De virgem inocente a prostituta
requisitada, de alvo de apedrejamentos a discípula de Jesus.
Independente da orientação religiosa, não há
como negar que a história de Maria Madalena representa em
cores fortes o desespero e a busca pela redenção.
Tanto que a autora francesa Marguerite Yourcenar dedicou um dos
nove contos de seu livro Fogos à personagem, que relata em
monólogo sua versão dos acontecimentos. No texto,
Madalena lamenta ter amado um homem que a abandonou por Deus
o último recurso dos solitários
e, posteriormente, ter-se tornado uma seguidora que só conseguiu
se salvar da própria felicidade.
Enquanto ainda atuava como atriz no Peru, Merle Ivone Barriga teve
seu primeiro contato com a história, e logo surgiu a idéia
de uma montagem teatral. Sem realizar o desejo lá, Ivone
o trouxe através das Cordilheiras até o Brasil, para
onde veio cursar direção no Departamento de Artes
Cênicas da ECA/USP. A oportunidade viria finalmente em seu
Trabalho de Conclusão de Curso, no qual pôde dar forma
física ao tormento descrito por Yourcenar. Para isso, contou
com a ajuda de Rosana Carvalho, que já havia feito seu trabalho
final em Interpretação, mas, ao tomar conhecimento
do livro, topou ser protagonista da peça.
Os ensaios começaram em janeiro deste ano, ainda sem muita
idéia de qual seria o resultado. Tudo foi se construindo
conforme trabalhávamos na transposição para
o teatro, diz a diretora. Fogos foi escrito num momento
muito crítico da vida pessoal da autora, e isso transparece
no lirismo com que ela constrói seus contos sobre o amor,
diz Ivone. Tivemos que, de certa forma, limar
o texto até ficarmos somente com o essencial para o entendimento
da trajetória. A cenografia também evoluiu,
conforme avançavam os trabalhos. Rosana lembra das várias
conversas que teve com a diretora, buscando os objetos que melhor
representassem os sentimentos da personagem. Um dia, a Ivone
me perguntou que sensação física mais se ligava
à solidão. Como a resposta foi frio, resolvemos
colocar cubos de gelo na cama de Madalena, fazendo-a interagir com
eles enquanto conta sua história. Para compor a trilha
sonora, a diretora escolheu madrigais de Philipp Glass religiosos,
porém com uma abordagem mais moderna, diz e
músicas tribais para as cenas de dança.
O que mais chama a atenção na montagem, porém,
é a atuação do público. A idéia
inicial de utilizar um ator para representar Jesus foi descartada,
em favor de um monólogo no qual os espectadores acompanham
Madalena pelo palco. Partindo da escuridão total, a platéia
é conduzida através de uma ante-sala forrada de pétalas
de rosas para um grande confessionário de metal, terminando
o espetáculo sentada dentro do quarto da personagem. Acreditamos
que essa utilização espacial permite um contato muito
mais próximo entre ator e observador. Em todos os momentos,
Madalena está olhando nos olhos de quem testemunha seu sofrimento.
Um palco convencional tornaria interações como essa
impraticáveis, diz Ivone. Seu desejo de aproximar a
encenação da recepção estava expresso
na frase do dramaturgo Artaud, que serve como epígrafe da
peça: No estado de degenerescência em que nos
encontramos, é através da pele que faremos a metafísica
entrar nos espíritos.
Maria
Madalena ou A Salvação fica em cartaz até
28 de abril, às sextas (18h), sábados (21h30) e domingos
(20h30) e tem duração de 45 minutos. Na Sala Protótipo
ECA/USP, que fica na av. Prof. Luciano Gualberto, trav. J, 215,
Cidade Universitária. Capacidade: 25 lugares. Os ingressos
são gratuitos e devem ser retirados uma hora antes ao lado
na bilheteria do Teatro Laboratório da ECA. Mais informações
pelo tel. 3091-4375.
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