O este mês de março, o reitor Adolpho
José Melfi deverá enviar ao Conselho Universitário
um novo plano de avaliação dos docentes da USP. Segundo
o projeto, a Comissão Permanente de Avaliação
(CPA) ganharia nova estrutura e a missão de servir como ponte
entre a Reitoria e as unidades. A avaliação docente
ficaria a cargo dos próprios departamentos. O objetivo
é criar uma nova cultura de avaliação na USP,
afirma o professor Umberto Cordani, presidente da Cert e coordenador
da CPA, nesta entrevista ao Jornal da USP.
A avaliação permanente é fundamental para a manutenção
da excelência da USP, afirma Cordani, lembrando que universidades
em todo o mundo estão enfrentando o desafio de medir seu desempenho.
Na USP, a avaliação departamental foi uma inovação,
mas novos esforços ainda precisam ser feitos para aperfeiçoar
o processo.
Cordani dirige dois órgãos a Cert e a CPA
criados justamente para medir os resultados do trabalho da Universidade.
Prevista no artigo 34 do Estatuto da USP, a Cert foi disciplinada
pela Resolução 2450, de 1982, e reuniu três antigas
comissões constituídas em 1973, em obediência
ao Regimento Geral da USP a Comissão de Admissão
de Pessoal Docente, a Comissão do Regime de Dedicação
Integral à Docência e à Pesquisa e a Comissão
do Regime de Turno Completo. Composta por 13 membros escolhidos pelo
reitor, à Cert cabe a responsabilidade de analisar as
admissões de docentes, opinar acerca do regime de trabalho,
orientar e coordenar a aplicação da legislação
pertinente, bem como zelar pelo cumprimento das respectivas obrigações,
como reza o artigo 91 do Estatuto da USP.
Já a CPA, que não é mencionada pelo Estatuto,
está prevista no artigo 202 do Regimento Geral da USP. De acordo
com esse artigo, a avaliação da produção
dos docentes será feita pela CPA, cuja composição
e normas serão fixadas pelo Conselho Universitário.
Em 7 de abril de 1992, através da Resolução 3920,
o Conselho Universitário instituiu a CPA, com o objetivo de
planejar, acompanhar e avaliar o desenvolvimento de todas as atividades
da Universidade. Constituída pelos 13 membros da Cert e outros
sete membros da Comissão de Assuntos Acadêmicos do Conselho
Universitário, a CPA procedeu a uma avaliação
departamental, que durou cerca de oito anos. Para fazer esse trabalho,
a CPA organizou um roteiro, a fim de que cada departamento preparasse
um relatório de auto-avaliação. Além disso,
nomeou uma Comissão de Avaliação Departamental
(CAD), geralmente formada por três membros externos à
USP um deles do exterior. Dada a importância dessa
escolha, exigindo profissionais competentes e experientes na avaliação
de seus pares, esta foi talvez a parte mais sensível de todo
o processo, lembra Cordani. A CAD, já tendo previamente
examinado o relatório de auto-avaliação, visitou
o departamento, onde colheu mais subsídios, e por fim elaborou
um relatório final de avaliação, analisando as
atividades de pesquisa, ensino e prestação de serviços
e fornecendo uma lista de recomendações para o aprimoramento
do departamento. Após aprovado pela CPA, cada relatório
foi enviado ao respectivo departamento, junto com instruções
para que este elaborasse um plano de metas acadêmicas. O trabalho
da CPA está detalhado no relatório Planos de metas
Todos os departamentos, entregue pela comissão,
em 2001, ao então reitor Jacques Marcovitch. Os projetos
acadêmicos dos departamentos, junto com esse relatório
da CPA, são de fundamental importância para o planejamento
da USP como um todo, permitindo que a administração
possa gerar critérios de gestão que jamais foram utilizados
pela Universidade.
Mas o processo de avaliação da USP não pára
aí. No ano 2000, o Conselho Estadual de Educação
determinou que as três universidades públicas paulistas
USP, Unicamp e Unesp devem fazer uma avaliação
institucional no prazo máximo de cinco anos. Em vista disso,
a USP está reavaliando os instrumentos de que dispõe
para verificar seu desempenho, a fim de criar uma cultura de
avaliação, como diz Cordani. Durante a sua
campanha para a Reitoria da USP, no ano passado, o reitor Adolpho
Melfi se manifestou várias vezes no sentido de que é
necessário criar essa cultura na USP, acrescenta o professor.
Uma primeira comissão foi instituída para dar início
ao cumprimento da determinação do Conselho Estadual
de Educação. Com a participação de Melfi,
então vice-reitor, essa comissão determinou que as informações
a ser usadas para fazer a avaliação institucional serão
colhidas pelas Pró-Reitorias. Estas terão a incumbência
de passar esses dados para uma comissão que os analisará
e elaborará um novo relatório. Esse trabalho poderia
ser feito pela nova CPA, que substituiria a atual CPA e teria nova
estrutura. Os departamentos, enfim, é que fariam a avaliação
dos seus docentes, que é uma grande aspiração
de toda a comunidade USP, sugere Cordani. Pelo menos é
essa a intenção da Reitoria ao enviar o novo projeto
ao Conselho Universitário.
JUSP CPA e Cert. O senhor coordena uma e é presidente da
outra. Por quê?
Umberto Cordani A Cert é uma comissão antiga,
foi criada ainda na década de 60, em nível estadual,
para cuidar do então chamado tempo integral dos docentes.
Foi incorporada ao Estatuto da USP e tem atribuições
normativas muito claras. Seus 13 membros são todos designados
pelo reitor. Eu fui designado presidente pelo então reitor
Jacques Marcovitch em maio de 2001. Por outro lado, a CPA não
existe nos Estatutos, sendo apenas mencionada num artigo do Regimento
Geral da USP, dizendo que seria criada pelo Conselho Universitário,
e deveria tratar da avaliação da produção
acadêmica dos docentes. Entretanto, o Conselho Universitário,
que a criou em 1992 por uma portaria, resolveu interpretar tais
atribuições regimentais de modo especial, dando-lhe
a incumbência de realizar a avaliação de todos
os departamentos da USP. Considerou que a avaliação
da produção dos docentes estaria incluída na
avaliação dos respectivos departamentos. O Conselho
Universitário deu à CPA uma composição
que inclui os 13 membros da Cert mais os sete integrantes da CAA,
que é uma das comissões estatutárias do Conselho
Universitário, em cujos membros há alguns diretores
de unidade. Entendo que essa composição é no
mínimo estranha, do ponto de vista jurídico, pois
representa uma mistura de pessoas do executivo com pessoas do legislativo
da Universidade. Além disso, o Conselho Universitário
quis que o presidente da Cert fosse também o coordenador
da CPA, de modo que é por isso que me cabe responsabilidade
dupla.
JUSP Na sua visão, o que resultou da avaliação
dos departamentos da USP feita pela CPA?
Cordani Essa avaliação iniciou-se em 1992,
e na época eu era membro da Cert e, portanto, da própria
CPA. Foi feita de modo sério, e os cerca de 200 departamentos
da USP prepararam primeiramente relatórios de auto-avaliação,
e posteriormente foram examinados por comissões de avaliação
com elementos externos à Universidade. A meu ver o processo
trouxe para a Universidade o contato com atividades de avaliação,
e uma boa experiência com avaliação externa.
Houve dificuldades. Por exemplo: departamentos que se julgaram injustiçados
por uma avaliação muito rigorosa. Ao mesmo tempo,
o processo foi muito longo (no total, mais de oito anos) e relativamente
dispendioso. Não sei se valeria a pena repeti-lo, ou fazer
avaliações de outra forma, de unidades, de cursos,
ou da própria Universidade, como aliás já está
exigindo o Conselho Estadual de Educação. Após
a avaliação departamental, a CPA solicitou aos departamentos
que levassem em conta as críticas e sugestões recebidas
e efetuassem seus planos de metas para um período de cinco
anos. Creio que esse também foi um exercício válido,
para muitos departamentos. Quando eu assumi a coordenação
da CPA, há cerca de um ano, esse processo estava terminando,
e eu pude entregar o relatório final ao então reitor
Jacques Marcovitch. Com isso, entendi que estaria encerrada a missão
que o Conselho Universitário confiou à CPA em 1992.
JUSP A avaliação dos docentes da USP é feita
então pela Cert?
Cordani A bem da verdade, a missão da Cert não
é a de avaliar os docentes da USP. Cabe a ela supervisionar
e fiscalizar os regimes de trabalho do corpo docente da Universidade,
como sempre fez desde os anos 60, assessorando o reitor em seus
atos administrativos relacionados a docentes. Sua preocupação
principal é o RDIDP, e em seguida o RTC. Suas atividades
principais são as seguintes: primeiramente, ela examina os
processos relativos aos docentes ingressantes em algum dos regimes
especiais de trabalho, e supervisiona o seu desempenho analisando
relatórios bienais, durante os seis anos que dura o período
de experimentação. Além disso, ela analisa
os relatórios e os currículos dos docentes não
efetivos quando de suas recontratações periódicas.
Uma terceira função importante é a de credenciar
docentes interessados em realizar atividades concomitantes ao RDIDP.
Finalmente, procura verificar os casos em que ocorrem possíveis
infringências com relação às normas de
cada regime. Para essas atividades, é necessário que
exista algum tipo de avaliação, no sentido de atribuição
de valores, mas não se trata de uma avaliação
em si, como finalidade, mas apenas um meio para a realização
de objetivos diferentes.
JUSP Parece-me que dessa forma nem todos os docentes da USP são
analisados pela Cert. É isso mesmo?
Cordani Com efeito, apenas uma parcela, talvez uns 40% dos
docentes da USP são analisados pela Cert. Os ingressantes,
por concurso ou por contrato, aqueles que dependem de renovações
contratuais, aqueles que solicitam credenciamento para atividades
concomitantes, e os que pedem afastamentos, licenças, transferências
etc. Há também alguns poucos casos em que docentes
são acusados de infringência em relação
ao RDIDP. A Cert não toma iniciativas para verificar o desempenho
deste ou daquele docente, mas analisa os processos que lhe são
encaminhados pela administração para a execução
de suas funções normativas.
JUSP Em média, quantos processos são analisados
pela Cert, por exemplo, mensalmente?
Cordani Fazendo uma estimativa rápida, a Cert
se reúne quinzenalmente durante o período letivo,
o que representa cerca de 20 reuniões anuais. Em cada reunião,
são examinados mais de cem casos, possivelmente perto de
150, o que perfaz uns 3.000 processos anuais. Eu diria que cerca
de um quarto refere-se a relatórios bienais do período
de experimentação do RDIDP, e outro quarto seriam
renovações contratuais. Talvez uma terceira parte,
ou seja, cerca de 1.000 professores, solicitariam credenciamento,
e o restante dos processos refere-se a casos diversos, como afastamentos
para o exterior, transferências internas, mudanças
de regime etc.
JUSP Como são efetuados os exames dos processos dos docentes
pela Cert? Isto é, como é possível analisar
com profundidade, numa sessão com 13 pessoas, cerca de 150
processos?
Cordani Na verdade, normalmente, os processos vêm instruídos
adequadamente pelos docentes e pelos departamentos interessados,
de modo que o exame da documentação não é
difícil. Além disso, a composição da
Cert inclui docentes muito competentes, que adquiriram experiência
em tais análises, e todos são chamados para estudar
e relatar um certo número de processos relacionados com sua
área de atuação acadêmica. Os relatores
normalmente analisam os processos antes da realização
das sessões da Cert, e seus comentários são
discutidos na reunião. Casos de desempenho docente que suscitem
dúvidas e discussões são poucos, não
mais do que 10 ou 15 por sessão. São esses os casos
em que a Cert faz algum reparo, algum comentário, por vezes
alguma sugestão para que o docente em questão melhore
o seu desempenho acadêmico. A meu ver, a existência
de tão poucos casos duvidosos é uma indicação
de que normalmente os professores da USP têm bom desempenho
acadêmico, o que significa que a Universidade consegue escolher
bem os seus quadros.
JUSP A seu ver, por que a Cert é tão atacada por
setores da Universidade? Por exemplo, é real que a Cert utiliza
como único critério de avaliação o número
de artigos publicados pelos docentes, o que levaria a desestimular
aqueles professores que se interessam preferencialmente pelas atividades
de ensino?
Cordani Essa pergunta merece um desdobramento. Com relação
aos critérios utilizados pela Cert, em primeiro lugar cabe
assinalar que o próprio regulamento dos regimes de trabalho
diz que o docente sujeito ao RDIDP está obrigado a
dedicar-se exclusivamente aos trabalhos de seu cargo, particularmente
no que diz respeito à investigação científica.
Isso mostra a importância de atividades de pesquisa para todo
docente em RDIDP, e obviamente os resultados da investigação
científica somente podem ser aquilatados se existirem as
respectivas publicações. Em segundo lugar, tendo em
vista que tradicionalmente os relatórios e os currículos
encaminhados para exame da Cert não trazem comentários
sobre as atividades didáticas dos professores, a dedicação
à docência não tem visibilidade. Quando muito
é indicada a carga didática e a listagem das disciplinas
ministradas. Mais ainda, a Cert reconhece a tremenda diversidade
da USP, de modo que não é possível utilizar
critérios uniformes para departamentos tão diferentes
como Bioquímica, Filosofia, Engenharia Metalúrgica,
Música, Geologia Sedimentar, Letras Modernas, Estatística,
Direito Internacional, Botânica, Administração
etc. Durante 2001, justamente para aperfeiçoar os seus critérios,
a Cert solicitou a todos os departamentos da USP que dissessem quais
seriam, em sua opinião, os indicadores de produção
acadêmica mais adequados em sua área de pesquisa. Cerca
de 150 departamentos da USP responderam, um número muito
expressivo. Assim, artigos em revistas internacionais indexadas
são considerados os melhores indicadores em certas áreas,
patentes em outras, livros nacionais em outras, CD-ROMs e softwares
para outras, e assim por diante. Tais indicações já
se fazem muito úteis nos trabalhos atuais da Cert e poderão
ser ainda mais utilizadas na futura atuação da CPA,
se esta vier a ser modificada conforme deseja o atual reitor.
JUSP Quais são os elementos de confronto mais utilizados
pelos docentes descontentes com a Cert?
Cordani Em qualquer juízo de valor, quem analisa,
julga ou avalia está sempre em posição delicada,
podendo facilmente ferir suscetibilidades. Muitas vezes o docente
sob análise acredita que possa ter sido criticado injustamente,
e eu diria que em alguns casos a própria Cert reconheceu
ter cometido alguma injustiça. Entendo que há três
pontos de grande relevância. Em primeiro lugar, há
muitos docentes da USP que não têm sido examinados
pela Cert, o que leva a um desequilíbrio funcional em relação
àqueles 40% que eventualmente são por ela examinados.
Em segundo lugar, o processo e os critérios de julgamento
devem ser claros e transparentes, entretanto nem sempre o são,
devido à comunicação por vezes incompleta,
por parte da própria Cert. Em terceiro lugar, os pareceres
e as determinações da Cert têm que ser legais
e legítimos, ou seja, perfeitamente adaptados às suas
normas de funcionamento. A Cert atua sistematicamente em concordância
com os regulamentos existentes, procurando, quando acha necessário,
os conselhos da Consultoria Jurídica, que também é
um órgão da Reitoria, como a Cert.
JUSP Atualmente os departamentos avaliam o desempenho de seus
docentes? Como deveriam fazê-lo?
Cordani Em primeiro lugar, durante o Fórum da
USP realizado em fins de 2000, em que tive a oportunidade de manifestar-me
a respeito de avaliação, disse que, a meu ver, todos
os docentes da USP deveriam ser avaliados, com relação
à sua produção acadêmica, e que essa
avaliação deveria ser efetuada no âmbito dos
respectivos departamentos, mediante critérios estabelecidos
por órgãos centrais. Existem alguns departamentos,
por sinal quase todos aqueles que foram bem avaliados no exercício
feito pela CPA nos anos 90, que efetuam as avaliações
individuais de seus docentes, mostrando que atingiram maturidade
acadêmica, e sabem muito bem escolher seus rumos. Por outro
lado, a grande maioria dos departamentos da USP não realiza
quaisquer avaliações, e os docentes têm ampla
liberdade de decidir a respeito de suas atividades. Não que
eu considere um mal o fato de o docente exercer sua liberdade de
escolha em relação ao objeto de sua pesquisa, entretanto
creio que as principais linhas de investigação deveriam
ser discutidas e aprovadas dentro de planos de metas coletivos e
coerentes, para cada departamento ou para cada núcleo interno
de pesquisa. Para mim, as pesquisas individuais dos docentes devem
relacionar-se de alguma forma com as diretrizes existentes nos respectivos
departamentos, determinadas coletivamente.
JUSP O senhor conhece os planos atuais do reitor em relação
aos mecanismos de avaliação preconizados para a USP?
O que viria a ser uma nova cultura de avaliação?
Cordani Tenho conversado com o reitor Adolpho Melfi
a respeito, e entendo que ele gostaria de implantar, talvez ainda
neste primeiro semestre de 2002, um sistema de avaliação
integrado, que possa atuar em todos os níveis, institucional,
interno (departamentos ou unidades) e individual (docentes). Quando
os membros da Cert, coletivamente, entregaram a ele seus cargos,
como é de praxe a cada mudança reitoral, o professor
Melfi pediu que todos permanecessem como membros da comissão
durante certo tempo, pelo menos enquanto se dá a necessária
transição para o novo sistema. De certa forma, o reitor
pensa acompanhar as sugestões efetuadas pela atual CPA ao
reitor Marcovitch no ano passado, bem como o que foi planejado pelo
grupo de trabalho que ele mesmo coordenou e que apresentou o plano
de avaliação institucional ao Conselho Estadual de
Educação. Em tal plano, o levantamento dos dados estatísticos
necessários para uma avaliação institucional
adequada da USP seria efetuado pelas Pró-Reitorias, mas uma
comissão central (que poderia ser uma nova CPA)
seria responsável pela consolidação do documento.
Basicamente, a CPA atual seria extinta, e a nova CPA
teria uma composição diferente e outra esfera de competência,
cuidando da avaliação institucional já mencionada,
bem como das avaliações internas (em nível
de unidades ou de departamentos). A avaliação individual
dos docentes caberia aos departamentos, os quais aplicariam critérios
emanados do próprio Conselho Universitário e transmitidos
pela nova CPA. Finalmente, a Cert permaneceria com as atribuições
regimentais que possui desde a sua origem, cuidando da supervisão
dos regimes de trabalho.
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