por Daniel Fassa
fotos por Cecília Bastos

 

 

 

Foto crédito: Francisco Emolo
Para o psicólogo Rubens Maciel, a formação psicológica dos indivíduos influencia seu ingresso nas drogas e na criminalidade

 

 

Foto crédito: Cecília Bastos
“Todos os nossos estudos apontam que não há uma correlação direta entre pobreza e criminalidade.” Renato Alves, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP

 

 



Para especialistas, fragilidade psicológica, desigualdades e busca por status abrem as portas do mundo do crime

Culto, poliglota, conhecedor de obras de arte, filho de classe média alta. Esse é o perfil do mentor do recente furto de duas importantes obras do Museu de Arte de São Paulo. Volta e meia, jovens de origem socioeconômica semelhante aparecem na mídia acusados de cometer crimes tão graves quanto esse. Para especialistas, esse é um indício de que a criminalidade não está necessariamente vinculada à pobreza.

De acordo com pesquisa desenvolvida na Faculdade de Saúde Pública, independentemente da classe social, a formação psicológica dos indivíduos pode ser determinante no ingresso no mundo do crime. O autor da tese, Rubens Maciel, afirma que crianças educadas em meio à violência familiar, alcoolismo ou desequilíbrio emocional dos pais tornam-se mais propensas às drogas e à delinqüência.

“As condições de segurança e conforto material auxiliam um pouco para que os pais se sintam mais seguros, mais coesos internamente, a ponto de poderem oferecer àquela criança um alimento psicológico melhor. No entanto, isso não é o fator determinante. Você pode encontrar dentro das camadas mais pobres muitas crianças que se desenvolvem bem, que vão trabalhar, estudar”, explica o psicólogo.

Para Renato Alves, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, a violência tem mais a ver com as acentuadas desigualdades do que com a pobreza. “Todos os nossos estudos apontam que não há uma correlação direta entre pobreza e criminalidade. Parece que a violência está muito mais relacionada com uma distribuição desigual dos bens, não só bens capitais, mas bens culturais, bens simbólicos”, afirma.

 


Foto crédito: Cecília Bastos
Ao entrevistar moradores de duas comunidades carentes de São Paulo, Thaïs Branco constatou que muitos jovens ingressavam no mundo do crime buscando admiração, status, respeito


A psicóloga Thaïs Cardinale Branco segue na mesma direção. Ao entrevistar moradores de duas comunidades carentes de São Paulo para sua dissertação de mestrado, ela constatou que muitos jovens ingressavam no mundo do crime buscando conquistar admiração, status, respeito. Entre muitos deles, havia o sentimento comum de inferioridade, humilhação diante da sociedade. “No Brasil, o poder aquisitivo é muito valorizado. Os pobres são identificados como inferiores”, explica a psicóloga. Para Thaïs, esse sentimento se deve muito à falta de oportunidades e de acesso a serviços básicos que, não raro, acomete as regiões periféricas.

Nesse sentido, a comunidade uspiana vive uma experiência peculiar. Um muro separa a Universidade de uma favela de cerca de 12 mil habitantes, a São Remo. Por volta de 1995, devido à proximidade com a USP, muitas crianças e adolescentes freqüentavam o campus para pedir esmolas, vigiar carros, entre outras coisas. No entanto, devido a delitos cometidos por alguns menores e a morte acidental de um garoto na raia olímpica, ocorreu um acirramento das relações entre as duas comunidades. Nesse contexto, visando a restabelecer um bom relacionamento, surgiu, em 1997, o projeto Avizinhar.

Vinculado à Pró-Reitoria de Cultura e Extensão, o projeto buscou identificar o motivo da presença de tantas crianças da São Remo dentro da Universidade, conversar com suas famílias e encaminhá-las para atividades, de acordo com a necessidade. Beatriz Rocha, educadora do projeto, conta que a abordagem era sempre individualizada. “A gente tem essa proposta de trabalhar com histórias de vida. O que traz uma criança para a rua? Ela deveria estar num outro lugar. Não estando num lugar específico, que atenda a sua questão de desenvolvimento, ela vai para a rua.”


 

 

Foto crédito: Cecília Bastos
Educadora do projeto Avizinhar, Beatriz Rocha atua na conscientização das comunidades USP e São Remo


Diferentemente de outras favelas da cidade, a São Remo conta com a assistência de 17 ONGs, além do Hospital Universitário. Por isso, Beatriz acredita que o ingresso das crianças e adolescentes da comunidade na criminalidade não estava tão associado à carência de serviços básicos: “Nenhum deles morreria de fome se fosse para a escola, comesse a merenda e depois pudesse brincar, fazer outras coisas. É claro que existem outras mil carências que produzem essa saída de casa. Uma coisa que já é fato são as famílias mantidas e gerenciadas por mulheres, a ausência da figura masculina. Essas crianças ficavam a maior parte do dia sozinhas”.

Diante disso, o trabalho do Avizinhar foi encaminhar essas crianças para escolas e atividades extracurriculares. Quando o trabalho começou, cerca de 70 menores perambulavam pelo campus. Em 2005, quando terminou, apenas seis continuavam na mesma situação. Por outro lado, aumentou o número de crianças da São Remo que entram na Universidade para participar de atividades regulares, como o programa Esporte Talento, do Cepeusp.

As educadoras desenvolveram também um trabalho de orientação com a Guarda Universitária, os seguranças e porteiros da USP, prestando esclarecimentos sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, as formas de abordagem, etc. Foram realizadas, ainda, reuniões com os alunos nos Centros Acadêmicos. Este ano, o Avizinhar surge com uma nova roupagem. O projeto está sendo todo reestruturado e agora terá o nome de Aproximação. O trabalho será muito semelhante àquele iniciado em 1997. “Nossa proposta mesmo é a disseminação de uma postura, que pode ser transformadora de uma realidade”, conclui Beatriz.

 
 
 
 
 
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