por Circe Bonatelli
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© Cecília Bastos
“Sou um atleta paraolímpico, tenho exclusividade com o esporte”, avisa Alex Alves, que se dedica seis horas diárias aos treinos. Tudo isso é para reconquistar sua vaga na Seleção Brasileira de Basquete Sobre Rodas.

 


Reabilitação pelo esporte transforma deficientes físicos em campeões

Por trás das histórias de superação vistas no Parapan-Americano, um mesmo caminho trilhado assemelha os bastidores de vários atletas: a terapia esportiva. Essa é uma vertente da medicina que usa a atividade física, com supervisão médica, para o tratamento de pessoas com algum tipo de deficiência física ou em processo de reabilitação.

Foi assim que Alex Alves, 32 anos, chegou ao nível de atleta paraolímpico. Como jogador de basquete em cadeira de rodas, ele já esteve nos Jogos Parapan-Americanos de Winnipeg (Canadá) e Santo Domingo (República Dominicana), e nas Paraolimpíadas de Atenas (Grécia).

Sem nenhum movimento das pernas, mas muito bem-humorado, ele se autodefine um “felizardo” de bala perdida. Por esse motivo, procurou a Divisão de Medicina de Reabilitação (DMR/HC) da USP, braço do Hospital das Clínicas na Vila Mariana, São Paulo, onde passou por um programa de condicionamento físico para reaprender a se virar das tarefas diárias. E foi lá também que acabou descobrindo uma nova opção profissional: o basquete sobre cadeira de rodas.

“Vi que existiam competições sérias e até uma seleção brasileira. Isso me estimulou a treinar”, recorda Alves. “E desde que comecei a praticar esporte, minha cabeça ficou diferente, muito mais positiva. Você volta a pensar em trabalho, em estudos, se preocupa em ter a vida de novo. A cadeira se torna um detalhe, como se fosse calçar o tênis antes de sair”, conta, sem demonstrar um pingo de remorso por não poder andar.

O atleta joga na equipe da AEDREHC (Associação para Educação, Esporte, Cultura e Profissionalização da Divisão de Reabilitação do Hospital das Clínicas). Essa é a primeira associação esportiva brasileira que se vinculou a um hospital-escola.

Através de uma parceria entre a DMR/HC e o banco Nossa Caixa é possível garantir a estrutura profissional exigida pelo esporte de alto desempenho.

O patrocínio do banco paga o salário de quase vinte atletas (entre R$ 400,00 e R$ 1.500,00 por mês), material esportivo (uma cadeira de rodas especial custa R$ 2.000,00 e dura em média oito meses) e despesas com viagens para jogos.

© Cecília Bastos
“Para eles, o basquete é uma opção profissional. Tem atleta que conheceu o mundo em jogos nos Estados Unidos, Grécia e Japão. Já ouvi até um dizer: ‘Poxa, depois que vim para a cadeira, minha vida melhorou’.” Quem conta é a treinadora do time, Maria José dos Santos.“A exigência forte é muito positiva. Até se justifica mais com eles. Se deixar a coisa solta, vai transmitir falta de credibilidade,” afirma a técnica do time, Maria José dos Santos.

 

 

 

 

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“O esporte é algo muito querido no Brasil. E essa aceitação faz bem aos jogadores, que se sentem bem no núcleo familiar e de amigos, melhorando a qualidade de vida”, observa Linamara Battistella, diretora do DMR/HC.

 

 

 

 


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Arnaldo Hernandez, especialista em medicina dos esportes, recomenda: “Atividade física e terapia esportiva são as maiores ferramentas de medicina preventiva que existem”

 

Já a DMR/HC cede a quadra onde acontecem os treinos e oferece acompanhamento clínico. Os profissionais da casa, entre eles médicos, odontologistas, psicólogos e assistentes sociais, dedicam algumas horas fora do expediente para atendimento voluntário aos atletas.

“No princípio, a proposta da Divisão de Medicina de Reabilitação era utilizar a terapia esportiva para dar aos pacientes condições de alcançar um bom desempenho funcional e exercitar outros valores, como a auto confiança e a superação de limites”, explica a diretora executiva da DMR Linamara Battistella, que acompanha o programa há 15 anos.

Mas as atividades físicas e a recreação precisaram evoluir para os praticantes não perderem o estímulo de crescimento. Dessa passagem é que surgiram as competições e as oportunidades de alguns pacientes se profissionalizarem”, completa.

O desfecho é um time competitivo, que já conquistou vários títulos, entre eles três Campeonatos Paulistas e uma Copa do Brasil de basquete sobre rodas. A deficiência nas pernas, porém, não é motivo para ninguém pegar leve.

“O alto rendimento é isso mesmo. Se não tiver cobrança, o atleta se acomoda e pára de evoluir. Se hoje somos reconhecidos como atletas, a cobrança não incomoda, não pode atrapalhar, porque já é esperado, é normal”, constata Marcos Cândido, o Marquinhos, que também treina na AEDREHC e tem passagens na seleção brasileira e Parapan-Americanos anteriores.

Seu companheiro de equipe, Walter da Silva Jr., compartilha a mesma opinião. “Quando comecei, não sabia nem bater a bola. A cobrança é algo bom, porque você assume um compromisso e busca superar sempre as outras equipes”, diz.

Para a diretora da Divisão de Medicina de Reabilitação, “a cobrança só seria errada se fizesse mal ao indivíduo. É preciso um cuidado especial em garantir que a capacidade funcional do cadeirante não vai ficar comprometida. Uma lesão de braço, por exemplo, provocaria vários impeditivos. Por isso ele precisa estar bem treinado”, explica Linamara.

Para atletas e para não-atletas

A utilização da terapia esportiva não se restringe ao grupo dos atletas ou dos praticantes que buscam a profissionalização. “Mais importante ainda é a atividade física para a população como um todo, prevenindo problemas de saúde como obesidade, diabetes e doenças cardiorrespiratórias”, garante o fisiatra Arnaldo Hernandez, chefe do grupo de terapia esportiva do Hospital das Clínicas, e presidente da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte.

No complexo das Clínicas, bairro de Pinheiros, o Instituto de Ortopedia e Traumatologia atende crianças, adultos e jovens com paralisia cerebral. Esta é um tipo de lesão cerebral que afeta o desenvolvimento ortopédico, mas só em alguns casos interfere na sua capacidade mental. No centro hospitalar, os pacientes recebem atendimento médico multiprofissional com atividades físicas e recreativas que promovem o convívio social, ganho físico e fortalecimento psicológico.

“Não existe limitação pelo tipo de incapacidade ou pela faixa etária. A qualquer momento da vida é possível começar a atividade física, desde que se faça um programa adequado para o nível de condição naquele momento”, arremata Hernandez.

 

 
 
 
 
 
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