Afetividade
em detrimento do intelecto, praticidade
em detrimento da teoria. Ao longo dos anos, o senso comum desenvolveu
várias artimanhas para justificar uma inaptidão natural
das mulheres no trabalho do pensamento. Não há imagens
femininas positivas, que pareçam capazes de fazer e pensar
ao mesmo tempo.
Essa idéia se encontra logo na nota editorial de Cadernos
Espinosanos, periódico do grupo de estudos coordenado pela
filósofa e professora da FFLCH/USP Marilena Chauí,
que lança nesta quarta-feira uma edição especial
dedicada ao 8 de março. Provando que é possível,
toda a publicação foi feita pelas mulheres do grupo.
Ex-alunas de Marilena e principais responsáveis pelo projeto,
as doutorandas Tessa Moura Lacerda e Luciana Zaterka fizeram de
tudo: procura de artigos, revisão e preparação
dos textos, acompanhamento editorial e distribuição.
Foi difícil, pois éramos as únicas mulheres
no grupo com disponibilidade para se dedicar integralmente à
revista, diz Tessa, que desde a pós-graduação
se especializou em Leibniz. Logo em seguida, Luciana, atualmente
pesquisando a obra do filósofo Robert Boyle, ressalta que
apesar de todas as dificuldades, criadas em parte por nossa
opção de trabalho, conseguimos cumprir o cronograma
à risca. Além dos créditos de produção,
as duas assinam artigos na revista sobre os filósofos que
estudam. Luciana traduziu, juntamente com Eunice Ostrensky, o curioso
Ensaio Físico-Químico Contendo um Experimento
com Algumas Considerações acerca das Diferentes Partes
e da Reintegração do Salitre, de Boyle, um autêntico
exemplar da ciência empirista inglesa. Já Tessa preparou
uma biografia sobre o filósofo alemão Leibniz, como
introdução para jovens pesquisadores.
Os artigos, todos inéditos, cobrem uma vasta gama de assuntos,
incluindo medicina, política e metafísica. Tessa considera
que esta pluralidade temática, ao mesmo tempo que tornou
a revisão textual mais trabalhosa, transformou a revista
em um produto interessante não só para estudantes
de graduação e pós, mas para interessados em
filosofia em geral. Tanta pluralidade, porém, deixa
em aberto qual foi o critério na escolha dos artigos. São
todos de mulheres cuja especialidade é a filosofia seiscentista.
Essa é uma característica cada vez mais marcante no
Grupo de Estudos Espinosanos, que já não mais se resume
à obra de Espinosa, esclarece Luciana.
Mas a iniciativa de fazer uma revista apenas com mulheres, inédita
nas publicações do gênero, não poderia
incitar reações contrárias no público
masculino? Por enquanto, ninguém reclamou de nada,
concordam as doutorandas. Não há nenhum ranço
feminista no projeto. O verdadeiro objetivo era mostrar que quando
um grupo coeso age com determinação, o trabalho funciona,
comenta Tessa. Luciana conclui: Os homens do grupo só
têm elogiado. De qualquer forma, na próxima edição
eles já voltam a participar.
O
lançamento da edição especial de Cadernos Espinosanos
acontece nesta quarta, no Departamento de Filosofia da FFLCH/USP
(av. Prof. Luciano Gualberto, 315, sala 14, Cidade Universitária,
tel. 3091-3761), com a palestra Nota
para um Rodapé Selvagem, às 18h30, ministrada
pela professora Marilena Chauí. E às 19h, começa
a sessão de autógrafos e um coquetel com a presença
de todas as autoras da revista, que será vendida a R$ 10,00.
|