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CLT
Mudar antes de negociar
A flexibilização da CLT está causando discussões, principalmente por ser valiosa moeda de troca dos trabalhadores. Eles só a negociarão se bem calçados por mudanças complementares

Yeda S. Santos
Apenas se apoiadas por outras mudanças fundamentais, as modificações em torno da atual Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), conforme está propondo o governo, seriam possíveis. Esta é a opinião de alguns sindicalistas, segundo os quais, o movimento sindical deveria estar respaldado por liberdade e autonomia, direito de representação e organização nas empresas e banimento do imposto sindical, que é compulsório. Eles propõem o contrato coletivo de trabalho em nível nacional, agora normalmente feito por categoria.

A partir daí, os trabalhadores estariam mais bem preparados para discutir os acordos propostos. Os vinculados à Central Única dos Trabalhadores (CUT) não aceitam negociar antes de ter a estrutura modificada.

Para os ligados à Força Sindical, este é o momento de investir nas negociações entre as partes. E, apesar de colocarem as mesmas questões como urgentes, não as antepõem às negociações.

"Estamos a favor das medidas, pois fortalecem a negociação coletiva. Hoje, cada vez mais, mudanças na CLT possibilitam isso", disse o secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna. A CLT orienta sobre como o trabalhador poderá usufruir de seus direitos, fixados na Constituição. O projeto de lei 5.483, já aprovado pela Câmara e que deve seguir para o Senado em março, propõe alterações no artigo 618 da CLT, permitindo renegociar alguns itens.

Caminhos

alternativos

Há discordância dentro das centrais sindicais sobre o melhor caminho a tomar. O vice-presidente da Força Sindical e presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil, Antonio de Sousa Ramalho, está propondo um adendo ao projeto de lei que flexibiliza a legislação. Para ele, cada central sindical deveria organizar seu próprio conselho jurídico com poder de analisar e vetar acordos que prejudicassem o trabalhador. "Isso inibiria os sindicatos pouco ou nada comprometidos com as categorias profissionais."

Segundo diz, o adendo recebeu apoio do presidente da Força, Paulo Pereira, o Paulinho.

A realidade "vai impor maior compromisso aos sindicatos", afirma Juruna. Centrais e federações de trabalhadores poderão unificar suas ações, como ocorreu em campanhas salariais em 2001. As reformas deverão renovar a estrutura sindical, inclusive a patronal. "A negociação aumenta o poder de barganha dos trabalhadores", reforça.

Especialistas na matéria, porém, percebem falta de informação no material veiculado pela mídia sobre o assunto. O professor José Pastore, de Relações do Trabalho da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP e consultor da Confederação Nacional da Indústria (CNI), afirma defender proposta semelhante há trinta anos.

Entre prós e contras, o maior temor dos trabalhadores reside na quase certeza de que os acordos firmados se transformarão em "leis" a serem exigidas por empregadores, em troca de emprego.

O secretário-geral do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e presidente da CUT estadual por três mandatos, José Lopez Feijóo, lembra dos problemas causados pela extinção da estabilidade no emprego, substituída pelo Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), durante o regime militar.

"No primeiro momento foi opcional – diz ele – mas logo tal adesão passou a ser obrigatória, levando o trabalhador a escolher entre ela e o emprego". Para Feijóo, com este procedimento vai-se viver a mesma situação.

Pastore acredita que a flexibilização poderá até ajudar na incorporação de trabalhadores ao mercado de trabalho formal.

O exemplo oferecido é o das micros e pequenas empresas que recorrem a empréstimos bancários para saldar despesas com o décimoterceiro salário. "O pagamento desse salário poderia ser negociado ao longo do ano para evitar tais embaraços ao empregador. Uma vez livre de problemas como esse, sentir-se-ia mais estimulado a contratar trabalhadores com carteira assinada, com garantias sociais", explica.

Tempestade em

copo d’água

O professor Hélio Zylberstajn, pesquisador da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), da USP, entende que está ocorrendo "quase uma tempestade em copo d’água". Afinal, o que há para ser discutido "é muito pouco" e opcional, isto é, os sindicatos não estão obrigados a aceitar nada que não quiserem. Para quem discordar, a lei permanece vigendo. E as modificações só ocorrem se aceitas pela maioria dos trabalhadores. Os acordos têm prazo para acontecer e, decorrido o período, a situação volta à forma original.

A principal alteração é a de que "o negociado prevalece sobre o legislado", ou seja, acordos entre patrões e empregados terão força de lei, no espaço de tempo acertado entre as partes. Tais acertos, porém, não valem para tributos, contribuições previdenciárias, FGTS e para todos os direitos previstos na Constituição. Zylberstajn esclarece que a Carta Magna estabelece o direito de férias anuais com acréscimo de um terço do salário. Já a CLT especifica o número de dias: 30.

"Como não consta da Constituição, o período de férias poderá ser renegociado." O mesmo se dá com as jornadas especiais de trabalho. A Constituição especifica oito horas diárias. Significa que ninguém poderá ser contratado para período superior a este. Mas a CLT diz que alguns trabalhadores poderão contar com horários especiais, com jornadas de apenas seis horas. Também os contratos de trabalho podem ser renegociados. O mesmo se dá com adicionais de insalubridade e de trabalho noturno.

"As mudanças propostas pelo Poder Executivo são muito brandas e foram mal explicadas, causando desconforto desnecessário. As pessoas precisam entender que, em vez de reduzir, aumentam as possibilidades de negociar", segundo Pastore.

Renegociar férias pode ser menos problemático do que parece. Se, de um lado, o setor da construção civil negocia a entrada em férias de um grupo cujo trabalho fica impossibilitado quando chove, de outro, quando falta material, cria-se a oportunidade de a empresa "calibrar" despesas diante desses movimentos.

Na área rural, os trabalhadores são transportados por ônibus pagos pelas empresas. Porém, o tempo de permanência nos veículos varia, por exemplo, de uma hora a cinco minutos, embora a empresa pague por hora transportada. "O ideal seria pagar pela média de permanência do trabalhador no veículo", sugere.

Enquanto os sindicalistas ligados à Força Sindical apóiam transformações que podem advir de acordos firmados, os da CUT as rejeitam e insistem em apoio legal que dê cobertura a essas ações. Com isso concorda o professor Hélio Zylberstajn, para quem a redefinição do movimento sindical se faz necessária. "O Brasil deveria assinar a Convenção 87, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que permite liberdade sindical."

Atualmente, cada categoria funcional pertence a um único sindicato, sendo proibida a instalação de outros que representem "concorrência" por melhor atendimento. Isso indica falta de liberdade e autonomia sindical.

Segundo diz, é preciso primeiro definir a estrutura sindical – de entidades que atendem patrões e empregados – para, depois, saber como e com quem negociar alterações na legislação. "Antes disso é entregar o jogo", ressalta Feijóo.

Pensar em modificar a estrutura sindical brasileira e admitir que a CLT está ultrapassada são questões oportunas. A estrutura melhorada permite ajustes no desempenho de pessoas hoje "amarradas" a sistemas inadequados.

Monopólio e

reserva de mercado

"O sindicato tem monopólio de representação e reserva de mercado identificados pelo pagamento compulsório do imposto sindical", explica o professor Hélio. Para ele, é como se o carro andasse à frente dos bois, favorecendo o desvio do foco do debate.

Trabalhadores reclamam de ser impedidos de organizar-se dentro das empresas onde, por vezes, são perseguidos por isso. Preocupa-os a condição de pequenas cidades, com movimentos sindicais inexpressivos que poderiam ficar desprotegidos. "Duvido que o sindicato queira quebrar o braço do trabalhador; se não tiver capacidade para negociar, deverá recorrer a uma central sindical", acredita Pastore.

Para Feijóo, o professor se engana: "O Sindicato dos Comerciários tem cerca de 500 mil trabalhadores na base, mas menos de 10 mil são associados. Todos pagam imposto sindical e, no entanto, o trabalho aos domingos foi aprovado, não pela maioria", informa e acrescenta: "A democracia parou na porta da fábrica, ainda não entrou".

Acusados de ser "donos dos trabalhadores", com estruturas "absolutamente arcaicas, montadas em época fascista", os sindicatos precisam ainda alcançar o sistema democrático nas relações trabalhistas.