por Daniel Fassa
Fotos por Francisco Emolo


 

 

 



Ivano Gutz, quando criança, no colo do bisavô Carl, imigrante alemão. Do seu lado direito, o pai, Rolf e, do esquerdo, o avô Heinrich

 

 

 

 

 

 


Além da ciência, Gutz também cultivava a música na adolescência. Na foto, ele aparece no centro, com sua banda Os Bolas, ao lado de Vera Fisher

 

 

 

 

 

 

 


Gutz, em pé, com os braços cruzados, e seus colegas de graduação no Instituto de Química da Unesp de Araraquara, em 1972

 

 

 

 

 


A esposa, Mirian, e o filho, Erik, no Instituto de Química da USP

 

 

 

 

 

 

 


A família Gutz reunida na Alemanha, em 1986, durante o pós-doutorado de Ivano.

 


Ivano Gutz, o professor que nasceu para ensinar e fazer experimentos

Há crianças que gostam de jogar bola, brincar de carrinho, andar de bicicleta. Ivano era diferente. Ele gostava mesmo é de fazer experimentos. Na sétima série, já participava de feiras de ciências da escola. Junto dos amigos do colegial, formou até um clube de construtores de foguetes. Tubos metálicos tirados de bombas de encher pneus de bicicleta serviam como corpo do “ônibus espacial”. Os combustíveis? Os garotos desenvolviam com a combinação de substâncias que só os apaixonados por química conhecem. Algumas décadas depois, Ivano continua realizando experimentos, agora nos laboratórios do Instituto de Química da USP. Em 2007, ele foi condecorado com a Ordem Nacional do Mérito Científico por suas contribuições à ciência.

Ivano Gebhardt Rolf Gutz iniciou sua história de amor à ciência em Blumenau (Santa Catarina), cidade onde nasceu em 1951. Fez o primário em uma das boas escolas públicas da época. “Até lembro que a professora do terceiro ano primário dizia que, com a letra que eu tinha, eu jamais chegaria ao colegial”, recorda-se. No científico, atual ensino médio, teve aulas com Alfredo Medeiros, hoje professor da UFRJ, com quem passava uma tarde inteira por semana no laboratório de química. “Por sorte eu encontrei amigos que também gostavam de fazer experimentos e os professores estimulavam. Nós formamos um clubinho, um grupo que construía foguetes. Experimentávamos diversos tipos de pólvoras de fabricação própria. Certa vez fui atingido por uma explosão e ainda guardo as cicatrizes dos estilhaços metálicos, removidos cirurgicamente”, conta Gutz, que sempre gostou de ver a química na prática.

Oportunidades de matar sua curiosidade não faltaram. O garoto tinha trânsito livre na metalúrgica do pai e na Teka, empresa de fiação e tecelagem conhecida pelas toalhas. "Eu mexia nas chapas de aço, punha nos fornos, fazia chave de fenda, faca, essas coisas. Na Teka eles me deixavam olhar os processos e fazer minhas anotações, dar meus palpites." E foi justamente nessas visitas que Gutz começou a descobrir sua vocação também para o ensino. Aos 17 anos, a convite de um dos gerentes da Teka, ele começou a dar aulas de Tecnologia dos Processos para os aprendizes. "Era legal porque eu ia lá, visitava cada setor, procurava entender, fazia uma apostilinha e depois ensinava para os meninos. Desde então, gosto do ensino também."

Terminado o segundo grau, Gutz partiu para a faculdade. Como o curso de Química era incipiente em Blumenau, completou o bacharelado em Araraquara, no atual Instituto de Química da Unesp. Lá, como ainda não havia pós-graduação, os pesquisadores trabalhavam com os graduandos, o que aumentava as chances de Gutz colocar as mãos na massa desde cedo, como preferia. Para o doutorado, o jovem cientista mudou-se para São Paulo e ingressou no Instituto de Química da USP, onde desenvolveria toda a sua carreira acadêmica.

Nessa fase, já casado, viveu algumas aventuras: "Na parte experimental da minha tese, eu dependia de um equipamento de outro grupo, que só me deixavam usar à noite, nos fins de semana e feriados. Então minha esposa vinha comigo, trazia livros, crochê e sanduíches e a gente morava aqui nos fins de semana". Com a chegada dos filhos, não podia ser diferente. "A gente vinha muitas vezes à USP para fazer piquenique. Eles andavam de bicicleta, o campus era aberto, e sempre dava para dar uma fugidinha, entrar um pouquinho no laboratório, botar algumas coisas em dia e depois retornar para casa", relembra Gutz, que, entre 1986 e 1987, fez pós-doutorado em Química Analítica Ambiental na Alemanha e, em 1992, tornou-se professor titular da USP.

A preferência pela química prática e por novas descobertas diferencia Gutz de boa parte da comunidade científica atual, que supervaloriza o número de publicações. Para ele, a criatividade e o envolvimento dos estudantes são mais importantes que o número de artigos publicados. “Nos EUA, há a tendência de se cultivar mais a produção científica do que outros aspectos. O risco está em o aluno passar a ser uma engrenagem dentro de um sistema. É um modelo que vem sendo incentivado também no Brasil. Eu não quero dizer que seja errado, mas penso diferente. Acho que a formação deve estar entre as prioridades”, opina o professor. Por outro lado, na ânsia de fazer coisas novas, muitas pesquisas do seu grupo só ficaram registradas em teses e anais de congressos, o que, segundo ele, “não deixa de ser uma falha”.

Despertar o interesse pela química em estudantes do ensino médio não é tarefa fácil. Gutz acredita que o contato com a prática, hoje raro nas escolas públicas, permite quebrar as barreiras dos adolescentes. Por isso, todos os anos, ele coordena uma equipe de 40 docentes na organização da Olimpíada Paulista de Química, que é uma forma de mostrar a química de maneira mais interessante. A primeira fase da competição consiste na elaboração de uma redação sobre um tema determinado, o que exige pesquisa. Na segunda, os selecionados vêm à USP, presenciam alguns experimentos e respondem a questões sobre eles. De quebra, depois do almoço, enquanto aguardam a premiação, ouvem palestras e visitam laboratórios.

Em função de seu pós-doutorado na área ambiental, Gutz já deu diversas contribuições em fóruns sobre desenvolvimento sustentável. Por exemplo, coordenou a comissão da USP que redigiu um documento de propostas para a ECO-92, conferência internacional da ONU realizada no Rio de Janeiro objetivando buscar meios de conciliar o desenvolvimento socioeconômico com a conservação e proteção dos ecossistemas da Terra. “Era algo equivalente à Declaração Universal dos Direitos Humanos, só que voltado para o meio ambiente. Havia docentes e pesquisadores de diversas unidades da USP envolvidos”, relata.

No início da década 90, Gutz desenvolveu um software chamado CurTiPot que simula experimentos químicos de laboratório. “Os livros são estáticos e é interessante a pessoa poder simular o que está acontecendo quando você reage ácidos com bases, que é uma coisa que a gente já começa a aprender no ensino médio”, ressalta. Com o advento do sistema operacional Windows, o professor aperfeiçoou o programa e o traduziu para o inglês. Distribuído gratuitamente pela internet, hoje ele é utilizado por estudantes e profissionais de diversas partes do mundo.

“O dia é curto. Os dias são muito curtos. A gente gostaria que os dias fossem mais longos”, afirma Gutz, com propriedade. Para além das atividades de ensino, orientação e pesquisa, ele ainda ocupa a chefia do Departamento de Química Fundamental pela segunda gestão consecutiva. Resultado: média de 12 horas por dia de trabalho. Mas o professor ainda arruma tempo para caminhar com a esposa pela manhã, folhear o jornal no intervalo do almoço e ouvir música clássica à noite, enquanto coloca os e-mails em dia ou corrige alguns artigos. Em sua sala, caixas de som e alguns bons CDs não poderiam faltar.

“Tenho um colega no Cena (Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Esalq/USP) que diz que, se necessário fosse, ele pagaria para poder continuar trabalhando. Penso da mesma forma. Esse contato diário com coisas novas, com os alunos, a troca de idéias com colegas e até mesmo um pouco de administração e burocracia eu faço com satisfação”, finaliza o professor.

 


 

 


 
 
 
 
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