por Daniel Fassa
fotos: Cecília Bastos, Francisco Emolo e divulgação

 


© Cecília Bastos
“Essa é uma história que tem dois protagonistas. O ouro e o Aleijadinho. É por causa do ouro que se cria toda essa civilização, que tinha um número de músicos superior a Portugal, poetas, artífices. É por causa dessa civilização de densidade cultural extraordinária que surge uma figura como o Aleijadinho”.Fábio Magalhães.

 

© Gustavo Ferri
Barras fundidas de ouro – 1811, 1815, 1818, 1813.

© Cecília Bastos
Feito por artesãos mineiros especialmente para a exposição, o grande tapete de serragem colorida encontrado logo na entrada do CCBB faz alusão à tradicional decoração das ruas das cidades nas festividades religiosas.


Recorde de público no Rio e em Brasília, exposição chega a São Paulo para contar a história de um gênio e seu tempo

Quem for ao Centro Cultural Banco do Brasil até 14 de outubro vai fazer uma verdadeira viagem à Vila Rica do século 18. Do subsolo ao terceiro andar do edifício, a exposição “Aleijadinho e seu tempo – fé, engenho e arte” contextualiza todo o ambiente socioeconômico e cultural que permitiu o surgimento do maior artista do continente americano na pequena cidade mineira, hoje chamada Ouro Preto. A mostra já foi vista por quase 1 milhão de pessoas no Rio de Janeiro e 180 mil em Brasília, batendo os recordes de público nas duas capitais.

Durante a montagem da edição de São Paulo, que estreou no dia 28 de julho, o curador da exposição Fábio Magalhães recebeu a revista Espaço Aberto no CCBB e deu dicas que podem tornar a visita ainda mais enriquecedora. “Essa é uma história que tem dois protagonistas. O ouro e o Aleijadinho. É por causa do ouro que se cria toda essa civilização, que tinha um número de músicos superior a Portugal, além de poetas, artífices. É por causa dessa civilização de densidade cultural extraordinária que surge uma figura como o Aleijadinho”, explica o museólogo. As enormes jazidas do metal nobre foram descobertas pelos bandeirantes em 1699 e esgotadas em cerca de 80 anos. Durante esse período, se produziu na região de Vila Rica mais ouro do que durante dois séculos no mundo inteiro.

Não por acaso, a pujança econômica da época encontra-se retratada no subsolo do CCBB, que já abrigou um cofre do Banco do Brasil. Lá estão expostos lingotes e moedas de ouro, além de peças ligadas à cunhagem de moedas no século 18 em Minas Gerais. No mesmo ambiente, podem ser estabelecidos os primeiros contatos com a arte barroca, predominante no período. Oratórios de autoria anônima, feitos sob encomenda para famílias de Vila Rica, representam a idéia da religião privada, vivida também dentro de casa. Ex-votos (pequenos quadros), também de autoria desconhecida, trazem uma representação popular da religiosidade, com cenas do cotidiano, e permitem ao observador conhecer o vestuário e o mobiliário da época, por exemplo. Ainda no subsolo, uma rica coleção de mapas mostra desde o Estado de Minas Gerais até uma planta da cidade de Vila Rica. “Essa é uma das exposições mais ricas de mapas que já se fizeram sobre a região de Minas Gerais”, afirma Magalhães.

Apesar da rapidez com que ocorreu o nascimento, apogeu e declínio da rica sociedade mineira do século 18, muitos resquícios dessa época permanecem até hoje. Entre eles estão a religiosidade muito forte e as obras de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Isso pode ser constatado logo no saguão de entrada do CCBB. No chão, um grande tapete de serragem colorida reproduzindo o Espírito Santo faz alusão à tradicional decoração das ruas das cidades nas festividades religiosas. A obra foi feita por artesãos mineiros especialmente para a exposição. Ao fundo do salão, réplicas em miniaturas (31 cm de altura) de uma das obras-primas de Aleijadinho: os 12 Profetas, conjunto de doze esculturas que se encontra na Igreja de Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas do Campo (MG). As originais são mostradas em fotos de grandes dimensões. Segundo Magalhães, a obra é avaliada como um dos conjuntos escultóricos barrocos mais importantes do mundo.

 


© Marcel Gautherot
Igreja Bom Jesus de Matosinhos (1942-44), onde se encontram os 12 Profetas, um dos conjuntos escultóricos barrocos mais importantes do mundo.

© Francisco Emolo
O professor da FAU Carlos Lemos escreveu um artigo sobre a Igreja de São Francisco de Assis: “A igreja tem todos os estilemas do barroco, com soluções próprias do Aleijadinho. A ornamentação com relevo em pedra sabão é uma característica só dele. Trata-se de uma versão circunstancial”.

© Denise Andrade
Atribuída a Aleijadinho, a obra Cristo da Ressurreição causa discussões em torno de sua autoria até hoje.

© Denise Andrade
Nossa Senhora das Dores, legítima obra de Aleijadinho.

© Denise Andrade
Espírito Santo, de Aleijadinho.


Uma outra obra que coloca Aleijadinho em posição de destaque no cenário mundial também está representada na exposição, mais especificamente no primeiro andar. Trata-se da Igreja de São Francisco de Assis, localizada em Ouro Preto , que conta com uma maquete inédita da construção original. Aleijadinho foi o responsável pelo projeto arquitetônico e pela decoração da igreja, considerada um dos exemplos mais notáveis do barroco internacional.

© Alberto Samy
Igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto

Segundo Carlos Lemos, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e autor de um artigo sobre a igreja, na obra, Aleijadinho encontrou soluções personalistas, caminhando para o estilo rococó. “A igreja tem todos os estilemas do barroco, com soluções próprias do Aleijadinho. A ornamentação com relevo em pedra-sabão é uma característica só dele. Trata-se de uma versão circunstancial”, explica Lemos. Completam o primeiro andar fotos de Marc Ferrez, um ensaio fotográfico de Vila Rica e cidades do entorno realizado nos anos 50 por Marcel Gautherot, além de projeções de imagens das mais de 60 esculturas em cedro que compõem Os 7 Passos da Paixão de Cristo, localizadas no Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas do Campo.

O período Barroco e o trabalho de Aleijadinho em especial caracterizam-se pela ausência de documentos comprovando a autoria das obras. Por isso, não raro surgem polêmicas em torno de sua atribuição a esse ou àquele artista. Na sala Antônio Francisco Lisboa, no segundo andar do CCBB, estão expostas obras do mestre mineiro, entre as quais algumas cuja autoria é questionada. É o caso da escultura Cristo da Ressurreição. “Algumas atribuições são unanimidade. Em outras, há controvérsias. Essa é uma peça controversa. Tem elementos que são do Aleijadinho e outros que não são. Várias pessoas importantes nos anos 50 atribuíram a ele. Hoje, a maior especialista, Miriam Ribeiro, não atribui, definitivamente. Eu acho que é dele. Acho que essa é uma discussão interessante”, afirma Fábio Magalhães. Para além das polêmicas, entre entalhes, imagens de santos e relicários, encontram-se na sala obras-primas como a Nossa Senhora das Dores e o Espírito Santo.

A fim de fazer uma contextualização completa, antecessores, contemporâneos e sucessores de Aleijadinho também têm seu espaço na exposição. Assim, no terceiro andar, podem ser vistas obras de Francisco Xavier de Brito, mestre de uma geração anterior e influenciador de Aleijadinho; Francisco Vieira Servas, concorrente do artista; e Mestre Piranga, que sucedeu o mestre do barroco mineiro. “A Maria Madalena, do Xavier de Brito, é de um dramatismo extraordinário. O planejamento, o lenço na mão, a torção do corpo são uma maravilha”, ressalta o curador.

Maurício Monteiro elaborou a trilha sonora que pode ser ouvida em alguns ambientes da exposição: “Procurei fazer uma relação das composições brasileiras da época com os antecedentes, as influências européias, desde o canto gregoriano até a música napolitana”.

Alguns ambientes contam com trilha sonora especialmente selecionada pelo musicólogo Maurício Monteiro, membro pesquisador e debatedor na École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris. “Procurei fazer uma relação das composições brasileiras da época com os antecedentes, as influências européias, desde o canto gregoriano até a música napolitana”, ilustra Monteiro, que define a música brasileira do período como pré-clássica. Fixadas nas paredes azuis da exposição, que distanciam e remetem ao céu – lembrando a espiritualidade marcante da sociedade mineira – encontram-se poesias do Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles, que ajudam a contar a história dessa sociedade de ouro, literalmente.

Serviço:

“Aleijadinho e seu tempo – fé, engenho e arte”
Local: Centro Cultural Banco do Brasil
Endereço: Rua Álvares Penteado, 112, Centro – São Paulo
Horários: de terça a domingo, das 10h às 21h
Fone: 3113-3651/ 3113-3652
Data: até 14 de outubro
Site: http://www.bb.com.br/cultura

 

 
 
 
 
 
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