NESTA EDIÇÃO

“Cabe à Cert supervisionar
e fiscalizar os regimes
de trabalho do corpo docente”


“Apenas uma parcela,
uns 40% dos docentes são analisados pela Cert”


“Não é possível utilizar
critérios uniformes para departamentos diferentes”


“Em alguns casos a
própria Cert reconheceu
ter cometido injustiças”


O este mês de março, o reitor Adolpho José Melfi deverá enviar ao Conselho Universitário um novo plano de avaliação dos docentes da USP. Segundo o projeto, a Comissão Permanente de Avaliação (CPA) ganharia nova estrutura e a missão de servir como “ponte” entre a Reitoria e as unidades. A avaliação docente ficaria a cargo dos próprios departamentos. “O objetivo é criar uma nova cultura de avaliação na USP”, afirma o professor Umberto Cordani, presidente da Cert e coordenador da CPA, nesta entrevista ao Jornal da USP.
A avaliação permanente é fundamental para a manutenção da excelência da USP, afirma Cordani, lembrando que universidades em todo o mundo estão enfrentando o desafio de medir seu desempenho. “Na USP, a avaliação departamental foi uma inovação, mas novos esforços ainda precisam ser feitos para aperfeiçoar o processo.”
Cordani dirige dois órgãos — a Cert e a CPA — criados justamente para medir os resultados do trabalho da Universidade. Prevista no artigo 34 do Estatuto da USP, a Cert foi disciplinada pela Resolução 2450, de 1982, e reuniu três antigas comissões constituídas em 1973, em obediência ao Regimento Geral da USP — a Comissão de Admissão de Pessoal Docente, a Comissão do Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa e a Comissão do Regime de Turno Completo. Composta por 13 membros escolhidos pelo reitor, à Cert cabe a responsabilidade de “analisar as admissões de docentes, opinar acerca do regime de trabalho, orientar e coordenar a aplicação da legislação pertinente, bem como zelar pelo cumprimento das respectivas obrigações”, como reza o artigo 91 do Estatuto da USP.
Já a CPA, que não é mencionada pelo Estatuto, está prevista no artigo 202 do Regimento Geral da USP. De acordo com esse artigo, “a avaliação da produção dos docentes será feita pela CPA, cuja composição e normas serão fixadas pelo Conselho Universitário”. Em 7 de abril de 1992, através da Resolução 3920, o Conselho Universitário instituiu a CPA, com o objetivo de planejar, acompanhar e avaliar o desenvolvimento de todas as atividades da Universidade. Constituída pelos 13 membros da Cert e outros sete membros da Comissão de Assuntos Acadêmicos do Conselho Universitário, a CPA procedeu a uma avaliação departamental, que durou cerca de oito anos. Para fazer esse trabalho, a CPA organizou um roteiro, a fim de que cada departamento preparasse um relatório de auto-avaliação. Além disso, nomeou uma Comissão de Avaliação Departamental (CAD), geralmente formada por três membros externos à USP — um deles do exterior. “Dada a importância dessa escolha, exigindo profissionais competentes e experientes na avaliação de seus pares, esta foi talvez a parte mais sensível de todo o processo”, lembra Cordani. “A CAD, já tendo previamente examinado o relatório de auto-avaliação, visitou o departamento, onde colheu mais subsídios, e por fim elaborou um relatório final de avaliação, analisando as atividades de pesquisa, ensino e prestação de serviços e fornecendo uma lista de recomendações para o aprimoramento do departamento.” Após aprovado pela CPA, cada relatório foi enviado ao respectivo departamento, junto com instruções para que este elaborasse um plano de metas acadêmicas. O trabalho da CPA está detalhado no relatório “Planos de metas — Todos os departamentos”, entregue pela comissão, em 2001, ao então reitor Jacques Marcovitch. “Os projetos acadêmicos dos departamentos, junto com esse relatório da CPA, são de fundamental importância para o planejamento da USP como um todo, permitindo que a administração possa gerar critérios de gestão que jamais foram utilizados pela Universidade.”
Mas o processo de avaliação da USP não pára aí. No ano 2000, o Conselho Estadual de Educação determinou que as três universidades públicas paulistas — USP, Unicamp e Unesp — devem fazer uma avaliação institucional no prazo máximo de cinco anos. Em vista disso, a USP está reavaliando os instrumentos de que dispõe para verificar seu desempenho, a fim de criar uma “cultura de avaliação”, como diz Cordani. “Durante a sua campanha para a Reitoria da USP, no ano passado, o reitor Adolpho Melfi se manifestou várias vezes no sentido de que é necessário criar essa cultura na USP”, acrescenta o professor.
Uma primeira comissão foi instituída para dar início ao cumprimento da determinação do Conselho Estadual de Educação. Com a participação de Melfi, então vice-reitor, essa comissão determinou que as informações a ser usadas para fazer a avaliação institucional serão colhidas pelas Pró-Reitorias. Estas terão a incumbência de passar esses dados para uma comissão que os analisará e elaborará um novo relatório. “Esse trabalho poderia ser feito pela nova CPA, que substituiria a atual CPA e teria nova estrutura. Os departamentos, enfim, é que fariam a avaliação dos seus docentes, que é uma grande aspiração de toda a comunidade USP”, sugere Cordani. Pelo menos é essa a intenção da Reitoria ao enviar o novo projeto ao Conselho Universitário.

JUSP — CPA e Cert. O senhor coordena uma e é presidente da outra. Por quê?
Umberto
Cordani — A Cert é uma comissão antiga, foi criada ainda na década de 60, em nível estadual, para cuidar do então chamado tempo integral dos docentes. Foi incorporada ao Estatuto da USP e tem atribuições normativas muito claras. Seus 13 membros são todos designados pelo reitor. Eu fui designado presidente pelo então reitor Jacques Marcovitch em maio de 2001. Por outro lado, a CPA não existe nos Estatutos, sendo apenas mencionada num artigo do Regimento Geral da USP, dizendo que seria criada pelo Conselho Universitário, e deveria tratar da avaliação da produção acadêmica dos docentes. Entretanto, o Conselho Universitário, que a criou em 1992 por uma portaria, resolveu interpretar tais atribuições regimentais de modo especial, dando-lhe a incumbência de realizar a avaliação de todos os departamentos da USP. Considerou que a avaliação da produção dos docentes estaria incluída na avaliação dos respectivos departamentos. O Conselho Universitário deu à CPA uma composição que inclui os 13 membros da Cert mais os sete integrantes da CAA, que é uma das comissões estatutárias do Conselho Universitário, em cujos membros há alguns diretores de unidade. Entendo que essa composição é no mínimo estranha, do ponto de vista jurídico, pois representa uma mistura de pessoas do executivo com pessoas do legislativo da Universidade. Além disso, o Conselho Universitário quis que o presidente da Cert fosse também o coordenador da CPA, de modo que é por isso que me cabe responsabilidade dupla.

JUSP — Na sua visão, o que resultou da avaliação dos departamentos da USP feita pela CPA?

Cordani — Essa avaliação iniciou-se em 1992, e na época eu era membro da Cert e, portanto, da própria CPA. Foi feita de modo sério, e os cerca de 200 departamentos da USP prepararam primeiramente relatórios de auto-avaliação, e posteriormente foram examinados por comissões de avaliação com elementos externos à Universidade. A meu ver o processo trouxe para a Universidade o contato com atividades de avaliação, e uma boa experiência com avaliação externa. Houve dificuldades. Por exemplo: departamentos que se julgaram injustiçados por uma avaliação muito rigorosa. Ao mesmo tempo, o processo foi muito longo (no total, mais de oito anos) e relativamente dispendioso. Não sei se valeria a pena repeti-lo, ou fazer avaliações de outra forma, de unidades, de cursos, ou da própria Universidade, como aliás já está exigindo o Conselho Estadual de Educação. Após a avaliação departamental, a CPA solicitou aos departamentos que levassem em conta as críticas e sugestões recebidas e efetuassem seus planos de metas para um período de cinco anos. Creio que esse também foi um exercício válido, para muitos departamentos. Quando eu assumi a coordenação da CPA, há cerca de um ano, esse processo estava terminando, e eu pude entregar o relatório final ao então reitor Jacques Marcovitch. Com isso, entendi que estaria encerrada a missão que o Conselho Universitário confiou à CPA em 1992.

JUSP — A avaliação dos docentes da USP é feita então pela Cert?

Cordani — A bem da verdade, a missão da Cert não é a de avaliar os docentes da USP. Cabe a ela supervisionar e fiscalizar os regimes de trabalho do corpo docente da Universidade, como sempre fez desde os anos 60, assessorando o reitor em seus atos administrativos relacionados a docentes. Sua preocupação principal é o RDIDP, e em seguida o RTC. Suas atividades principais são as seguintes: primeiramente, ela examina os processos relativos aos docentes ingressantes em algum dos regimes especiais de trabalho, e supervisiona o seu desempenho analisando relatórios bienais, durante os seis anos que dura o período de experimentação. Além disso, ela analisa os relatórios e os currículos dos docentes não efetivos quando de suas recontratações periódicas. Uma terceira função importante é a de credenciar docentes interessados em realizar atividades concomitantes ao RDIDP. Finalmente, procura verificar os casos em que ocorrem possíveis infringências com relação às normas de cada regime. Para essas atividades, é necessário que exista algum tipo de avaliação, no sentido de atribuição de valores, mas não se trata de uma avaliação em si, como finalidade, mas apenas um meio para a realização de objetivos diferentes.

JUSP — Parece-me que dessa forma nem todos os docentes da USP são analisados pela Cert. É isso mesmo?

Cordani — Com efeito, apenas uma parcela, talvez uns 40% dos docentes da USP são analisados pela Cert. Os ingressantes, por concurso ou por contrato, aqueles que dependem de renovações contratuais, aqueles que solicitam credenciamento para atividades concomitantes, e os que pedem afastamentos, licenças, transferências etc. Há também alguns poucos casos em que docentes são acusados de infringência em relação ao RDIDP. A Cert não toma iniciativas para verificar o desempenho deste ou daquele docente, mas analisa os processos que lhe são encaminhados pela administração para a execução de suas funções normativas.

JUSP — Em média, quantos processos são analisados pela Cert, por exemplo, mensalmente?

Cordani — Fazendo uma estimativa rápida, a Cert se reúne quinzenalmente durante o período letivo, o que representa cerca de 20 reuniões anuais. Em cada reunião, são examinados mais de cem casos, possivelmente perto de 150, o que perfaz uns 3.000 processos anuais. Eu diria que cerca de um quarto refere-se a relatórios bienais do período de experimentação do RDIDP, e outro quarto seriam renovações contratuais. Talvez uma terceira parte, ou seja, cerca de 1.000 professores, solicitariam credenciamento, e o restante dos processos refere-se a casos diversos, como afastamentos para o exterior, transferências internas, mudanças de regime etc.

JUSP — Como são efetuados os exames dos processos dos docentes pela Cert? Isto é, como é possível analisar com profundidade, numa sessão com 13 pessoas, cerca de 150 processos?

Cordani — Na verdade, normalmente, os processos vêm instruídos adequadamente pelos docentes e pelos departamentos interessados, de modo que o exame da documentação não é difícil. Além disso, a composição da Cert inclui docentes muito competentes, que adquiriram experiência em tais análises, e todos são chamados para estudar e relatar um certo número de processos relacionados com sua área de atuação acadêmica. Os relatores normalmente analisam os processos antes da realização das sessões da Cert, e seus comentários são discutidos na reunião. Casos de desempenho docente que suscitem dúvidas e discussões são poucos, não mais do que 10 ou 15 por sessão. São esses os casos em que a Cert faz algum reparo, algum comentário, por vezes alguma sugestão para que o docente em questão melhore o seu desempenho acadêmico. A meu ver, a existência de tão poucos casos duvidosos é uma indicação de que normalmente os professores da USP têm bom desempenho acadêmico, o que significa que a Universidade consegue escolher bem os seus quadros.

JUSP — A seu ver, por que a Cert é tão atacada por setores da Universidade? Por exemplo, é real que a Cert utiliza como único critério de avaliação o número de artigos publicados pelos docentes, o que levaria a desestimular aqueles professores que se interessam preferencialmente pelas atividades de ensino?

Cordani — Essa pergunta merece um desdobramento. Com relação aos critérios utilizados pela Cert, em primeiro lugar cabe assinalar que o próprio regulamento dos regimes de trabalho diz que “o docente sujeito ao RDIDP está obrigado a dedicar-se exclusivamente aos trabalhos de seu cargo, particularmente no que diz respeito à investigação científica”. Isso mostra a importância de atividades de pesquisa para todo docente em RDIDP, e obviamente os resultados da investigação científica somente podem ser aquilatados se existirem as respectivas publicações. Em segundo lugar, tendo em vista que tradicionalmente os relatórios e os currículos encaminhados para exame da Cert não trazem comentários sobre as atividades didáticas dos professores, a dedicação à docência não tem visibilidade. Quando muito é indicada a carga didática e a listagem das disciplinas ministradas. Mais ainda, a Cert reconhece a tremenda diversidade da USP, de modo que não é possível utilizar critérios uniformes para departamentos tão diferentes como Bioquímica, Filosofia, Engenharia Metalúrgica, Música, Geologia Sedimentar, Letras Modernas, Estatística, Direito Internacional, Botânica, Administração etc. Durante 2001, justamente para aperfeiçoar os seus critérios, a Cert solicitou a todos os departamentos da USP que dissessem quais seriam, em sua opinião, os indicadores de produção acadêmica mais adequados em sua área de pesquisa. Cerca de 150 departamentos da USP responderam, um número muito expressivo. Assim, artigos em revistas internacionais indexadas são considerados os melhores indicadores em certas áreas, patentes em outras, livros nacionais em outras, CD-ROMs e softwares para outras, e assim por diante. Tais indicações já se fazem muito úteis nos trabalhos atuais da Cert e poderão ser ainda mais utilizadas na futura atuação da CPA, se esta vier a ser modificada conforme deseja o atual reitor.

JUSP — Quais são os elementos de confronto mais utilizados pelos docentes descontentes com a Cert?

Cordani — Em qualquer juízo de valor, quem analisa, julga ou avalia está sempre em posição delicada, podendo facilmente ferir suscetibilidades. Muitas vezes o docente sob análise acredita que possa ter sido criticado injustamente, e eu diria que em alguns casos a própria Cert reconheceu ter cometido alguma injustiça. Entendo que há três pontos de grande relevância. Em primeiro lugar, há muitos docentes da USP que não têm sido examinados pela Cert, o que leva a um desequilíbrio funcional em relação àqueles 40% que eventualmente são por ela examinados. Em segundo lugar, o processo e os critérios de julgamento devem ser claros e transparentes, entretanto nem sempre o são, devido à comunicação por vezes incompleta, por parte da própria Cert. Em terceiro lugar, os pareceres e as determinações da Cert têm que ser legais e legítimos, ou seja, perfeitamente adaptados às suas normas de funcionamento. A Cert atua sistematicamente em concordância com os regulamentos existentes, procurando, quando acha necessário, os conselhos da Consultoria Jurídica, que também é um órgão da Reitoria, como a Cert.

JUSP — Atualmente os departamentos avaliam o desempenho de seus docentes? Como deveriam fazê-lo?

Cordani — Em primeiro lugar, durante o Fórum da USP realizado em fins de 2000, em que tive a oportunidade de manifestar-me a respeito de avaliação, disse que, a meu ver, todos os docentes da USP deveriam ser avaliados, com relação à sua produção acadêmica, e que essa avaliação deveria ser efetuada no âmbito dos respectivos departamentos, mediante critérios estabelecidos por órgãos centrais. Existem alguns departamentos, por sinal quase todos aqueles que foram bem avaliados no exercício feito pela CPA nos anos 90, que efetuam as avaliações individuais de seus docentes, mostrando que atingiram maturidade acadêmica, e sabem muito bem escolher seus rumos. Por outro lado, a grande maioria dos departamentos da USP não realiza quaisquer avaliações, e os docentes têm ampla liberdade de decidir a respeito de suas atividades. Não que eu considere um mal o fato de o docente exercer sua liberdade de escolha em relação ao objeto de sua pesquisa, entretanto creio que as principais linhas de investigação deveriam ser discutidas e aprovadas dentro de planos de metas coletivos e coerentes, para cada departamento ou para cada núcleo interno de pesquisa. Para mim, as pesquisas individuais dos docentes devem relacionar-se de alguma forma com as diretrizes existentes nos respectivos departamentos, determinadas coletivamente.

JUSP — O senhor conhece os planos atuais do reitor em relação aos mecanismos de avaliação preconizados para a USP? O que viria a ser uma nova “cultura de avaliação”?

Cordani — Tenho conversado com o reitor Adolpho Melfi a respeito, e entendo que ele gostaria de implantar, talvez ainda neste primeiro semestre de 2002, um sistema de avaliação integrado, que possa atuar em todos os níveis, institucional, interno (departamentos ou unidades) e individual (docentes). Quando os membros da Cert, coletivamente, entregaram a ele seus cargos, como é de praxe a cada mudança reitoral, o professor Melfi pediu que todos permanecessem como membros da comissão durante certo tempo, pelo menos enquanto se dá a necessária transição para o novo sistema. De certa forma, o reitor pensa acompanhar as sugestões efetuadas pela atual CPA ao reitor Marcovitch no ano passado, bem como o que foi planejado pelo grupo de trabalho que ele mesmo coordenou e que apresentou o plano de avaliação institucional ao Conselho Estadual de Educação. Em tal plano, o levantamento dos dados estatísticos necessários para uma avaliação institucional adequada da USP seria efetuado pelas Pró-Reitorias, mas uma comissão central (que poderia ser uma “nova CPA”) seria responsável pela consolidação do documento. Basicamente, a CPA atual seria extinta, e a “nova CPA” teria uma composição diferente e outra esfera de competência, cuidando da avaliação institucional já mencionada, bem como das avaliações internas (em nível de unidades ou de departamentos). A avaliação individual dos docentes caberia aos departamentos, os quais aplicariam critérios emanados do próprio Conselho Universitário e transmitidos pela nova CPA. Finalmente, a Cert permaneceria com as atribuições regimentais que possui desde a sua origem, cuidando da supervisão dos regimes de trabalho.

 




ir para o topo da página


O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
[EXPEDIENTE] [EMAIL]