por Circe Bonatelli
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"Sempre deixamos uma margem pequena de reservas. Aí, quando aparece um acidente ou coisa assim, ficamos no prejuízo." Brígida Marcondes, IME

 

 


"Não precisa de um computador para anotar as despesas da casa e montar um planejamento. Lápis e papel já bastam." Professor Alexsandro Broedel, FEA


85% das famílias sofrem com problemas financeiros

Como eu tô? Vou indo. Com essa crise... Todo mundo está apertando o cinto. Sabe quanto gastei com a farmácia? Não dá nem pra ficar doente mais. Agora fico só em casa. Sair significa gastar. Parei de comer fora. No domingo, comprei um frango na padaria mesmo. Ah, tá bom. Vai ser assim até sair do sufoco. Este ano nem se fala em ir para a praia. Vamos passar o Natal no interior com os meus pais. Você sabe quantos pedágios têm até lá? Um absurdo!

Agora, a continuação traduzida em números: segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 85,3% das famílias não conseguem pagar todas as despesas com o que recebem. De uma população com 180 milhões de brasileiros, 150 milhões vivem em lares endividados. O principal motivo do constante e perturbador tempo ruim é a ausência de um planejamento financeiro.

Os dados foram levantados através da POF, Pesquisa de Orçamento Familiar, realizada entre 2002 e 2003. De acordo com a pesquisa, o desastre orçamentário ocorre, principalmente, em famílias com renda inferior a R$ 3 mil.

Nas casas que sobrevivem com um orçamento de até R$ 400 mensais, gasta-se, em média, R$ 454,70. Ou seja, precisam lidar com contas 13,5% maiores que os próprios recursos.

Em famílias com rendimento mensal na faixa entre R$ 2 e R$ 3 mil, o dispêndio geral foi fixado em R$ 2.450. Já os mais ricos, que ultrapassam ganhos de R$ 6 mil, apresentam gastos na ordem dos R$ 8,7 mil.

"Eu acho que a dívida é um problema da humanidade", palpita Brígida Marcondes, funcionária do IME (Instituto de Matemática e Estatística da USP). "Conversando com as pessoas, dá para perceber que a situação está ruim para todo o mundo. Na minha opinião, falta um planejamento a respeito das contas da casa. E, também, as pessoas têm o costume de estender a mão onde não alcançam," conclui Brígida.

"A questão principal sobre o orçamento é que não existe um orçamento", pontua o professor Alexsandro Broedel, do Departamento de Contabilidade da FEA (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade). "As pessoas não têm o menor controle sobre as despesas, e só é possível poupar, investir ou livrar-se das dívidas se você conhecer bem os próprios gastos."

Na visão da funcionária Irene Lopes, do Instituto de Física, hoje em dia existe um grande dilema. "Como é possível economizar e ter qualidade de vida? Para relaxar, correm gastos com boa alimentação, passeios e academia, por exemplo. E quando precisamos cortar despesas, são essas as primeiras coisas que saem do nosso dia-a-dia. Então, fica difícil viver bem", pondera.

O professor Broedel, no entanto, é incisivo: "Concordo que é difícil argumentar. Mas não vejo como ter qualidade de vida pagando juros altíssimos com empréstimos. A regra de maior importância é a organização. Depois de se safar das contas, é possível voltar a ter uma vida normal".

 

 

 

 


Dilema: ou se vive bem, ou se aperta o cinto. "Passei a comprar roupa no shopping a cada três meses. Antes, tinha pizza em casa todo final de semana. Agora, só de vez em quando." Irene Lopes, Instituto de Física

 

Os 7 Pecados Financeiros

1. Carpe diem: "Colha o dia. Amanhã ele poderá ser um fruto podre". Certamente esta filosofia dos poetas árcades não considerava: "Quanto vou gastar? Quanto quero economizar? O que vou adquirir este ano?". O planejamento evita surpresas e decepções.

2. Despesas ocultas: Se o salário acaba antes do mês, é preciso saber o que deu errado. Para isso, liste as despesas fixas (luz, água, aluguel, condomínio, transporte, assistência médica, alimentação, etc.) e preste atenção nos gastos extras como impostos, remédios, matrículas ou barzinho.

3. Sem plano B: Ninguém espera bater o carro, passar por um divórcio ou ser despedido, mas é justamente assim que as pessoas se endividam. No livro Investimentos, o ex-professor da FEA Mauro Halfeld ensina que famílias devem ter uma reserva em caso de emergências. Se houver risco de perder o emprego, por exemplo, o ideal é ter uma poupança com o equivalente a seis meses de gastos mensais, de forma a cobrir uma longa temporada sem rendimentos.

4. Juros? Que juros? Pagar as contas atrasadas é um mau negócio: atrasos na prestação de financiamentos e em outras despesas fixas geralmente implicam em multas na faixa dos 2%. Cheque especial salta para 9%.

5. No banco: um correntista médio gasta pelo menos R$ 250,00 por ano com taxas bancárias. A dica é evitar ter conta corrente em mais de um banco, fazendo-o apenas se for realmente necessário.

6. Gastar o que não recebeu: acontece principalmente com filhos prestes a receber heranças, comerciantes que aguardam pagamento dos carnês e trabalhadores às vésperas do décimo terceiro, gratificações ou férias. Em algumas situações, contudo, esses recursos acabam não sendo recebidos, ou ficam abaixo do previsto, fazendo com que seja preciso levantar dívidas para arcar com os gastos antecipados.

7. Comprar muito é doença: A maioria das pessoas chega aos excessos por prazer ou descuido. No entanto, estima-se que 3% da população sofra de oniomania, um transtorno de personalidade responsável pelo desejo compulsivo de adquirir coisas novas o tempo todo. Para cuidar desses casos, existe até um grupo, os Devedores Anônimos, que atendem em São Paulo, Rio de Janeiro, Londrina e Fortaleza. Veja reportagem completa sobre oniomania.

 
 
 
 
 
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