texto: Edmilson Luchesi, especial de São Carlos
Fotos: Edmilson Luchesi e reprodução

 

arte com imagens do arquivo pessoal de angelita e foto de Francisco Emolo

 

 

 

 

 

 

 

©: arquivo pessoal
Ricardo Bretani nasceu na Itália e veio para o Brasil com apenas um ano de idade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

©: arquivo pessoal
Em 1983, o Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer fundou uma filial no Brasil e convidou Brentani para ser o diretor, cargo que ele ocuparia até 2005

 

 

©: arquivo pessoal
"No Hospital do Câncer tenho um time espetacular, meus garotos, como eu chamo. Quando os levei para lá, eles tinham entre 30 e 35 anos. Hoje, vários deles são considerados os melhores do mundo nas suas especialidades"

 

 

 

©: arquivo pessoal
Bretani, sua esposa e netos.

 

©: Francisco Emolo
“Meu pai dizia que eu sou vagabundo. Para ele, trabalho é só o que aborrece. O que você gosta é hobby. Meu hobby é meu trabalho.”


Mais que ter qualidade e ser internacionalmente competitiva, qualquer pesquisa tem que servir como um instrumento para formar pessoas. Essa é a opinião do cientista Ricardo Renzo Brentani, que a ela fez jus no decorrer de toda a sua carreira. Do ingresso na Faculdade de Medicina (FM) da USP à presidência do Conselho Técnico-Administrativo da Fapesp, passando pela direção do Hospital do Câncer e do Instituto Ludwig, o professor fez grandes descobertas e influenciou a formação de muitos jovens cientistas hoje renomados.

Brentani nasceu aos 21 de julho de 1937, em Trieste, na Itália. Filho de Segismundo e Gerda Brentani, veio para o Brasil com apenas um ano de idade. Em São Paulo, deu início a uma vida de estudos que seria longa. Fez o primário na Escola Britânica e o ginásio e o científico (antigo ensino médio) no Instituto Mackenzie. Embora o pai fosse um empresário e a mãe uma artista-plástica de certo renome, resolveu enveredar para a ciência. “Eu sou a ovelha negra da família. Sempre quis ser médico, desde garoto”, relembra.

O ingresso no curso de Medicina da USP aconteceu em 1957, quando já pôde ter o seu primeiro contato com a pesquisa. “Não tinha muita coisa para calouro fazer na faculdade, então eu fui xeretar como era o laboratório e me apaixonei.” Naquele mesmo ano, Brentani já estava trabalhando com Isaías Raw, ex-diretor do Instituto Butantan, que na época era seu professor.

Com o término da faculdade, partiu direto para o doutorado, também orientado por Raw. Brentani conta como isso aconteceu: “Um dia ele [Isaías Raw] entrou no laboratório e falou: Brentani, eu acho que esse negócio aí dá uma tese, pode escrever”. Ele devia ter razão, porque minha tese foi publicada na Nature [renomada revista de divulgação científica]”.

A tese teve essa grande projeção porque trazia um dado inédito no meio científico. “Minha tese era sobre uma função do nucléolo que ninguém acreditava que pudesse existir. Ficou provado que o nucléolo processa RNA-mensageiro. Hoje, todo mundo sabe que é assim mesmo”, explica o autor. Pouco depois da publicação de seu doutorado, Brentani tornou-se o primeiro professor de oncologia (especialidade que estuda os tumores malignos) do Brasil, obtendo o título de professor livre-docente pelo Departamento de Bioquímica da FM/USP.

Em 1983, o Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer fundou uma filial no Brasil e convidou Brentani para ser o diretor, cargo que ele ocuparia até 2005. Lá, o cientista pôde exercer com ainda mais vigor sua missão de formar pessoas. “Trouxe muitos para trabalhar comigo e distribuí em várias áreas. Uma delas, a Luisa Villa, fez um trabalho de embasamento da vacina contra o HPV e hoje ela é reconhecida internacionalmente por isso.” Segundo Brentani, que participou do projeto, em duas décadas, essa vacina vai eliminar 5% dos tumores humanos.

Outro trabalho importante desenvolvido no instituto, em conjunto com José Daniel Lopes, professor da Escola Paulista de Medicina, foi o que mostrou, pela primeira vez no mundo, que bactérias invasivas usam o mesmo mecanismo que células cancerosas para invadir o corpo humano. A pesquisa foi publicada pela revista científica Science e teve um impacto muito grande.

Brentani também é diretor presidente do Hospital do Câncer de São Paulo. “No Hospital do Câncer tenho um time espetacular, meus garotos, como eu chamo. Quando os levei para lá, eles tinham entre 30 e 35 anos. Hoje, vários deles são considerados os melhores do mundo nas suas especialidades”, celebra. O professor faz questão de ressaltar que, em função de seu corpo clínico extremamente competente e do desenvolvimento incessante de pesquisas, o hospital acabou se diferenciando com uma alta na qualidade do atendimento médico.

Sobre as perspectivas de cura para o câncer, Brentani é bastante confiante: “O que nós estamos buscando são maneiras de melhorar diagnóstico e prognóstico, usando ferramentas de biologia molecular, de forma a saber se o tumor de tal paciente vai ou não responder a tal tratamento. Acho que a tendência da medicina é ser cada vez mais customizada, mais personalizada. E nós temos condições para isso. Já descobrimos a causa de 75% dos tumores. Porque não vamos descobrir a causa do resto?”

Brentani casou-se cedo. Mais exatamente, no mês de abril do quinto ano de sua faculdade. Foi no ambiente universitário que conheceu Maria Mitzi, quando ela, que era química, foi trabalhar no laboratório. “Assim que a vi, eu falei – preciso me casar com essa moça”, conta. Hoje, o casal tem quatro filhos e dez netos. O médico explica que nunca deixou de jantar em casa: “Minha vida inteira trabalhei em horário comercial. Entrava um pouco mais cedo, não às 8h, e saía um pouco mais tarde, não às 17h. Já levei filho em circo, jogo de futebol, parque de diversões, tudo o que tem direito eu fiz. E não me arrependo. Acho que se você se organiza, oito horas de trabalho rendem pra burro”.

Muitos prêmios e condecorações têm coroado a carreira profissional de Brentani. Para citar apenas os mais recentes, em novembro de 2006, ele recebeu a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico do Presidente da República do Brasil. Em junho deste ano, o cientista foi um dos ganhadores do Prêmio FCW de Ciência e Cultura 2006, na categoria Medicina, concedido pela Fundação Conrado Wessel.

O Conselho Técnico-Administrativo da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo tem Brentani como seu atual diretor-presidente. Sua função, como ele mesmo a define, é avaliar se os projetos respeitaram os princípios da boa prática, a fim de assegurar ao usuário que o processo é o mais justo possível. “A pesquisa científica no Brasil tem crescido muito. Já é de longe a maior na América Latina e a perspectiva é crescer mais”, afirma.

Brentani gosta muito de levar seus netos ao cinema. Se pudesse, os levaria também ao circo. Só não o faz porque seus netos são “modernos” e não gostam de circo. Mas diz que não tem hobby. “Meu pai dizia que eu sou vagabundo. Para ele, trabalho é só o que aborrece. O que você gosta é hobby. Meu hobby é meu trabalho.”

 

 


 
 
 
 
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