ou nenhum tempo livre para que ela cuide da própria saúde, faça os cursos que gostaria de fazer e, até mesmo, dialogue com o marido: “A gente só consegue refletir quando já está em crise. Já estou tão acostumada com essa rotina que, se eu parar, sinto falta”.

Da mesma forma, Evenilce Correa, secretária do Departamento de Engenharia Química da USP de Lorena, diz que tem “rodinhas nos pés”. “Sou dona-de-casa, tenho filho adolescente. Na hora do almoço faço serviço bancário e cozinho.” Por isso, Evenilce encontrou na dança uma maneira de quebrar o ritmo agitado e extravasar. Já a pesquisadora do Departamento de Bioquímica do Instituto de Química da USP, Mercedes Grijalba, também procura reservar algumas horas para dedicar-se a si própria, praticando esportes, por exemplo. “É necessária muita autodisciplina para arrumar tempo. Nos períodos de defesa de tese, entrega de relatórios, provas, a gente acaba erroneamente abrindo mão disso para resolver problemas”, lamenta.

O estresse e a saúde

A sobrecarga imposta em função dos muitos afazeres e da pressa gera estresse e, por isso, também pode afetar a saúde das pessoas. Márcio Bernik explica que “o corpo reage a qualquer estímulo como se fosse dar em briga. Ele não diferencia, do ponto de vista de resposta, o estresse emocional do estresse físico. O principal problema é que essas reações são intensas e úteis para o organismo no curto prazo, mas não visam nem ao conforto nem ao bem-estar”.

Os três principais hormônios liberados em situações estressantes são: a noradrenalina, que faz o coração bater mais rápido, tira o sangue da pele e guarda para órgãos mais nobres, dá mais força de contração muscular e gera mais atenção; o cortisol, que mobiliza açúcar e gordura, disponibilizando mais energia; e o hormônio antidiurético, que, em caso de sangramento, retém mais líquido no corpo. Bernik ressalva que a exposição eventual ao estresse não faz mal ao organismo. Os maiores danos são causados por situações extremas, como seqüestro, tortura e violência sexual, ou pela exposição ao estresse repetido, que pode conduzir a desarranjos, em função dos mecanismos de adaptação do corpo humano. Dessa forma, uma das conseqüências do estresse crônico é o aumento do risco de infecções, porque o cortisol diminui a imunidade no longo prazo, embora a aumente de imediato.

Além disso, o psiquiatra afirma que os indivíduos lidam com o estresse de maneira muito diferente uns dos outros. “Episódios recorrentes de depressão, hipertensão ou gastrite, por exemplo, não são causados pelo estresse, essas doenças têm outras causas, a maioria delas, genética. O estresse tem um papel ou no agravamento, ou no desencadeamento, ou, pelo menos, em não deixar a pessoa melhorar”, esclarece. É o que aconteceu com Flávia Bacarin, funcionária da Prefeitura do Campus da USP de Pirassununga. Sua pressa exagerada já chegou a contribuir para que ela tivesse pressão alta. “No início eu era muito apavorada. Hoje, faço as coisas com calma, não sou The Flash”, brinca.

Mudança de atitude

São muitas as sugestões para aqueles que não se sentem confortáveis com a vida agitada e estressante. Em sua pesquisa, Marilda Lipp propõe uma mudança de postura, e recomenda que o indivíduo se auto-avalie, compreenda seus limites, faça amizades, gaste tempo em atividades não-profissionais, cultive alguma tradição, mito ou ritual, levante mais cedo, almoce com calma, organize sua escrivaninha, delegue tarefas, entre outras coisas. De certa forma, é isso o que vem procurando fazer Leandro Maza, funcionário do laboratório do Departamento de Parasitologia do ICB: “Normalmente sou uma pessoa apressada, mas estou tentando arrumar mais tempo para cuidar do corpo, da mente e da família”.

Para o professor Sigmar Malvezzi, é essencial que o indivíduo tome consciência de si mesmo, busque sempre a reflexão crítica e não se deixe conduzir apenas pelas estimulações do meio em que vive. “Quando a pessoa reage a algum estímulo que não analisou criticamente, está negando condições fundamentais que ela tem como indivíduo, que são a reflexão, a afetividade e o livre-arbítrio”, conclui.

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