Ricardo Bretani nasceu na Itália e veio para o Brasil com apenas
um ano de idade.
Em 1983, o Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer fundou
uma filial no Brasil e convidou Brentani para ser o diretor, cargo que
ele ocuparia até 2005
"No Hospital do Câncer tenho um time espetacular, meus garotos, como
eu chamo. Quando os levei para lá, eles tinham entre 30 e 35 anos. Hoje,
vários deles são considerados os melhores do mundo nas suas especialidades"
Bretani, sua esposa e netos.
“Meu pai dizia que eu sou vagabundo. Para ele, trabalho é só o
que aborrece. O que você gosta é hobby. Meu hobby é meu trabalho.”
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Mais que ter qualidade
e ser internacionalmente competitiva, qualquer pesquisa
tem que servir como um instrumento para formar pessoas.
Essa é a opinião do cientista Ricardo
Renzo Brentani, que a ela fez jus no decorrer de
toda a sua carreira. Do ingresso na Faculdade de
Medicina (FM) da USP à presidência do
Conselho Técnico-Administrativo da Fapesp,
passando pela direção do Hospital do
Câncer e do Instituto Ludwig, o professor fez
grandes descobertas e influenciou a formação
de muitos jovens cientistas hoje renomados.
Brentani nasceu aos 21 de julho de 1937, em Trieste,
na Itália. Filho de Segismundo e Gerda Brentani,
veio para o Brasil com apenas um ano de idade. Em São
Paulo, deu início a uma vida de estudos que
seria longa. Fez o primário na Escola Britânica
e o ginásio e o científico (antigo ensino
médio) no Instituto Mackenzie. Embora o pai
fosse um empresário e a mãe uma artista-plástica
de certo renome, resolveu enveredar para a ciência. “Eu
sou a ovelha negra da família. Sempre quis ser
médico, desde garoto”, relembra.
O ingresso no curso de Medicina da USP aconteceu em
1957, quando já pôde ter o seu primeiro
contato com a pesquisa. “Não tinha muita coisa
para calouro fazer na faculdade, então eu fui
xeretar como era o laboratório e me apaixonei.” Naquele
mesmo ano, Brentani já estava trabalhando com
Isaías Raw, ex-diretor do Instituto Butantan,
que na época era seu professor.
Com o término da faculdade, partiu direto para
o doutorado, também orientado por Raw. Brentani
conta como isso aconteceu: “Um dia ele [Isaías
Raw] entrou no laboratório e falou: Brentani,
eu acho que esse negócio aí dá uma
tese, pode escrever”. Ele devia ter razão, porque
minha tese foi publicada na Nature [renomada
revista de divulgação científica]”.
A tese teve essa grande projeção porque
trazia um dado inédito no meio científico. “Minha
tese era sobre uma função do nucléolo
que ninguém acreditava que pudesse existir.
Ficou provado que o nucléolo processa RNA-mensageiro.
Hoje, todo mundo sabe que é assim mesmo”, explica
o autor. Pouco depois da publicação de
seu doutorado, Brentani tornou-se o primeiro professor
de oncologia (especialidade que estuda os tumores malignos)
do Brasil, obtendo o título de professor livre-docente
pelo Departamento de Bioquímica da FM/USP.
Em 1983, o Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer
fundou uma filial no Brasil e convidou Brentani para
ser o diretor, cargo que ele ocuparia até 2005.
Lá, o cientista pôde exercer com ainda
mais vigor sua missão de formar pessoas. “Trouxe
muitos para trabalhar comigo e distribuí em
várias áreas. Uma delas, a Luisa Villa,
fez um trabalho de embasamento da vacina contra o HPV e
hoje ela é reconhecida internacionalmente por
isso.” Segundo Brentani, que participou do projeto,
em duas décadas, essa vacina vai eliminar 5%
dos tumores humanos.
Outro trabalho importante desenvolvido no instituto,
em conjunto com José Daniel Lopes, professor
da Escola Paulista de Medicina, foi o que mostrou,
pela primeira vez no mundo, que bactérias invasivas
usam o mesmo mecanismo que células cancerosas
para invadir o corpo humano. A pesquisa foi publicada
pela revista científica Science e
teve um impacto muito grande.
Brentani também é diretor presidente
do Hospital do Câncer de São Paulo. “No
Hospital do Câncer tenho um time espetacular,
meus garotos, como eu chamo. Quando os levei para lá,
eles tinham entre 30 e 35 anos. Hoje, vários
deles são considerados os melhores do mundo
nas suas especialidades”, celebra. O professor faz
questão de ressaltar que, em função
de seu corpo clínico extremamente competente
e do desenvolvimento incessante de pesquisas, o hospital
acabou se diferenciando com uma alta na qualidade do
atendimento médico.
Sobre as perspectivas de cura para o câncer,
Brentani é bastante confiante: “O que nós
estamos buscando são maneiras de melhorar diagnóstico
e prognóstico, usando ferramentas de biologia
molecular, de forma a saber se o tumor de tal paciente
vai ou não responder a tal tratamento. Acho
que a tendência da medicina é ser cada
vez mais customizada, mais personalizada. E nós
temos condições para isso. Já descobrimos
a causa de 75% dos tumores. Porque não vamos
descobrir a causa do resto?”
Brentani casou-se cedo. Mais exatamente, no mês
de abril do quinto ano de sua faculdade. Foi no ambiente
universitário que conheceu Maria Mitzi, quando
ela, que era química, foi trabalhar no laboratório. “Assim
que a vi, eu falei – preciso me casar com essa moça”,
conta. Hoje, o casal tem quatro filhos e dez netos.
O médico explica que nunca deixou de jantar
em casa: “Minha vida inteira trabalhei em horário
comercial. Entrava um pouco mais cedo, não às
8h, e saía um pouco mais tarde, não às
17h. Já levei filho em circo, jogo de futebol,
parque de diversões, tudo o que tem direito
eu fiz. E não me arrependo. Acho que se você se
organiza, oito horas de trabalho rendem pra burro”.
Muitos prêmios e condecorações
têm coroado a carreira profissional de Brentani.
Para citar apenas os mais recentes, em novembro de
2006, ele recebeu a Grã-Cruz da Ordem Nacional
do Mérito Científico do Presidente da
República do Brasil. Em junho deste ano, o cientista
foi um dos ganhadores do Prêmio FCW de Ciência
e Cultura 2006, na categoria Medicina, concedido pela
Fundação Conrado Wessel.
O Conselho Técnico-Administrativo da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo tem Brentani como seu atual diretor-presidente.
Sua função, como ele mesmo a define, é avaliar
se os projetos respeitaram os princípios da
boa prática, a fim de assegurar ao usuário
que o processo é o mais justo possível. “A
pesquisa científica no Brasil tem crescido muito.
Já é de longe a maior na América
Latina e a perspectiva é crescer mais”, afirma.
Brentani gosta muito de levar seus netos ao cinema.
Se pudesse, os levaria também ao circo. Só não
o faz porque seus netos são “modernos” e não
gostam de circo. Mas diz que não tem hobby. “Meu
pai dizia que eu sou vagabundo. Para ele, trabalho é só o
que aborrece. O que você gosta é hobby.
Meu hobby é meu trabalho.” |