NESTA EDIÇÃO
Nogueira Neto: espumas perigosas
Barreto: mecanismos eficientes
Bevilacqua: acima do ideal

   





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a última terça, dia 30 de abril, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente de São Paulo (SMA) e sua agência ambiental, a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), realizaram o workshop “Implicações Ambientais e Alternativas quanto ao Uso de Fósforo em Detergentes em Pó” . O encontro, com 11 palestras, reuniu técnicos, especialistas, professores universitários e administradores, públicos e do setor privado, e teve como objetivo trocar informações sobre o uso do elemento químico fósforo, componente do tripolifosfato de sódio (STPP), produto usado na fabricação de detergentes em pó, e a partir daí, elaborar propostas para minimizar o impacto ambiental causado por esse composto, popularmente conhecido como sabão em pó. “Ao tratarmos de aspectos ambientais, técnicos, econômicos e de mercado, compartilhando conhecimentos sobre o assunto, podemos encaminhar a discussão para a Câmara Ambiental, que reúne os formuladores das políticas públicas para o setor, e os representantes da indústria, o que contribuirá para a criação de mecanismos mais eficientes de preservação da qualidade das nossas águas, com ganhos para toda a sociedade”, afirma Dráusio Barreto, diretor-presidente da Cetesb.
A maioria dos países, incluindo o Brasil, utiliza o STPP na fabricação de detergentes. O problema é que o fósforo desse composto, dissolvido na água, funciona como alimento para algas, que passam a se reproduzir em enorme quantidade, consumindo o oxigênio, vital para a manutenção da vida de outras espécies. Alguns países, como os Estados Unidos e Japão, substituíram o STPP por zeólitos, compostos que causam menos prejuízos ao meio ambiente.
Uma resolução de 1986, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), estabeleceu a quantidade de 0,25 mg de fósforo por litro de água como limite permitido para não prejudicar a vida aquática e a saúde humana. Em muitos mananciais e rios de São Paulo, esse número chega a 0,9 mg, o que torna o tratamento da água que consumimos mais caro, limita as possibilidades de lazer ou da prática de esportes náuticos, além de gerar problemas estéticos e mau cheiro. “Em 86% dos pontos de monitoramento da Cetesb o fósforo foi encontrado em quantidades acima do ideal”, informa José Eduardo Bevilacqua, gerente da Divisão de Qualidade de Águas da Cetesb. “Nos reservatórios, os peixes, ao morrerem, liberam novamente o fósforo na água, que volta a ser absorvido pelas plantas, principal alimento da vida animal, num ciclo constante, difícil de romper, daí a importância de evitarmos a poluição das águas.”
A questão da espuma causada pelos detergentes foi citada por Paulo Nogueira Neto, professor do Instituto de Biociências da USP (IB) e membro do Conama, que contou o caso de uma criança que, anos atrás, se perdeu na beira do rio, no meio da espuma causada por detergentes e acabou caindo em uma vala, onde morreu, e de um amigo seu, que quase bateu o carro na Marginal Pinheiros quando a espuma do rio grudou no pará-brisa, tirando momentaneamente sua visão.
José Estanislau do Amaral Souza, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Produtos de Limpeza e Afins (Abipla), afirmou que o fósforo dos detergentes sólidos não tem relação com a espuma, a qual era, na verdade, causada por “tensoativos não-biodegradáveis” dos detergentes líquidos, problema corrigido a partir da criação de uma lei federal proibindo sua utilização.
O fósforo passou a ser utilizado na produção de detergentes em pó porque reage com o magnésio e o cálcio presentes na água, elementos que dificultam a ação do detergente, diminuindo essa resistência química e permitindo que o produto tenha maior eficácia. A quantidade de ambos na água varia de acordo com as características minerais do solo de cada região ou país, o que faz com que a quantidade de fósforo nos detergentes fabricados pelas indústrias varie. No Chile, por exemplo, a concentração deles, chamada de “dureza” da água, é maior que a do Brasil, o que significa mais fósforo nos detergentes em pó.

Poluição ameaça futuro

Segundo Bevilacqua, o problema é tão sério que cerca de 43% dos rios do Estado estão com seu uso comprometido devido à destruição causada pelo fósforo. “Claro que a agricultura, com seus fertilizantes que contêm fósforo, também contribui para a poluição dos mananciais, problema que necessita de solução”, diz Bevilacqua. “Os esgotos domésticos lançados nos rios também contribuem para isso, o que explica, entre outros fatores, o perigo das ocupações irregulares em áreas de proteção de mananciais.”
De acordo com Paulo de Tarso Florenzano, da Copebras, empresa que produz e comercializa tripolifosfato de sódio, é importante notar uma diferença significativa no uso da substância nas diversas áreas da indústria.
Do total de STPP produzido no País, 88,1% são direcionados para a fabricação de fertilizantes e apenas 2,1% usados na produção de detergentes em pó. Florenzano destaca que a média de STPP utilizado nesse ramo da indústria é de 10% a 15%. “As plantas e vegetais absorvem de 5% a 30% de fósforo, enquanto o restante fica no solo, sendo que boa parte acaba sendo levada pelas chuvas para rios, lagos e mananciais.”
Para Juliana Mendes Nunes, representante da Abipla e da Unilever, o Brasil, apesar de alguns atrasos nos estudos sobre o impacto ambiental causado pelo uso de fósforo vindo de detergentes em pó, tem a vantagem de poder acessar os resultados das pesquisas feitas pelos países mais desenvolvidos.

Alternativas e estudos

Mas a substituição de STPP por zeólitos não é tão simples. O professor Omar El Seoud, do Instituto de Química da USP (IQ), questiona se a eliminação do fósforo dos detergentes de fato diminuirá o crescimento das algas. “Outra questão é que precisamos saber qual será o impacto ambiental causado pelos potenciais substitutos do produto.”
Com o objetivo de elaborar propostas que minimizem o problema, foi criado, durante o workshop, o Grupo de Trabalho do Fósforo. Formado por representantes da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), entre outros, o grupo ficou sob a coordenação de Maria Eugenia Saldanha, da Abipla, e José Eduardo Bevilacqua, gerente da Divisão de Qualidade de Águas da Cetesb.
O grupo, ligado à Câmara Ambiental da Cetesb/SMA, terá um prazo de 30 dias para elaborar um plano de desenvolvimento de atividades e 90 dias para apresentar os primeiros resultados.



Brasil ratifica protocolo

Todos esse debates foram discutidos em um momento crucial para a preservação da natureza. Na última segunda-feira, dia 29 de abril, o Canadá anunciou o adiamento da ratificação do Protocolo de Kyoto, acordo firmado em 1997 pelas nações mais industrializadas do mundo, com o objetivo de reduzir a emissão dos gases responsáveis pelo aquecimento do planeta. Pressionado pelos Estados Unidos, que se retiraram do acordo após a posse do seu atual presidente, e por suas indústrias, o governo do Canadá foi levado a tomar a mesma atitude.
Apesar disso, o secretário do Meio Ambiente, professor José Goldemberg, afirmou que o momento decisivo será em agosto, durante a Reunião Rio+10, quando os países que concordam com o protocolo deverão assiná-lo. “Se o Canadá, a Rússia e a Austrália, países que estão sofrendo pressões dos Estados Unidos, não assinarem, os objetivos do protocolo não serão atingidos”, explica. “O Brasil está dando um ótimo exemplo ao aprovar o protocolo e deixar claro que está comprometido com o desenvolvimento sustentável e com a preservação da vida no planeta.”
O principal ator do aquecimento global é o gás carbônico, formado na queima de combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo e gás natural).
O argumento das indústrias dos países que se recusam a aderir ao acordo é que a redução do consumo dessas fontes de energia, necessária para a diminuição da emissão do gás, levará a uma perda de competitividade. Entretanto, o protocolo possui o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), pelo qual os países em desenvolvimento irão receber recursos para serem aplicados no desenvolvimento de projetos de energia limpa (ventos, biomassa e raios solares).
Esta semana, a Secretaria do Meio Ambiente enviou uma representação ao Conama pedindo o fim do uso do fósforo em detergentes.

 




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