Por mais que pareçam descompromissados com políticas de inclusão/exclusão social, os resultados trazidos pelos reality shows (shows da vida real) têm-se manifestado no sentido de “incluir” pessoas excluídas socialmente. Também a retidão de caráter é festejada nesse tipo de evento. Veja-se o drama vivido pela atriz Bárbara Paz, na primeira “Casa dos Artistas”, transmitida pelo SBT. E também o quanto o roqueiro Supla conquistou o público com seu caráter voltado a ajudar, ninguém mais, do que a sofrida Bárbara Paz. Não foi diferente no “Big Brother Brasil”, transmitido pela Rede Globo. O dançarino Kléber, que ficou conhecido como Bambam, conquistou o prêmio no momento em que, diante das câmeras, não poupou lágrimas para lamentar a perda da boneca Maria Eugênia que lhe fazia companhia. Dizendo-se “muito só”, tinha na boneca - montada por ele - o suposto conforto de que necessitava. O público identificou-se com o seu sofrimento e deu-lhe o prêmio. A professora Maria Thereza Fraga Rocco, titular da Faculdade de Educação da USP, que há cerca de 20 anos estuda a linguagem televisiva, indentifica, nos ganhadores, características que os tornam socialmente menos atraentes, como o militar nordestino que ganhou o segundo “No Limite”, a cabeleireira, “gordinha” que ganhou o primeiro, a própria Bárbara Paz e o dançarino Kléber. “Este rapaz esteve quatro vezes no paredão e voltou”, diz a professora. Para o “paredão” vão os concorrentes passíveis de ser eliminados pelo público. “Premiá-los seria uma forma de as pessoas ficarem bem consigo mesmas, como se estivessem fazendo algo bom pelo povo brasileiro”, acredita.
Tudo isso sem contar o aspecto pathológico, que nada tem de doentio, mas significa algo apaixonante ou apaixonável. A palavra vem de pathos, que significa paixão. Portanto, a com-pathos - compaixão - contemplou Kléber Bambam: “Ele venceu por ser a pessoa que falava errado, meio meninão, ingênuo, vindo do interior, que chorou de verdade, levando o telespectador a unir-se em compaixão com ele”. Trata-se do efeito catártico que se abateu sobre o público, também diante da dupla Bárbara Paz e Supla. “De início, Supla era o preferido, mas a atriz tinha como maior apelo a pena que despertava no telespectador. E, ainda, se mostrava como era, sem disfarces.” Para Maria Thereza, a dúvida situava-se entre a menina pobre, que poderia remeter a uma menina de rua, e Supla, rapaz com boa situação financeira. Restou a pergunta se ela não estaria sendo, mais uma vez, excluída. “As pessoas torcem para o bom caráter”, resume, ao comparar o comportamento do público diante da personagem Alicinha, da novela das oito, da Rede Globo, “O Clone”, vivida pela atriz Cristiana Oliveira: “Ela é má, por isso ninguém gosta. Vem ao encontro da característica humana de querer que as coisas acabem bem, de não querer que o mal vença”.
Atitudes manifestadas na “Casa dos Artistas” e “Big Brother”, de certa forma, “corrigem” momentos em que a violência mostra-se insuportável. Já que “nenhum homem vive sem ter ao menos uma hora de ficção por dia”, diz a professora, lembrando o professor Antonio Candido, os reality shows conseguem, de alguma maneira, equilibrar esse problema. “São um momento de desafogo.”
Altos índices de audiência comprovam a preferência do público. Embora o público fosse mais fiel nos primeiros programas — hoje o maior número de telespectadores o assiste aos domingos —, a “Casa dos Artistas” registrou sua melhor marca, 29 pontos no Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística), domingo, dia 7 de abril.
O primeiro reality show da história da televisão surgiu nos Estados Unidos, em 1973, mostrando a rotina de uma família norte-americana (An American Family), na Califórnia. E o primeiro personagem a conquistar o público, naquele país, foi um adolescente gay, representado por um ator que já morreu, vítima de Aids.
No Brasil, o primeiro trabalho de análise envolvendo o apresentador Sílvio Santos foi feito pela professora Maria Thereza, há cerca de 20 anos. Ela destaca sua personalidade “autoritária” em relação ao público, identificado com pessoas dispostas a sempre atendê-lo durante a exibição dos programas.
Suaves e sem agredir o dia-a-dia, “Casa dos Artistas” e “Big Brother Brasil” mostram-se muito diferentes do novato “Hipertensão”, que substitui “No Limite”, na Rede Globo. Este “exagera e apela o quanto pode para conseguir pontos no Ibope”, acrescenta a professora. É comparado ao Mondo Cane, filmes da década de 70 que expunham o telespectador a imagens chocantes, como jantares em que eram servidos cérebros de animais ou sopas com olhos, vísceras etc. Tal como no filme, o programa exige que os competidores passem por situações constrangedoras, obrigados a comer larvas, baratas e insetos para ganhar R$ 50 mil. Ou são expostos a riscos, como subir em helicópteros em movimento, andar por barras a 30 metros de altura, para depois jogarem-se delas em redes estrategicamente colocadas. Podem, ainda, ser amarrados em covas vazias, à noite, para terem jogados sobre o corpo ratos, que acabaram por farejar e morder os concorrentes.
“É apelação das mais brutais, tornando a realidade dura demais”, considera. Se terá ou não sucesso duradouro, a professora não é capaz de prever. Acredita que a televisão copie fórmulas vencedoras e, nesse caso, tais programas terão “um tempo maior de interesse, que deverá ir declinando”.

Novelas da realidade

A professora Maria Thereza não se atém apenas aos programas onde gente comum passa por situações-limite. Ela também faz seus comentários sobre o programa “Linha Direta”, que mostra crimes, entrevista testemunhas e persegue, de certa forma, o criminoso, oferecendo números de telefones e sigilo. “São novelas da realidade, pois ali as pessoas pedem ajuda, e a simulação tem momentos comparáveis às novelas.” Este e o “Programa do Ratinho”, “com características meio circenses”, funcionam como fóruns de resolução de problemas. Aumento desse tipo de abordagem vem sendo registrado na televisão brasileira. Longe de representar morosidade da Justiça, a professora entende que tal exposição se explica pela “necessidade de a pessoa ser vista - é a vontade de aparecer”, constata.
Quem aceita participar da “Casa dos Artistas” “quer se ver depois e, no momento de expor-se, está sendo movido pelo sabor da aventura”. Os participantes, segundo ela, não demonstram voyeurismo . O voyeur sente prazer, geralmente de natureza sexual, espionando situações íntimas entre pessoas que ignoram estar sendo observadas. O mesmo não se dá na “Casa dos Artistas”, onde existe “um acordo tácito” entre os dois lados — pessoas estão sendo vistas e sabem disso.
Há motivos consistentes envolvendo os que optam por esse tipo de programação. Grandes metrópoles oferecem isolamento, induzindo pessoas a “perceber, da tranqüilidade de suas casas, como os grupos interagem ou discordam”.
O isolamento obriga que não se chegue à casa de alguém sem avisar. As cidades crescem e os meios de comunicação voltam o indivíduo para si próprio. Muitos preferem, hoje, conversar pela Internet a fazê-lo pessoalmente. “É um tipo de organização do trabalho, da cidade que leva os cidadãos a desligarem-se para ligar a televisão”, analisa.
Porém , mesmo com todo o aparato inovador, os reality shows não conseguiram superar a audiência das telenovelas. Diferentes no formato e na proposta, entraram com muita força no Brasil mas, quem vê um, vê outro.
“O sucesso de ‘O Clone’ superou os chamados shows de realidade, mantém-se no pico de audiência e está entre as novelas de maior índice dos últimos cinco anos.” Os reality shows estão muito longe de substituí-las, pois as novelas são ficção, mas abordam problemas graves do dia-a-dia, como as drogas em “O Clone”. “Voltar-se cada vez mais para a realidade é uma característica da escritora Glória Perez, como já ocorreu em ‘Barriga de Aluguel’: ela sempre avançou nos temas”, garante a professora. O fato de as telenovelas terem se transformado em “instituição nacional” deve-se a “todo mundo gostar de ouvir histórias, saber da vida de alguém, coisas naturais no ser humano”.
Os reality contam histórias de pessoas cujo destino é indeterminado. Não existe, ali, um trabalho de criação: “A realidade se cria e se recria diariamente”. Houve um momento em que a “Casa dos Artistas 2” convidou a socialite Carol, ex-esposa do playboy Chiquinho Scarpa, que optou pela “baixaria, tendo como conseqüência a diminuição da audiência - uma mudança negativa”. Afinal, as pessoas preferem o “bom-caratismo” e não suportam didatismo. “O público achou forçada a inclusão da socialite.” O mesmo se dá quando ações de merchandising mal elaboradas forçam o ator a dizer que tomará uma cerveja e a expor o rótulo diante da câmera.
Melhor opção, segundo a professora, foi a do “Big Brother”, que preferiu incluir artistas como os apresentadores Faustão e Ana Maria Braga, o cantor Juca Chaves e o humorista Chico Anísio. “Nesse caso, funcionou como se fosse uma pegadinha de verdade”, afirma.

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Maria Tereza:“torcida pelo bom”











 




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