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Professores, pedagogos, associações de escritores e o próprio Ministério da Educação estão em busca de rumos e de metodologia para o ensino da literatura portuguesa. A desorientação é geral e sobram críticas ao governo: “O ministro Paulo Renato lamentou o desastroso desempenho de nossos estudantes do ensino médio que, no exame sobre leitura de textos, pegaram o último lugar. E ainda foi grande sorte que abaixo de último não houvesse mais nada, porque, caso contrário, seria o que pegaríamos”, diz a professora titular de Literatura Portuguesa na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Maria Helena Nery Garcez. Outra professora da USP, Neide Luzia de Rezende, responsável pelo curso de Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa na Faculdade de Educação, depois de observar que o aluno brasileiro não lê, pergunta: “Mas os professores lêem?”. Daí porque, segundo ela, a questão fundamental é formar bons professores, pois só eles saberão usufruir da leitura e levar os alunos a isso. “Literatura não é ciência exata, não tem receita. O professor tem que ler e ter gosto pela leitura.” Neide e Maria Helena dão razão ao presidente da União Brasileira de Escritores (UBE), Claudio Willer (leia texto abaixo), quando investe contra a política do MEC em relação ao ensino da literatura, especialmente contra os Parâmetros Curriculares Nacionais, que são orientações sobre disciplinas, do ensino básico ao médio, devendo servir como critérios e subsídios para as escolas definirem seus modelos pedagógicos.
Neide Rezende não é tão rigorosa com todos os parâmetros emanados do MEC. Apenas com os relativos ao ensino médio. Os que se referem às disciplinas de 1ª à 4ª. série, há mais tempo em vigor, “orientam bem os trabalhos na escola; os da 5ª à 8 “têm furos, mas buscam discutir metodologias para o ensino da língua portuguesa (antes muito presos ao simples conteúdo gramatical) e têm cumprido seu papel”. Mas no ensino médio, os PCNs “não são parâmetros de nada. São genéricos e tocam de forma muito ruim no ensino da literatura. As escolas se reúnem, tentam entender o que não é possível entender.” A professora da Faculdade de Educação diz que está em jogo um novo modelo de ensino da literatura, que antes se prendia muito a épocas e autores, sem que o aluno entrasse em contato direto com os textos. Esse é um modelo fragmentado do século 19, que poderia ser mais apropriadamente considerado ensino da história da literatura. Isso tem que mudar e começar a mudar desde o ensino fundamental. O aluno precisa desfrutar de textos de qualidade, mais elaborados, embora não necessariamente os clássicos. Mas que livros? Os parâmetros do MEC não ajudam e, de acordo com o presidente da UBE, confundem ainda mais, insistindo numa criatividade coletiva em classe que acaba desmerecendo o próprio ensino da literatura. Neide, que recentemente participou da elaboração de uma lista de 200 obras que deveriam ser adquiridas pelas bibliotecas públicas de São Paulo, considera fundamental que a obra sugerida tenha qualidades estéticas, valor do ponto de vista linguístico e ético, indo além das questões e hábitos cotidianos. “O aluno vai para a escola para refletir e o texto tem de ajudá-lo.” A política das editoras nacionais também não ajuda muito a escola. Desde o primário os livros estão mais voltados para o comércio e, no ensino médio, para o vestibular. Valorizam-se muito obras com visões estereotipadas do mundo, tipo Harry Potter, e interesses imediatos.

Nota para quem dá nota

“Embora os PCNs tenham pontos muito positivos na questão do ensino de português, que não é só língua mas também literatura, esse ensino ficou muito falho”, lamenta Maria Helena. “Toda a ênfase dos PCNs é para uma educação em que se privilegiem as manifestações criativas dos estudantes em representações, composições musicais, canto, dramatizações, etc. Tudo isso é bom? Obviamente, sim. Mas caímos no extremo oposto de negligenciar e de dar pouca ênfase nos estudos literários que fazem refletir, assumir posições analíticas, críticas, amadurecer, em suma.”
A professora do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas conta que, dias antes do comentário do ministro da Educação a propósito do desempenho dos alunos brasileiros no teste de interpretação de leitura promovido pela Unesco, recebeu mensagem de uma professora do Rio de Janeiro, que dizia já ter sido suprimido o ensino da literatura no ensino médio. “Aqui mesmo em São Paulo, no ano 2001”, acrescentou Maria Helena, “já houve uma alta autoridade uspiana que era de opinião que não deveria haver questões de literatura no vestibular”.
No entender da professora, os resultados do exame da ONU comprovam que “países civilizados ensinam a ler, a ler bem, isto é, compreender o sentido dos textos que se lêem. Um dos grandes méritos do ensino da literatura é precisamente esse. E nosso ministro se disse surpreso e lamentou... Mas, e as indicações de aprovar que as escolas públicas do ensino médio recebem? E as indicações aos corretores de provas de Português do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) para subirem as notas? Com todas essas inasistentes indicações recebidas, a média do Enem baixou 1 ponto! Imaginemos se as notas fossem reais, aquelas que, de fato, as provas mereciam.
Maria Helena ainda pondera: “A crise de energia — foi o que nos disseram — pegou de surpresa o mais alto governo do País. O baixo desempenho dos nossos estudantes do ensino médio também. Será que já não está na hora de darmos nós uma nota para o desempenho de quem dita leis, normas, indicações e parâmetros?”

 




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