Dividir para conquistar. O lema é antigo, e não
nasceu com este sentido, mas pode ser aplicado à iniciativa
que tem mantido cheias as agendas da Cia. São Jorge de Variedades,
do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, do Grupo Isla Madrasta
e da Cia. Bonecos Urbanos. Em maio do ano passado, as quatro companhias
ganharam o direito de utilizar o Teatro Arena Eugênio Kusnet,
através de um edital em que apresentavam seu projeto conjunto
de reaproveitamento do espaço.
Ao mesmo tempo em que tínhamos uma dificuldade absurda
em arranjar lugares para as peças, o Arena estava praticamente
abandonado pelo governo federal, diz Marcelo Reis, assistente
de direção da Cia. São Jorge de Variedades
em dois espetáculos que esta mantém em cartaz, Um
Credor da Fazenda Nacional e Biedermann e os Incendiários.
Formado pelo Departamento de Artes Cênicas da ECA/USP em 94,
Reis explica que as companhias já se conheciam por
aí e, como enfrentavam problemas semelhantes, optaram
pela união de forças. Um só grupo não
teria como gerir toda a estrutura que temos agora. O rodízio
de apresentações em horários fixos permite
uma circulação de público bem maior, e nos
dá a oportunidade de realizar oficinas e eventos especiais.
Os eventos a que Reis se refere incluem as sessões
malditas, à 0h de cada sexta e sábado, nas quais
grupos do circuito profissional são chamados para apresentarem
seu trabalho por duas semanas. Há também, na última
quinta-feira de cada mês, uma atividade gratuita aberta à
comunidade, que tanto pode ser uma festa quanto uma apresentação
sem grandes custos de montagem.
Além do assistente de direção, grande parte
dos componentes da Cia. São Jorge de Variedades é
formada na ECA, inclusive a atual diretora, Georgette Fadel. Ela
também estava conosco no espetáculo Um Credor da Fazenda
Nacional, que foi seu trabalho de conclusão no curso,
diz Reis. A peça estreou no próprio teatro laboratório
da ECA, e foi remontada no Teatro Arena em 9 de fevereiro deste
ano. Baseada em diversos textos do dramaturgo Qorpo Santo, conta
a trajetória de um homem que tenta em vão receber
do governo uma soma que lhe é devida.
Já a outra montagem, Biedermann e os Incendiários,
do suíço Max Frisch, pôde contar desde o início
com as vantagens do Harmonia na Diversidade e com o acaso,
também. Trata-se de uma peça sobre visões
distorcidas do mundo, sobre covardia burguesa, sobre ignorância.
Estreamos no dia 8 de setembro do ano passado e, três dias
depois, uma catástrofe relacionada exatamente a isso deixou
o planeta de ponta cabeça, afirma Reis, referindo-se
aos atentados contra o World Trade Center. Na peça, Biedermann
é um pequeno-burguês cuja cidade está sendo
assolada por misteriosos incêndios. Um dia, bate em sua porta
um desconhecido em busca de abrigo. Tolhido por sua própria
culpa e seus bons sentimentos, Biedermann não
toma atitude nem ao perceber que, hospedado, o forasteiro trouxera
um amigo e vários galões de gasolina, e o burguês
acaba participando de sua própria destruição.
Reis diz que Biedermann já não justifica mais
seu sucesso de público e crítica através dos
atentados, houve um grande amadurecimento desde então. Nós
encenamos a peça durante o último Fórum Social
Mundial, em Porto Alegre, e a recepção foi muito boa.
A atualidade do texto permite essa identificação com
a platéia.
Agora que o Harmonia na Diversidade deu certo, quais seriam os novos
planos? Por enquanto, renovar o edital, com as mesmas quatro
companhias. Ainda estamos consolidando o projeto, e planejamos até
transformá-lo num movimento. Manteremos a estrutura de rodízio,
agora com novas montagens, diz Reis. Biedermann e Um Credor
da Fazenda Nacional ficam em cartaz até o fim de maio, quando
também expira o prazo do primeiro edital. Se tudo der certo,
a Cia. São Jorge de Variedades retornará ao Arena
entre setembro e outubro, com a peça Bastianas, baseada em
textos de Jairo Camilo. A perspectiva é otimista. O Teatro
Arena, na falta de um, tem quatro motivos para comemorar.
O
projeto Harmonia na Diversidade funciona em sistema de rodízio
de companhias. Atualmente, estão em cartaz Um Credor da Fazenda
Nacional (sábados às 19h e domingos às 18h),
Biedermann e os Incendiários (sextas e sábados às
21h30, e domingos às 20h30) e, na sessão maldita,
Deus Sabia Tudo e Não Fez Nada, do convidado Newton Moreno.
O Teatro de Arena Eugênio Kusnet fica na r. Teodoro Baima,
94, Centro, tel. 3256-9463. Ingressos: R$ 10,00.
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