Em
três dias, 51.127 pessoas se inscreveram para as 193 vagas ao
cargo de Auxiliar de Papiloscopista, num concurso aberto pela Academia
de Polícia entre os dias 2 e 4 de abril. Muitos dos que arriscaram
a sorte sabiam sequer o significado de papiloscopista (funcionário
que toma as impressões digitais das pessoas). Eu sei
que é mexer com morto, essas coisas, e eu gosto!, disse
Rosemeire de Fátima Pereira de Andrade, 28 anos, auxiliar de
produção desempregada há três anos. Ela
foi uma das entrevistadas da rádio USP que, no último
dia de inscrição, enfrentou os quase três quilômetros
da fila, segundo levantamento da mesma emissora.
O salário, de apenas R$ 527,32, certamente foi um dos atrativos
aos candidatos às vagas da Acadepol, já que o valor
está acima do que ganha a metade dos ocupados da região
metropolitana de São Paulo, segundo Paula Montanheri,
gerente de análise da Fundação Seade/Dieese.
O que quer dizer que cerca de 4 milhões na Grande São
Paulo ganham menos de três salários mínimos por
mês.
O delegado divisionário da Secretaria de Concursos Públicos,
Acrísio Soares, atribui a grande procura àquela vaga,
em parte, à credibilidade da instituição, à
exigência mínima de 1º grau completo, ao problema
do desemprego no País e também ao valor da inscrição
(R$ 5,00).
O número de inscritos pegou de surpresa até a Acadepol,
que teve de montar esquema especial de atendimento. Foram 120 atendentes
por dia, com reforço do Grupo de Operações Especiais
(GOE) e Garra, além de policiais da própria Academia.
Ainda não há data marcada para a prova escrita, da qual
sairão 400 finalistas que disputarão as 193 vagas.
A estabilidade oferecida por um cargo público, além
da possibilidade de ascensão de carreira, está entre
os quesitos que mais atraem a atenção dos que concorrem
a uma vaga no setor público. Para o professor Anselmo Luís
dos Santos, economista e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais
e de Economia do Trabalho (Cesit) do Instituto de Economia da Universidade
de Campinas (Unicamp), a possibilidade de ingressar numa carreira
pública pode ser um paraíso no meio de uma tempestade.
Santos acrescenta que a enorme procura para a vaga da Acadepol não
representa um caso isolado.
Em outros concursos públicos, a situação
é a mesma. Numa sociedade tão instável economicamente,
a opção pela segurança é um dos fatores
que movem os candidatos. Há quem queira a carreira pública
pela estabilidade, mas há também aqueles que buscam
emprego público porque não há vagas no setor
privado, diz.
Turbulências
de uma realidade instável
Só
para citar um exemplo da escassez de emprego, existem 1,7 milhão
de desempregados na região metropolitana de São Paulo,
de acordo com os números do Seade de fevereiro; em contrapartida,
em todo o Estado foram gerados apenas 162 mil novos postos de trabalho
entre fevereiro de 2001 e fevereiro de 2002. Ou seja, em um ano
foram geradas menos de 0,1% das vagas de que o mercado paulista
necessita.
A reduzida taxa de crescimento da economia na década de 90
foi uma das principais razões apontadas para o aumento do
desemprego no país, segundo a maioria dos entrevistados pelo
Jornal da USP. Nos anos 90, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu,
em média, 1,8%. Essa foi a menor taxa de crescimento decenal
da história do PIB brasileiro. Nos anos 80, a economia cresceu
em média, 2,9%, e na década anterior, 8,8%.
Levantamento da Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade
da prefeitura de São Paulo mostra que seria necessário
que a economia crescesse 5,5% ao ano para absorver 1,5 milhão
de brasileiros que ingressam anualmente no mercado de trabalho.
Outro forte motivo do aumento de desocupados está ligado
à adoção de um novo modelo econômico
no Brasil a partir de 1990, fundamentado na ampla abertura comercial,
financeira, produtiva e tecnológica. Tal política
econômica atingiu em cheio os grandes centros urbanos do País.
A cidade de São Paulo, por exemplo, perdeu 580 mil empregos
assalariados com carteira assinada, além de 4 mil empresas
do setor industrial, ainda segundo dados da Secretaria Municipal
do Desenvolvimento.
Assim, a partir de 1990, coincidentemente com a implantação
das medidas de modernização da economia, nota-se que
a taxa de desemprego aberto (veja os conceitos para o termo e também
as diferenças de metodologia na página seguinte) praticamente
dobrou. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) mostram que a taxa média de desemprego aberto nas
seis principais regiões metropolitanas brasileiras passou
de 3,35% em 1989 para 7,56% em julho de 2001.
Na região metropolitana de São Paulo, a taxa média
de desemprego aberto passou de 3,44% em 1989 para 8,31% em julho
de 2001, pelos dados do IBGE. Em fevereiro deste ano, essa taxa
ficou em 9,2%. Já os números da Fundação
Dieese/Seade mostram que o desemprego aberto passou de 6,59%, em
1989 para 12,06% em 1999. No entanto, se olharmos o conceito de
desemprego total do Seade/Dieese, a taxa média para a região,
divulgada em fevereiro último, já passa de 19%.
Por outro lado, as políticas tributárias, fiscais,
monetárias, de juros, crédito, comércio exterior
e câmbio, entre outras, produziram, ao longo da década,
uma piora no quadro de baixo crescimento econômico, desemprego
e subemprego.
No caso da política de juros, esta não é
favorável ao crescimento desde 1995 e está ligada
a como foi implantada a própria política econômica
após o plano de estabilização. Os juros altos
são um instrumento usado para conter a inflação
e atrair o capital externo, diz a professora titular da Faculdade
de Economia, Adminstração e Contabilidade, Maria Cristina
Cacciamali. Com isso, as taxas de juros elevadas e a baixa capacidade
de exportação formam o binômio perverso
para o crescimento econômico, diz Maria Cristina.
O governo está olhando mais a estabilidade de preços.
Com relação à política de juros, a verdade
é que o Brasil ainda não se acertou corretamente para
poder ter uma política de juros baixos sem voltar a inflação,
diz o professor titular da Faculdade de Economia, Administração
e Contabilidade da USP, José Paulo Chahad.
A política de tributos representa outro importante fator
para a análise do desemprego no País. A carga
tributária para as empresas é um caso muito sério.
A política nessa área caracteriza-se pela desorganização
e produz um efeito em cascata, incidindo sobre a mesma base tributária.
O conjunto dos impostos foi colocado de forma emergencial e está
em vigor até hoje. Trata-se de um assunto que requer urgente
reestruturação, afirma a professora.
Nesse contexto, as perdas salariais com a não-reposição
das margens inflacionárias, a redução da renda
média do trabalhador em conseqüência da alta rotatividade
nas empresas e o aumento do emprego informal acentuam o quadro recessivo
da economia brasileira na medida em que reduzem o consumo.
Flexibilização
e insegurança
Num
cenário caótico, a flexibilização das
leis trabalhistas, cuja votação acabou sendo retirada
da pauta de urgência do Congresso, foi apontada por alguns
entrevistados como mais um desestabilizador do mercado de trabalho,
já que aumenta o sentimento de insegurança entre os
trabalhadores.
A flexibilização cria condições
favoráveis para o empregador, mas também gera um grau
de insegurança maior em todos os trabalhadores. O aspecto
principal do projeto é que a negociação trabalhista
entre as partes prevalece e tem força de lei, o que pode
anular direitos já conquistados há anos, afirma
a professora Maria Cristina.
Estudo divulgado em 2000 pela Organização Internacional
do Trabalho (OIT) mostra que a flexibilização das
leis trabalhistas na América Latina não resultou em
maior expansão do nível de emprego nem reduziu o desemprego;
ao contrário, causou aumento da precarização
dos postos de trabalho.
Estudo semelhante realizado em 1999 pela Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) em países desenvolvidos mostra que não se identificou
a redução do desemprego ou o aumento do emprego com
as aqueles alterações. Também foram identificados
sinais de aumento dos postos precários.
Segundo Marcio Pochmann, secretário do Desenvolvimento, Trabalho
e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo, economista, pesquisador
e professor do Instituto de Economia da Unicamp desde 1990, 21 novas
medidas de flexibilização das leis do trabalho já
foram implantadas e só houve aumento do desemprego. Se
no Brasil a flexibilização der certo, será
um caso único no mundo. O que causa espanto é que
aqueles que falam que a flexibilização das leis trabalhistas
causaria um aumento no emprego não apresentam um estudo sequer
para provar isso, desafia Pochmann.
Globalização
e discurso do profissionalismo
Diante
da constituição de uma nova divisão internacional
do trabalho, os postos de melhor remuneração e de
maior qualidade são realocados eminentemente para países
centrais, que têm maior potencial de investimento e inovação
tecnológica, de acordo com Pochmann. Segundo o professor,
80% do potencial de investimento está concentrado nos países
do G7. Por outro lado, 70% da ocupação dos subdesenvolvidos
está no setor agrícola, ao passo que 70% da mão-de-obra
dos desenvolvidos está em serviços, o que os torna
mais imunes às competições internacionais.
É mais fácil competir entre produtos do que
entre serviços, afirma Pochmann, que escreveu livros
sobre o tema, entre os quais Globalização e Desemprego.
A escassez de postos de trabalho não é um problema
exclusivo do Brasil, mas de todo o planeta. Existe muito mais gente
procurando emprego no mundo do que vagas ofertadas. Se todos se
derem conta disso e que a profissionalização, simplesmente,
não será suficiente para que todos arranjem trabalho,
pode até ser, numa situação extrema, que se
gere uma situação de convulsão social. Essa
é a visão da professora Leny Sato, do Centro de Psicologia
Aplicada ao Trabalho do Instituto de Psicologia da USP.
Existe um discurso segundo o qual o indivíduo tem que
ser competente. Tem que saber tudo, falar inglês, fazer cursos...
Quem não trabalha tem uma conotação de vagabundo.
O trabalho assumiu um valor ético-social muito grande, maior
até que o próprio valor de seu produto, e a pessoa
que não consegue trabalho culpa a si mesma por isso. Muitos
procuram o Centro de Psicologia da USP para se adequar.
Isso não existe. A verdade é que o direito à
vida não tem necessariamente de estar atrelado à capacidade
de trabalhar e gerar renda. Esse pensamento começou com a
sociedade industrializada, diz Leny.
A profissionalização não pode ser olhada
isoladamente. É preciso investimento em setores que vão
absorver a mão-de-obra, conclui o professor Chahad.
IBGE
terá nova metodologia
Pesquisa
Mensal de Emprego (PME) do IBGE, que avalia a taxa de ocupação
média no mercado de trabalho, está em fase de reestruturação
e receberá adaptações que expressam com mais
precisão a realidade brasileira, segundo chefe do Departamento
de Emprego e Rendimento da instituição.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
está implantando uma revisão na sua atual metodologia
aplicada à Pesquisa Mensal de Emprego (PME) e, segundo Angela
Filgueiras Jorge, chefe do Departamento de Emprego e Rendimento
da instituição, a mudança deverá ser
anunciada oficialmente até o final deste ano. O novo
questionário já vem sendo aplicado paralelamente ao
atual. Seus resultados ainda não são divulgados oficialmente
porque o novo método está em fase de estudo. Até
o final deste ano, divulgaremos sua substituição,
afirma.
A composição atual da metodologia da PME segue um
padrão internacional, cujas definições são
reconhecidas pela Organização Internacional do Trabalho
(OIT) e, portanto, permite que os números possam ser comparados
com outros países, dentro dos mesmos conceitos, segundo Angela.
É possível, por exemplo, verificar com detalhes
quem são os ocupados, postos que ocupam, remuneração
etc. No entanto, sabemos que precisamos conhecer melhor os inativos.
A revisão permitirá visualizar mais detalhadamente
e profundamente quem são os desocupados e inativos,
diz.
Atualmente, os três componentes principais da PME são
o desemprego aberto (que caracteriza as pessoas que não estão
trabalhando e procuraram trabalho no período de referência,
que pode ser de uma semana ou 30 dias); o ocupado (inclui as pessoas
que realizaram trabalho remunerado por pelo menos uma hora na semana
de referência; ou as que realizaram trabalho não remunerado
por pelo menos 15 horas na semana de referência); além
do inativo (indivíduo não trabalhou e não procurou
trabalho por achar que não vai encontrar).
A revisão da PME do IBGE já vem sendo aguardada há
algum tempo por estudiosos, consultores e economistas. Essa
questão da metodologia do desemprego, IBGE x Seade, é
uma discussão antiga, de base técnica e também,
obviamente, política. Na questão metodológica,
trata-se de discutir qual o melhor método para medir o desemprego
no Brasil. A minha opinião é: nem um nem outro, o
ideal seria algo intermediário. A revisão da metodologia
do IBGE cai numa pergunta: Como e quando fazer essa mudança.
Claramente, essa é uma questão política. Quem
fizer essa alteração a favor da transparência,
embora explique a mudança metodológica, poderá
manipular isso de tal forma que possa parecer que foram os números
do desemprego que mudaram naquele momento e não que tenha
se tratado meramente de uma mudança metodológica.
Além disso, nas estatísticas internacionais, seria
necessário explicar muito bem que a revisão não
foi um salto momentâneo no desemprego, mas fruto de uma mudança
de metodologia. Por conta disso eu digo que essa é uma questão
técnica e política, afirma o professor Gilberto
Dupas.
Trabalho
precário
A metodologia
do Seade emprega os seguintes conceitos principais em seu questionário
da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED): desemprego aberto (caracteriza
as pessoas que não estão trabalhando e procuraram
trabalho nos últimos 30 dias; o período de referência
de uma semana não é usado, ao contrário do
IBGE); desempregado oculto pelo desalento (é a pessoa que
não está trabalhando e nem procurou trabalho nos últimos
30 dias por achar que não iria encontrar, embora tenha procurado
nos últimos 12 meses; vale notar que, para o IBGE, esse indivíduo
é considerado inativo); desempregado oculto pelo trabalho
precário (pessoa que usa a maior parte do tempo procurando
trabalho e também tem um bico, ou seja, um trabalho
sem continuidade; notar que para o IBGE esse indivíduo é
considerado ocupado).
Tenho impressão que nossos dados estão bem próximos
da realidade, no sentido de que a metodologia que desenvolvemos
se aproxima mais das realidades nacionais. Trata-se de posições
teóricas e políticas diferentes. Na minha opinião,
se o desemprego e o subemprego não fosse tão grande,
não haveria filas de dobrar quarteirão cada vez que
abre uma vaga, diz Paula Montanheri, gerente de análise
da Fundação Seade.
Na minha opinião, os números do desemprego no
Brasil não representam tudo aquilo que a imprensa fala. Se
olharmos as estatísticas de desemprego, os números
não estão aumentando. A divergência que tenho
com a imprensa é essa. Parece que não querem que o
desemprego caia, afirma o professor de economia da FEA, José
Paulo Chahad.
Mercado
informal: cada vez mais uma saída?
Se você
cansou de procurar o emprego formal, com carteira assinada, e percebeu
que para seu sustento só restaram outras alternativas, como
montar uma base de trabalho em casa ou comprar um carrinho
de cachorro-quente, ou ainda aceitar as condições
pouco favoráveis do trabalho temporário ou sem carteira
assinada, saiba que outros milhões estão na mesma
situação, de estudantes a trabalhadores especializados.
Na entrevista abaixo, o professor Gilberto Dupas, coordenador-geral
do Grupo de Conjuntura Internacional (Gacint) da USP, explica algumas
razões que criaram essa nova realidade no mercado de trabalho
brasileiro.
Jornal
da USP Por que o emprego informal cresceu tanto no Brasil?
Gilberto Dupas A partir da abertura econômica,
a abertura à competição internacional forçou
as empresas brasileiras a ser muito mais produtivas com relação
à utilização da mão-de-obra, ao mesmo
tempo em que a automação aumentou intensamente. Essa
competição maior acabou levando a uma mudança
de atitude no empresariado brasileiro. As empresas passaram a ser
mais cautelosas e a usar fundamentalmente, em vários casos,
a substituição do trabalho formal pelo trabalho flexível
e pela terceirização, de modo a diminuir os custos
rígidos com mão-de-obra e poder ser mais flexíveis
diante das crises futuras. A conseqüência principal disso
é que se inverteram as curvas (emprego formal x informal)
e a participação no mercado de trabalhadores formais
com carteira assinada foi diminuindo, ao passo que o informal, o
autônomo, e o flexível, em geral, foi aumentando.
JUSP
O que quer dizer que a empresa, para ser mais produtiva,
precisa empregar informalmente?
Dupas Para a empresa ser mais eficaz, dentro do conceito
atual de eficácia, ela acaba produzindo só aquilo
que tem muita especialidade e acaba delegando a terceiros, pequenos,
médios e até muito pequenos, uma parte significativa
da sua produção, fazendo com que, nesse segmento,
o mercado de trabalho informal tenha uma participação
muito maior. Então, nessa inversão de tendências,
hoje praticamente 56% do mercado brasileiro é flexível
e 44% é formal.
JUSP
O que acarreta essa vertiginosa informalização
do
mercado de trabalho?
Dupas Na média, quando o indivíduo passa
do trabalho formal para o informal, ele tende a ter uma perda média
de renda da ordem de 30%. E numa parte expressiva dos casos, o trabalhador
flexível não paga imposto ou foge do imposto e, com
isso, ele tem com o Estado uma relação contraditória
que é, de certo modo, persecutória. Assim, a base
dos trabalhadores que contribuem para os fundos universais (previdência,
saúde etc.) diminui, e o Estado se sente cada vez mais incompetente
para poder garantir universalmente aos trabalhadores o tipo de serviços
que garantia quando predominava o trabalho formal. Além disso,
há uma espécie de dor de passagem clara.
Isso porque, durante gerações, os jovens foram instruídos
que a sua meta principal era conseguir um emprego formal; de repente,
perceberam que isso é impossível e que, portanto,
só resta buscar uma adequação no mercado flexível.
JUSP
Como se comporta o trabalhador informal em relação
ao consumo?
Dupas A atitude do trabalhador flexível com relação
ao mercado em geral muda; em relação ao crédito,
por exemplo, à prestação, à casa própria...
O informal desconfia mais do seu fluxo futuro de renda; tenta comprar
à vista; a inadimplência é maior. Em certos
casos, ele prefere pagar aluguel a assumir uma dívida longa
de casa própria, já que não sabe onde vai estar
trabalhando amanhã, dada a mobilidade do emprego flexível.
JUSP
Em relação ao emprego formal, o que aconteceu
no Brasil nesse processo de abertura econômica?
Dupas Aumentou o índice médio de desemprego
formal devido à automação e ao processo de
terceirização. Além disso, o trabalhador formal
também está tendo uma perda de renda progressiva,
com a troca de trabalhadores formais de salários mais altos
por outros de salários um pouco mais baixos. Como a informação
e a qualificação passam a ser instrumentos essenciais
que todos devem ter, deixando de ser apenas um instrumento diferenciador,
é cada vez mais fácil buscar mão-de-obra especializada
a um preço mais barato num regime que não é
de pleno emprego. As estatísticas mostram que, a partir de
98, há um decréscimo contínuo de renda média
do trabalhador formal e da massa salarial, que se reflete, principalmente,
numa certa contenção da demanda. A demanda no Brasil,
hoje, só cresce quando o crédito aumenta; quando o
crédito reflui, seja por inadimplência, seja por aumento
da taxa de juros, a demanda diminui.
JUSP
Houve, em 2000 e 2001, uma tendência de redução
do mercado informal. Há quem defenda que isso pode sinalizar
um crescimento da economia. Quais as contradições
e as verdades desse ponto de vista, na sua opinião?
Dupas Após o contínuo crescimento do
mercado informal desde o final dos anos 80, houve em 2000 uma pequena
inversão desse crescimento. Ainda não existe uma explicação
convincente para esse fenômeno e sim, hipóteses. Pode
ser que a flexibilização do mercado de trabalho brasileiro
tenha atingido uma escala tão grande que a partir daí
ela tenda a ficar oscilando em torno desse valor. Também
pode ser que, em função da queda recente do salário
médio dos empregados formais, tenha sido um pouco mais vantajoso
às empresas contratarem formais a um salário mais
baixo do que terceirizarem, em função até de
questões trabalhistas, de fiscalização, ou
até de um controle maior que se pode ter sobre o trabalhador
formal. Um terceiro ponto está ligado à metodologia
e envolve como a questão do desalento afeta o cálculo
do índice de emprego, pois o desempregado por desalento (aquele
que desiste de procurar emprego por achar que não vai encontrar)
sai da base de cálculo da População Economicamente
Ativa (PEA) e isso pode afetar de maneira diferente o próprio
nível do desemprego.
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