Especial


URBANISMO
São Paulo cresce e se envaidece... Em imagens que vão pelo mundo
“O crescimento da metrópole paulistana através de cartões-postais” é a mostra que a FAU-USP está apresentando para homenagear o aniversário da cidade. Organizada pelo historiador e professor Benedito Lima de Toledo, reúne fotos inusitadas, tiradas há mais de um século


JULIANA KIYOMURA MORENO

São imagens caras. Poéticas. De uma cidade muito fotogênica. A imponência do Museu do Ipiranga, a nobreza do Teatro Municipal, a avenida Paulista dos barões do café, a movimentação do Parque Anhangabaú e a alegria dos bondes estão na lembrança de uma infinidade de cartões-postais espalhados por todo o mundo.


É esta São Paulo de tantas faces que os paulistanos podem reencontrar na exposição apresentada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. "O crescimento da metrópole paulistana através de cartões-postais" foi organizada pelo historiador e professor Benedito Lima de Toledo. "Esta mostra é um registro curioso da evolução da metrópole", explica. "O cartão-postal traz a cidade como a população gosta de apreciar. Daí sua representatividade social. Fixa um momento e um ângulo particular para futuras leituras."

Toledo lembra que o mais importante é a qualidade e a riqueza de detalhes das imagens. "Na época em que os postais surgiram, a sua qualidade gráfica era muito melhor do que a dos periódicos. E São Paulo teve a felicidade de poder contar com excelentes fotógrafos. Daí a sua grande utilidade para a história da arquitetura e do urbanismo, que é justamente o foco da exposição."

Outra surpresa para o público é o ambiente da própria mostra. Está sendo realizada em um dos raros edifícios artnouveau que restaram na cidade. Foi projetado pelo sueco Carlos Ekman e, neste ano, estará completando um século. Junto com a história da arquitetura, este prédio, na rua Maranhão 88, Higienópolis, guarda também a história da própria FAU. Sedia o curso de graduação e vem passando por um processo cuidadoso de restauração. "Todos vão poder apreciar a beleza deste saguão", convida Toledo. "Nós vamos expor o mobiliário da casa. É importante notar também os dois quadros de Oscar Pereira da Silva que estão junto das escadas, lembrando a indústria nacional do século 15 ao 18."

Perseguir a história de São Paulo, acompanhar e participar de seu crescimento, ensinar detalhes de sua arquitetura... Tudo isso faz parte do ser paulistano de Benedito Lima de Toledo. Aos 67 anos e uma vida exercitando a paixão pela cidade, ele ainda é capaz de encontrar, em um postal perdido em um sebo qualquer do mundo,
detalhes de uma construção que passaram despercebidos. Além de pesquisar, escrever e fotografar a cidade, o professor ainda é um caçador de imagens da avenida Paulista no tempo dos barões do café, das primeiras cenas do Teatro Municipal. E quando sai pelo Brasil afora, esta mania se acentua. Há mais de quarenta anos, o professor coleciona cartões-postais. Em Paris, Lisboa, Santiago do Chile, Buenos Aires ou na feirinha da Vila Madalena, descobre sempre fotos com uma São Paulo curiosa. Esta coleção fica ainda mais rica porque conta com a mobilização dos amigos. "O pessoal quando se depara com um postal antigo, faz questão de me trazer."

Nesta busca, Toledo tem conseguido imagens preciosas como o mais antigo registro da avenida Paulista. O cartão editado por Gaensly e Lindemann traz a avenida em 1901, dez anos depois de sua inauguração. "Nós podemos ver a residência de Von Büllow, construída em 1895 pelo arquiteto alemão Augusto Fried, talvez uma das primeiras a serem edificadas na Paulista."

Interessante também é a dedicatória ao lado ou atrás dos postais. "Através das anotações é possível acompanhar o olhar do turista sobre a nossa cidade. Lembro o registro de um inglês falando sobre a sua viagem de trem de Santos a São Paulo e a sua perplexidade diante da paisagem", conta o historiador.

Toledo vai acompanhando a montagem da exposição. Ajeita os quadros com os postais sobre a mesa artnouveau (com mais de cinco metros de comprimento) como se os visse pela primeira vez. A mesma coleção ocupou uma das salas em destaque na 3ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo. Só que na FAU-Maranhão, ela ganha uma nova luz. Todo o clima do saguão ajuda a transportar o visitante para o passado. Introduz o seu olhar na história e desperta a sua emoção e orgulho diante da evolução da cidade.


Um documento com o prazer da lembrança

"Quem recebe um cartão-postal tem nas mãos um presente que vai além de uma simples lembrança." Com esta concepção, o historiador Benedito Lima de Toledo vasculha a cidade e o mundo atrás do prazer de reencontrar imagens e cenas pitorescas. "O valor do cartão-postal como documento foi, durante muito tempo,
praticamente desconsiderado", acentua. "No início do século passado, proliferavam cartões com imagens compostas para criar um mundo irreal. Figuras humanas em cenários e poses, tudo respirando um clima artificial."

Ao contrário da foto jornalística, o cartão-postal procura eliminar o acidental, o episódico. "É um documento que pressupõe identificação pronta, mensagem visual completada por algumas linhas de mensagem escrita, freqüentemente carregadas de calor. Por algumas dessas características, estes cartões demoraram a ser entendidos como documentação autêntica. Atualmente, o cartão-postal tende a se aproximar da fotografia arqueológica."

O professor lembra que a mais antiga emissão de cartões brasileiros já mostrava um conjunto de cenas paulistanas. "Segundo a pesquisa de Paulo Berger, eles foram lançados em 24 de novembro de 1898 e são da gráfica V. Steidel, de São Paulo."

Nesta época, começaram a circular cartões com as fotos de Guilherme Gaensly. "Não se sabe ao certo a data de seu estabelecimento em São Paulo. Ele trabalhou inicialmente na Bahia com seu sócio Lindemann, onde, a partir de 1870, realizou variadas fotos de exteriores. Os mais antigos cartões-postais que fez constituem a coleção Lembrança de São Paulo, que circulou em 1898. Depois dessa série produziu outra com cem imagens que integram o mais completo acervo documental da cidade nessa época."

Embora os cartões-postais sejam um registro do melhor ângulo da paisagem, eles conseguem captar o momento real da cidade. Momentos que se perdem com a urbanização. "Onde está a Praça da República e o Jardim da Luz que vemos nos postais?", pergunta o professor. "O imediatismo e a imprevidência que freqüentemente caracterizam a ação das autoridades municipais têm custado caro à qualidade ambiental, resultando em cidades cada vez maiores e menos habitáveis. Por essa razão, os estudos históricos tornam-se necessários não apenas como registro e denúncia, mas, sobretudo, como forma de apurar a sensibilidade dos futuros planejadores. Assim, as imagens dos postais têm o seu poder. Documentam jardins, prédios e monumentos que muitos não sabem que existiram."


Entre outras cidades

Outra exposição igualmente imperdível é "São Paulo e outras cidades", organizada pelo professor e historiador Nestor Goulart Reis. Baseada no livro com o mesmo título e autoria, reúne imagens e comentários sobre as mudanças ocorridas na segunda metade do século 19 e primeira metade do século 20 em São Paulo e algumas outras cidades do Estado.

A mostra está sendo apresentada na FAU da Cidade Universitária, no prédio do curso de graduação projetado por Vilanova Artigas. Registra quatro fisionomias distintas: a da velha cidade de taipa, do tempo e do trabalho escravo (até 1888); da cidade européia (1889-1930); da cidade modernista (1930-1960) e a metrópole concentrada e congestionada (1960-1990).

"Os jovens de hoje não conseguem saber o que se perdeu", observa Goulart." Mas quando vêem fotos de 1930, 40, 50 e 60, surpreendem-se pela dignidade de algumas obras públicas e privadas do passado e de outras mais recentes, que só conhecem em seu aspecto já transformado pelo uso intensivo e inadequado. Após esse período, assistimos ao início da degradação da cidade, do desprezo pela memória e desconhecimento dos valores urbanos. A exposição visa a destacar a importância da preservação da dignidade urbanística."