por Talita Abrantes
Fotos por Cecília Bastos e Francisco Emolo

arte sobre foto de Cecília Bastos

Foto crédito: Cecília Bastos

 



Envelhecer também pode ser sinônimo de qualidade de vida

Recentemente, o consagrado arquiteto Oscar Niemeyer alcançou a marca dos 100 anos de idade e a data foi muito celebrada por toda a sociedade. Não era para menos. Niemeyer tem de terceira idade os anos que muita gente tem de vida. Para além de tudo o que já realizou durante sua carreira brilhante, o arquiteto viveu seus anos de “aposentadoria” da maneira mais ativa possível: escrevendo artigos, desenvolvendo projetos grandiosos ou casando-se novamente aos 98. Em um país em fase de envelhecimento populacional como o Brasil, Niemeyer vai tornando-se o símbolo de que é possível envelhecer com saúde e muita atividade.

Praticar exercícios físicos e atividades lúdicas, culturais, entre outras, é uma das melhores maneiras de viver bem a maturidade. Há 15 anos, o Programa Universidade Aberta à Terceira Idade, da USP, dá essa oportunidade a milhares de idosos. Em todos os campi da Universidade, as salas de aula e os centros de práticas esportivas abriram-se à participação de pessoas a partir de 60 anos.


 


Guilherme Krüger, de 74 anos, pratica exercícios físicos no programa USP Aberta À Terceira Idade: “A gente tem que fazer a máquina trabalhar”.

 

 

 


Bela fez cinco faculdades no decorrer da carreira. Depois de se aposentar, não quis saber de descanso. Já fez aulas de pintura e agora pratica esportes na USP.


Guilherme Krüger, de 74 anos, é uma delas. Ex-violinista da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal de São Paulo e advogado, ele não quis ficar parado depois da aposentadoria. Por isso, faz parte do programa de atividades físicas para a terceira idade do Centro de Práticas Esportivas (CepeUSP) do campus da capital. "A gente tem que fazer a máquina trabalhar. Você fica em casa, começa a ter dor aqui, dor ali. É uma conseqüência de estar parado. Sinto-me muito bem, faço todas as atividades, não me canso", revela.

Para a ex-professora Maria de Lourdes Neves, de 66 anos, não é diferente. Mais conhecida como Bela, ela fez cinco faculdades no decorrer de sua vida. Apesar de ter se aposentado cedo, quando tinha 47 anos, não saiu da ativa. "Eu gosto muito de pintura. Vim fazer escola de artes aqui no Museu de Arte Contemporânea logo que me aposentei", conta. A convite de uma amiga, Bela começou a praticar esportes. "É muito legal, eu gosto muito de educação física e gosto muito de água. Faço deep running. Faço bóia cross quando vou para o interior, sou uma velha para frente. Foi muito bom, porque eu andava com a pressão um pouco alterada, ajudou muito na saúde, na parte espiritual, na parte social, nós somos todas muito amigas, fazemos festa nas nossas casas, falamos muita besteira, coisas engraçadas."

No entanto, a maturidade traz consigo certas dificuldades físicas que exigem uma atenção especial, tanto da família, quanto do próprio Estado. Simples tarefas, antes realizadas com destreza e rapidez, transformam-se em verdadeiros desafios. A saúde fica mais frágil e exige cuidados diferenciados, demanda que nem sempre é atendida adequadamente. Esse é um dos objetos de estudo da pesquisa Sabe (Saúde, bem-estar e envelhecimento), realizada pela Organização Pan-Americana de Saúde em sete cidades espalhadas pela América Latina e Caribe.


 

Foto crédito: Francisco Emolo
A professora Yeda Duarte alerta que, com o acentuado envelhecimento populacional em curso no Brasil, os serviços de saúde pública têm que se adaptar às demandas especiais dos idosos.


Os países da região têm em comum o acentuado envelhecimento populacional, decorrente da redução da mortalidade infantil e do aumento da expectativa de vida. A pesquisa indica que a população de 60 anos ou mais terá, em média, dobrado pelo menos uma vez no período 1980-2025. “A população está envelhecendo mais rápido do que você consegue adotar políticas públicas adequadas para atendê-la. Envelhecer num país de primeiro mundo é diferente de envelhecer num país subdesenvolvido”, afirma Yeda Duarte, professora da Escola de Enfermagem e pesquisadora do Sabe em São Paulo. A docente ressalta que devido a doenças crônicas como hipertensão, artrose, reumatismo e diabetes, os idosos têm necessidades especiais que implicam numa adequação do sistema público de saúde.

Ela exemplifica: se um idoso vai ao posto de saúde com alguma queixa e o médico solicita um exame, não basta apenas marcar uma data de retorno. É necessário verificar como e onde ele vai fazer esse exame, se ele vai conseguir chegar ao local, entre outras coisas. A falta desse acompanhamento, muito comum no Brasil, somada às dificuldades de mobilidade e orientação próprias da idade, impede que o idoso dê andamento ao tratamento. Isso conduz ao agravamento do seu estado de saúde.

“A gente tem que mudar a maneira como olha. O resto é conseqüência. Não são grandes mudanças. É um prestar atenção. Se eu trabalho na unidade básica e atendo um grupo de idosos, sei que ele tem que fazer exames. Ele fez o exame? Por que não fez? O que faltou? Condução pública? Tem condução pública? O Atende [Serviço de Atendimento Especial, criado pela Prefeitura de São Paulo para transportar gratuitamente deficientes físicos de porta em porta] não pode levar esse idoso? Eu tenho que me mobilizar para isso”, opina Yeda.


 

Foto crédito: Cecília Bastos
A incorporação dos cuidadores no sistema público de saúde pode ser uma solução para os idosos que têm dificuldades para realizar atividades básicas do dia-a-dia

 

 

 

 

Foto crédito: Cecília Bastos
“A prática da atividade física muda realmente a condição da pessoa”. Ricardo Linares, professor de Educação Física do Centro de Práticas Esportivas da USP.


Para aqueles que, em decorrência das doenças, possuem maiores dificuldades, muitas vezes torna-se necessária a presença de uma outra pessoa para ajudar na execução das atividades diárias, como se alimentar, se locomover, tomar remédios, etc. Aqui entram os chamados cuidadores, ocupação criada exatamente para atender a essa demanda. Yeda defende que esse serviço seja incorporado pelo sistema público de saúde e vê perspectivas de que isso aconteça. Em São Paulo , há dois projetos piloto nesse sentido: o Anjos Urbanos e o Acompanhantes de Idosos. Na Escola de Enfermagem, a professora coordena um curso de formação de cuidadores.

Além do desenvolvimento de políticas públicas, pequenas mudanças de atitude tanto dos profissionais de saúde quanto dos familiares dos idosos já podem contribuir para melhorias consideráveis. "A primeira coisa que o profissional da saúde tem que ter em mente, do meu ponto de vista, é que, quando ele atende uma pessoa idosa, ele precisa ter mais tempo. O idoso vai demorar mais tempo para entender a sua pergunta e elaborar uma resposta. A segunda coisa é que os idosos costumam apresentar respostas atípicas. Ele tem pneumonia sem febre, infecção urinária sem febre. Então ele age muito mais com mudança de comportamento", explica Yeda. Em casa, não deixar coisas no meio do caminho do idoso, manter os ambientes bem iluminados e instalar barras de segurança no banheiro, por exemplo, são medidas de grande valia.

Na melhoria da qualidade de vida dos idosos e na prevenção de doenças, as atividades físicas também são grandes aliadas. O professor de Educação Física Ricardo Linares, que acompanha as turmas da terceira idade da USP, reafirma a sua importância: "A prática da atividade física muda realmente a condição da pessoa. Às vezes as pessoas vêm para cá um pouco tímidas. Na medida em que elas vão se entrosando com o grupo, vão fazendo a atividade física, elas vão se descobrindo, descobrindo suas capacidades, que estão lá dormentes porque não são utilizadas".

 

 
 
 
 
 
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