Por Talita Abrantes
Fotos por Francisco Emolo

 


Fotos: Francisco Emolo

 

 

 



Aos 74 anos, Chico de Oliveira coleciona causos de uma vida que se confunde com a trajetória nacional

Sociólogo e Professor Emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Francisco Maria Cavalcanti de Oliveira, mais conhecido como Chico de Oliveira, acompanhou de camarote os principais fatos da política contemporânea nacional. Trabalhou na Sudene ao lado de Celso Furtado, participou do Cebrap, assistiu ativamente à ascensão do PT no cenário nacional e ajudou a fundar o PSOL. Por isso, Oliveira abriu as portas da sua casa para a Revista Espaço Aberto com um aviso: "Contar toda minha trajetória leva umas três horas, afinal já estou com 74 anos".

Por ironia da vida (já que em destino ele prefere não acreditar), Chico de Oliveira nasceu em Recife no dia 7 de novembro de 1933, exatamente dezesseis anos depois de o partido bolchevique implementar o governo socialista soviético na Rússia. Apesar da coincidência, ele assegura que política nunca foi um tema recorrente dentro do âmbito familiar durante sua infância e adolescência. "Havia uma distância muito grande entre pais e filhos. E como esse era um assunto externo ao lar, não era tratado", explica.

Sexto filho de uma família de 11 irmãos, Oliveira diz ter vivido a infância em uma casa bastante festeira. "Quase todo mês tínhamos um aniversário para comemorar, além das festas regionais de São João, carnaval e Natal", lembra. "Foi uma infância de muito futebol, sujeira dos pés a cabeça, mangueira no quintal, para subir e tirar manga madura. Foi ótimo." 

Sem um motivo realmente claro, quando chegou ao atual ensino médio, em 1945, Oliveira decidiu seguir seus estudos no chamado ensino clássico que abrigava matérias com forte cunho da área de humanas. Foi aí que os assuntos políticos e sociais começaram a entrar na vida do sociólogo. “De repente, eu estava na sede da União dos Estudantes Secundaristas de Pernambuco pulando do primeiro andar, porque a polícia havia invadido o prédio”, conta.

Leitor dos jornais da região, com o tempo foi tomando gosto por temas mais voltados para a sociedade. “Com isso, você vai, para uns, se pervertendo, mas para outros, encontrando o caminho”, admite. “Acabei confundindo tudo, e decidi fazer Ciências Sociais.” Para horror de sua mãe Joventina que planejava para ele primeiro a carreira de padre, depois a ambiciosa entrada no Banco do Brasil. “Essa era a glória para alguém de classe média, sem posses, sem patrimônio, mas razoavelmente instruído”, conta entre risos.

Foto: Francisco Emolo

 

 

Foto: Francisco Emolo

 


Depois de servir um ano no Exército, o sociólogo ingressou na então Universidade do Recife, hoje Universidade Federal de Pernambuco, em 1953. Nesse ano, Oliveira se filiou ao Partido Socialista que, na época, segundo ele, se caracterizava por ser um grupo mais à esquerda, mas sem muita ideologia. “Decidir pelo socialismo foi o maior presente da minha vida, mas, de fato, sem futuro”, admite.

No entanto, assim que terminou a graduação e mudou-se para Fortaleza em 1956, o sociólogo afastou-se da militância partidária. “Comecei a trabalhar no Banco do Nordeste e estava muito enfronhado com minha nova ocupação”, afirma. “Eu acreditava que ia salvar o mundo através de planejamento, estas bobagens.” Além de mudar de cidade e utilizar pela primeira vez seu canudo, como ele mesmo diz, nesse ano Oliveira se casou com sua primeira esposa Maria Orieta, falecida em 1976. Com ela teve cinco de seus oito filhos.

Em 1957, fez um curso na Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), onde ele considera ter aprendido mais do que em todos os anos de faculdade. Dois anos depois, em 1959, Oliveira ingressou na Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Lá trabalhou até 1964 ao lado do economista Celso Furtado, “um personagem importante da minha vida”, assegura. “Ele nem era muito amável, o contrário do brasileiro comum que quer agradar a todo mundo. Era até muito austero, mas um homem público impecável de fio a pavio”.

Apesar de admitir que estava a “léguas de distância” da capacidade e atuação do economista, Oliveira diz que o curso de Sociologia o fez compreender em qual lado estava quando os militares davam seus primeiros passos rumo à implantação da ditadura militar. “Entendi o que é que devia fazer, e fiz. Tanto que eles acharam que eu era mais perigoso do que realmente era”, afirma. Com isso, em 1964, passou 60 dias preso.

No ano seguinte, o professor tornou-se assessor da Organização das Nações Unidas na Guatemala. Em 1966, mudou-se para o México para lecionar no Centro de Estudos Monetários Latino Americanos. Oliveira voltou para o Brasil e começou a trabalhar com planejamento privado no ano em que o Ato Institucional número 5 (AI-5) foi implementado, 1968. “Ganhei muito dinheiro, mas era horrível”, conta.

 

 




Convidado a trabalhar no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) na década de 70, a vida de Oliveira novamente mudou de rumo. Lá se dedicou a dirigir a Revista Novos Estudos Cebrap. No entanto, o governo militar desconfiava do ajuntamento de intelectuais. “Para eles, o centro era um biombo atrás do qual se escondiam atividades políticas. O que não era verdade”, pontua. Em 1974, segundo o sociólogo, todos funcionários do Cebrap foram chamados a depor na Operação Bandeirantes. “Fomos obrigados a colocar capuz e fazer declarações de que éramos bons moços”, ironiza.

Meses depois, foi a vez do Departamento Estadual de Ordem Política e Social (Dops) enquadrar Oliveira. “Eles procuravam pêlo em ovo. Identificaram-me como membro de um grupo sei lá qual, e me prenderam”, narra. “Aí torturaram para valer. Passei pelo pau-de-arara, fios ligados nos dedos, cadeira do dragão. Quando você tem 40 anos ainda dá para agüentar.” Tanto que, ao sair do Dops, o professor entrou no primeiro boteco ao lado da Estação da Luz para tomar uma cerveja. “Tem que levar a vida para frente, não baixar a cabeça.”

A partir da década de 80, Oliveira e outros pesquisadores do Cebrap começaram a se aproximar do movimento sindical da região do ABC e São Bernardo do Campo. Nessa época, o pesquisador conheceu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Ele botava uma garrafa de cachaça na nossa frente. Era menos para beber e mais para desafiar”, conta. Confiante na força dos movimentos populares para desmanchar a herança da ditadura, em 10 de fevereiro de 1980, o sociólogo assinou com outras 2 mil pessoas o manifesto de fundação do Partido dos Trabalhadores (PT).

Apesar disso, nunca participou de máquina partidária. “Tenho alergia a isso”, resume. Mesmo assim, foi militante ativo no PT. “Com uma jornalista da Veja, arranquei do Lula aquela declaração de apoio à candidatura de Fernando Henrique Cardoso ao Senado em 1982, por exemplo”, admite.

Em 1988 foi convidado a ingressar na pós-graduação da Universidade de São Paulo. Terminou o doutorado e prestou o concurso para professor titular da USP em 1992. Sete anos depois, se aposentou, mas continuou dando aulas na pós-graduação. No último 28 de agosto, recebeu o título de Professor Emérito da Universidade.

Após sair do PT, o professor contribuiu para a fundação do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2004. “É preciso ter uma crítica pela esquerda ao PT, esta é a função do PSOL”, explica. Mesmo assim, ele prevê um futuro sombrio para o Brasil. “É só olhar para São Paulo. Isso é um assentamento de gente”, observa. “Mas é preciso tentar. É um trabalho permanente. Como se estivesse levando uma pedra até o cume de uma montanha: Você sobe com a pedra até lá em cima. Ela rola para baixo, você volta de novo.”


 

 


 
 
 
 
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