por Talita Abrantes
fotos por Cecília Bastos

 



Dois em cada 20 brasileiros possuem traços de resiliência – capacidade para lidar com os problemas de maneira mais saudável. Saiba como desenvolver essa habilidade no seu cotidiano

Nas ciências exatas, a resiliência refere-se à capacidade de alguns materiais de voltar ao formato original mesmo após um período de forte pressão. "Se o objeto se quebrar significa que ele é pouco resiliente", aponta Elko Perissinotti, diretor do Núcleo Aberto de Resiliência do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. Certas pessoas apresentam aptidão semelhante. A ex-candidata à presidência da Colômbia, Ingrid Betancourt, parece se encaixar neste grupo.

Ninguém esperava o olhar sereno de Ingrid em 2 de julho quando foi libertada dos mais de seis anos em poder das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Apesar do longo período em cativeiro, pelo menos nas horas após o resgate, ela pouco se enquadrava na imagem de um ex-refém. "Pessoas resilientes conseguem não apenas superar as situações difíceis, mas sair melhor do que quando entraram", explica Ana Maria Rossi, diretora do International Stress Management Association no Brasil (ISMA). Sem se acorvadar, segundo Perissinotti, "elas enfrentam as circunstâncias da vida com menos ansiedade".

Flexibilidade, alto potencial de adaptação e auto controle são características marcantes nesses indivíduos. “Resiliência significa conhecimento do mundo e de si mesmo e, a partir disso, poder para mudar aquilo que é conhecido”, explica o psiquiatra. Nessa linha, eles nunca perdem um olhar otimista sobre a vida. Contudo, isso não significa que tais pessoas sejam resignadas ou complacentes. Ao contrário, a “resiliência implica um enfrentamento ativo, racional e ponderado”, aponta o psiquiatra. “Não tem nada a ver com um indivíduo inocente, abobalhado, sem senso crítico.”

 

 

 

Foto crédito: Cecília Bastos
“Resiliência significa conhecimento do mundo e de si mesmo e, a partir disso, poder para mudar aquilo que é conhecido”, explica Elko Perissinotti, diretor do Núcleo Aberto de Resiliência do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas

 

 


A chefe da seção de Limpeza Pública da Prefeitura do campus de Pirassununga, Lucia de Fátima Ramos, parece se enquadrar nesse perfil. De falar manso, ela admite sempre buscar a razão dos problemas para então partir para a solução. “A vida não é feita só de coisas boas”, observa. “Então, cair no desespero? Nem pensar.” Com tanta paciência, a funcionária conta que não há dificuldade que ela não consiga superar. “Aprendi isso com meu pai. Ele era muito observador. Mas, quando abria a boca, era certeiro.”

E aí está outro traço apontado pelo psiquiatra. Para indivíduos resilientes “não tem essa de deixar obras paradas no meio do caminho”, afirma Perissinotti. Criativas e decididas, elas são auto-eficazes, ou em outras palavras, sempre cumprem atividades benéficas para a própria existência. Como resultado disso, essas pessoas são absolutamente empáticas – têm a capacidade de projetar-se no outro, entendê-lo e assim manter relacionamentos mais saudáveis.

Após cerca de dez anos separada do marido, Rute Barbosa Ribeiro, auxiliar de serviços gerais também da Prefeitura do campus de Pirassununga, parece ter desenvolvido essa característica. “Revi meus conceitos, aprendi a perdoar e a relevar algumas coisas”, conta com um ar de felicidade. “Tanto que há 20 anos assumi meu marido com seus prós e contras.”

Nesse contexto, Ana Maria, do Isma, cita amor-próprio e objetivos de vida definidos como atributos indispensáveis para pessoas resilientes. Em estudo coordenado por ela, foi constatado que 97% desses indivíduos possuem elevada auto-estima e 88% deles têm metas muito bem definidas para o seu futuro.

No entanto, das 1.365 pessoas que participaram da pesquisa, apenas 227 apresentavam características relacionadas à resiliência. O que significa a baixa proporção de dois resilientes para cada 20 brasileiros. Para a pesquisadora, este número quase inexpressivo pode estar ligado aos altos índices de estresse na população. De acordo com outro estudo do instituto, cerca de 70% dos brasileiros são estressados (teste seu nível de estresse no site do ISMA).

 

 

 

Foto crédito: divulgação
Segundo Ana Maria Rossi, diretora do International Stress Management Association no Brasil (ISMA), precisamos assumir posturas resilientes em nosso cotidiano


Perissinotti, por sua vez, atribui essa falta de resiliência como uma das conseqüências da cultura educacional do Brasil. Em um contexto de educação familiar e escolar bastante deficiente, o psiquiatra pondera que os indivíduos não encontram terreno para desenvolver as próprias habilidades.
Sem desenvolver seu potencial e sem ser induzido ao auto conhecimento, as pessoas param de assumir as próprias responsabilidades. “A culpa sempre é vista como do outro”, exemplifica Perissinotti. Nesse ponto, a pesquisadora do Isma observa que a resiliência precisa ser treinada em nosso cotidiano. “As pessoas precisam tentar assumir posturas mais resilientes, se conscientizar de seu nível de estresse e fazer técnicas de relaxamento”, aconselha.

A partir de agosto, Perissinotti irá focar parte do trabalho do núcleo que coordena no Ipq no apoio a pessoas que queiram se tornar mais resilientes. Uma vez por semana, para dois grupos de dez pessoas, o psiquiatra ensinará técnicas baseadas na terapia cognitiva comportamental e no recurso de treinamento de papéis do psicodrama. Em uma das atividades, por exemplo, os participantes irão representar situações conflituosas do cotidiano, trocar de papéis e, depois, analisar em grupo as posturas adotadas.

A idéia é cutucar as pessoas para que elas busquem melhor qualidade de vida, ou nas palavras de Perissinotti, “a felicidade naquilo que é possível de ser alcançada por cada um”. O psiquiatra aconselha que precisamos aprender a suportar nossas próprias verdades, nossas mentiras, as diferenças interpessoais e as frustrações. Pois, apesar da “felicidade plena ser inatingível, isso não deve desanimar ninguém, pois cada um tem potencial único para isso”, analisa.

Serviço
Núcleo Aberto de Resiliência
Fone: (11) 3069-6980

 

 


 
 
 
 
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