Por Circe Bonatelli
fotos por Jorge Maruta, Francisco Emolo e Cecília Bastos

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© Francisco Emolo
Alexandre Vieira gosta da proposta do Partido Pirata. “Eu votaria neles. Baixar música é como trocar os LPs antigos com os amigos e os gravar em fita cassete.”

© Cecília Bastos
A funcionária da Poli Elizabeh Maciel acha um exagero. “Não concordo com isso porque tem os direitos do artista."



Baixar conteúdo da internet é crime ou uma tendência?

Segundo estimativas da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI, sigla em inglês), o número de músicas baixadas sem licença na internet ultrapassou a casa do 1 bilhão em 2006 no Brasil. Paralelamente, o mercado das gravadoras diminuiu pela metade as vendas de CDs e DVDs nos últimos seis anos. Nessa farra de downloads livres, a chamada “pirataria moderna” divide empresas de produtos culturais, afetadas pela queda nas vendas, e os internautas, interessados na liberdade de acesso não só à música, mas também ao vídeo, software e informação.

Fazer o download de um arquivo sem licença não é crime quando a utilização for exclusivamente para uso pessoal. No Código Penal Brasileiro, a lei 9.610/98 considera ilegal a disponibilização de conteúdo sem autorização e o download para fins comerciais.

Na Suécia, onde o acesso rápido à internet é tão comum quanto a bicicleta para os chineses, já existe um forte movimento político pela legalização total dos downloads. O grupo denominado Partido Pirata defende a livre circulação de conteúdo na internet sem a necessidade dos direitos autorais. Na disputa das últimas eleições, o partido angariou uma expressiva votação, mas acabou não sendo o bastante para chegar ao parlamento sueco. Por outro lado, disseminou sua ideologia por seguidores em diversos países.

O funcionário da ECA, Alexandre Vieira, gosta da proposta do Partido Pirata. “Eu votaria neles. Baixar música é como trocar os LPs antigos com os amigos e os gravar em fita cassete.” Já a funcionária da Poli Elizabeh Maciel acha um exagero. “Não concordo com isso porque tem os direitos do artista. E eu não baixo arquivos da internet porque nunca se sabe se vem um vírus junto.”

Para conter esse possível avanço dos downloads, a IFPI iniciou campanhas alertando sobre a ilegalidade da distribuição de conteúdo sem permissão, e colocou no banco dos réus os internautas que fazem isso. A campanha começou pelo Brasil e aproveitou para processar 20 brasileiros que ofertavam entre 3 e 5 mil músicas em sites.

“Não é porque temos uma forma avançada de comunicação, que vamos bajular a internet como se tudo contido nela fosse um avanço. Temos que ter cuidado com a banalização e liquidação da figura do autor”, ressalva Eduardo Bittar, professor da Faculdade de Direito da USP e estudioso do direito autoral. “Em breve vai ser necessária a revisão da lei 9.610 para verificar a possível flexibilização das formas de concessão entre autor, concessionárias e públicos.”

© Francisco Emolo
“Não é porque temos uma forma avançada de comunicação, que vamos bajular a internet como se tudo contido nela fosse um avanço.” Eduardo Bittar

© Jorge Maruta
“O ilegal está funcionando como um ponto de entrada para depois as pessoas adquirirem conteúdo legal. É um mercado que ainda está sendo criado” Fernando Scavone



Nó e tendências

As iniciativas que conseguem desatar o nó do paradigma legalidade x ilegalidade sobre os downloads na rede ainda são restritas, mas crescentes. Um exemplo é o aumento das vendas de MP3 em sites oficiais como IMúsica, Terra Sonora e UOL Megastore. Esses sites são inspirados no Itunes Music Store, inaugurado pela Apple em 2001. Cada faixa é vendida por preços que variam entre R$ 0,99 e R$ 3,00. A música digital movimentou US$ 1,1 bilhão em 2005, contra US$ 380 milhões em 2004 e anima as gravadoras.

No campo dos programas, segue o movimento pelo software livre, que oferece ao usuário liberdades especiais como código fonte aberto (possibilidade de ajustar o programa às necessidades específicas) e sinal verde para distribuição entre colegas ou no trabalho.

Válido para som, imagem, vídeo, texto e projetos, o Creative Commons está ganhando popularidade. Trata-se de uma licença internacional obtida espontaneamente pelo autor, liberando a cópia, distribuição e exibição de sua obra mediante o respeito a direitos como crédito autoral e uso sem fins lucrativos. O ministro da Cultura Gilberto Gil adotou a licença para seu disco Oslodum, e o deputado federal Fernando Gabeira fez o mesmo para o livro Navegação na Neblina.

“O ilegal está funcionando como um ponto de entrada para depois as pessoas adquirirem conteúdo legal. É um mercado que ainda está sendo criado,” aponta Fernando Scavone, professor do Departamento de Rádio e TV da Escola de Comunicações e Artes da USP. “Mas a tendência é uma guerra de gato e rato. As empresas vão tentar bloquear o acesso para fazer as pessoas comprarem legalmente, mas a outra distribuição vai continuar existindo. Isso vai continuar por um longo tempo.”

O professor de direito Eduardo Bittar também não vê uma solução prática: “A tendência é tentar a voluntária adesão do autor a uma legalização branda, com controle do próprio autor sobre o uso de sua obra em um ambiente de expansão e democratização do conhecimento. Ainda assim, pela necessidade de desenvolver uma forma de controle técnico não totalitário que ainda não temos, me parece que iniciativas como Creative Commons e Software Livre ainda vão continuar com um caráter muito restrito, muito limitado,” conclui.

 
 
 
 
 
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