por Talita Abrantes
Fotos por Cecília Bastos e Francisco Emolo

arte sobre foto de Cecília Bastos

 

Foto crédito: Cecília Bastos
“No trabalho a capacidade afetiva apenas é valorizada quando for usada para a produtividade”, opina Yvette Piha Lehman, especialista em relações do trabalho do Instituto de Psicologia


Com rotinas de trabalho cada vez mais impessoais e atarefadas, como resgatar a afetividade durante o expediente?

Na mesa, uma pilha de tarefas. No relógio, o tiquetaque ensurdecedor que denuncia o fim do prazo. Na cabeça, o medo de perder o emprego. Nas ações, o ritmo frenético de quem participa de uma competição. Por todos os lados inúmeras pressões para ser o melhor. Vida pessoal? Afetividade? Nem pensar. O que importa é a meta da empresa. O que vale é o sucesso profissional.

O tom apocalíptico pode ser exagerado, contudo, de acordo com a especialista em relações de trabalho, professora Yvette Piha Lehman, do Instituto de Psicologia, tal rotina e pensamento estão cada vez mais presentes na vida dos trabalhadores. "O uso das novas tecnologias e a crescente terceirização da produção têm diminuído os espaços de socialização dentro das empresas", observa. Os negócios são fechados por telefone, o trabalho enviado por e-mail. Vistas apenas funcionalmente, as pessoas tornam-se cada vez mais impessoais.

Por outro lado, as empresas têm investido pesado em programas motivacionais que estimulam o trabalho em equipe. Contudo, "quando a empresa pensa em sentimento é em busca de maior produtividade", percebe Yvette. Desta forma, segundo a professora, os indivíduos apenas se unem em favor de um objetivo. Feito isso, o grupo se desfaz e as relações se tornam passageiras e superficiais.


Foto crédito: Francisco Emolo
De acordo com o psiquiatra Gilberto Massaro, as relações pessoais foram contaminadas pelo espírito capitalista

 

Foto crédito: divulgação
Escolhida como a funcionária mais solidária do Centrinho de Bauru, Suzana Teixeira Alves diz não medir esforços para ajudar os outros


O psiquiatra Gilberto Massaro analisa que este também tem sido o tom das relações no universo afetivo fora do ambiente de trabalho. "O mundo na superfície dá importância para o afeto, mas que já vem padronizado dentro de uma vendagem específica", analisa. Da mesma forma, no mercado de trabalho as pessoas estão mais preocupadas em montar sua rede de contatos do que em criar verdadeiras relações de amizade.

Suzana Teixeira Alves, auxiliar odontológica do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da USP de Bauru, o Centrinho, parece fugir deste modelo. Eleita recentemente em concurso interno como a funcionária mais solidária do hospital, Suzana revela preocupar-se com o bem-estar de todos aqueles que estão ao seu redor. "Sempre me coloco à disposição dos meus colegas e pacientes quando eles estão passando por problemas", conta. Para ela, o horário de expediente não implica apenas em trabalho, mas também em convivência. "Estou com outras pessoas que me ajudam a ser alguém melhor", afirma.

A funcionária do Centro de Informática do campus Luiz de Queiroz (Esalq) de Piracicaba Alice Dario tem experimentado o cuidado dos colegas de trabalho. Telefonista da USP por 23 anos, há pouco tempo Alice mudou de cargo e teve que aprender as tarefas da nova função. Segundo ela, a equipe foi bastante prestativa. Apesar de apenas ter tempo para conversar com os novos colegas durante o horário de almoço, a funcionária diz que é possível criar relações de amizade no emprego. "O pessoal aqui é muito bacana. Fui muito bem recebida", aponta.


Foto crédito: divulgação
Arlete Oliveira  Cavassan admite personificar o espírito de equipe em seu ambiente de trabalho.

 


A professora Yvette acredita que o segredo para uma boa convivência dentro do ambiente de trabalho é articular os interesses e objetivos grupais com os pessoais. A questão não é ficar esperando um ambiente acolhedor de braços cruzados ou se submeter passivamente a todas regras do jogo. A idéia é se dedicar ao ideal do grupo, mas sem perder de vista aquilo que você acredita de fato.

A cirurgiã-dentista Arlete Oliveira Cavassan, também do Centrinho, seguiu esta idéia quando ingressou na pós-graduação. Fechou seu consultório e decidiu dedicar mais tempo para a família. “Não podemos viver só de trabalho”, diz. Hoje, aparenta ser referência em seu emprego. “Às vezes dou uma de mãe mesmo. Até puxo a orelha quando necessário”, conta.

Segundo a proposta da professora Yvette, Arlete está certa. De acordo com a especialista, cada um pode contribuir para que o grupo mude. “Se ninguém oferece um biscoito, por exemplo, comece a oferecer o seu. Dê outro modelo para o grupo.”

 

 
 
 
 
 
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